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quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

No Supremo pela porta dos fundos



Patrimonialismo impede a morte da velha política na cúpula do Judiciário

A lambança do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello a poucos minutos do expediente de fim de ano do Poder Judiciário, ao tentar soltar 169 mil presos condenados pós-segunda instância, entre eles Lula, despertou mais uma vez a fúria popular. E com ela emergiu também a criatividade das fórmulas desejadas para substituir a atual indicação de seus componentes pelo presidente da República, com aval do Senado Federal após sabatina. Eleição direta dos ministros, concurso público para admissão e indicação por notáveis ou mesmo associações da classe jurídica são, entre elas, as mais citadas.

Como dizia minha avó, “devagar com o andor, que o santo é de barro”. E seguindo instruções de Jack, o Estripador, “vamos por partes”. Quem tem conhecimento mínimo do resultado de eleições diretas, principalmente para ocupantes de colegiados, como o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais, não pode nutrir a mínima esperança de que o voto direto livre os tribunais superiores dos vícios de sempre com a escolha dos mais sábios e mais justos. Concurso público pode escolher mais membros com mais conhecimentos para lidarem com informações sobre determinada área, mas não há prova, oral ou escrita, que escolha entre os pares o mais habilitado a dirimir questões sobre a adequação de determinada lei ao texto constitucional vigente. Não há notáveis ou instituições isentas da interferência de lobbies e que tais na escolha de um profissional para ocupar um cargo de tal relevância e que representa o mais elevado posto na carreira de um profissional do Direito.

A vida do protagonista citado no início deste texto dá a oportunidade de indicar caminhos mais seguros para levar gente mais capacitada e equilibrada para ocupar o topo. Marco Aurélio Mello é o exemplo perfeito de como o patrimonialismo atravessou incólume todas as tentativas de superá-lo e resiste, como entulho, no terreno das instituições republicanas, acentuando suas imperfeições e demolindo a reputação de seus agentes. Ele entrou na carreira pública como procurador na Justiça do Trabalho, invenção de Getúlio Vargas depois da Revolução de 1930, para funcionar como elo no aparelho de poder de um tipo de populismo latino-americano, o trabalhismo. Uma espécie de fascismo cucaracho, também estrelado por Juan Domingo Perón, na Argentina, e Haya de la Torre, no Peru. 

O cargo não foi obtido por concurso público, mas por nomeação patrocinada pelo pai, Plínio Affonso de Farias Mello, patrono até hoje reverenciado no ambiente do sindicalismo patronal como uma espécie de benemérito da classe dos representantes comerciais. O prestígio de Plínio Mello era tal que o último presidente do regime militar, João Figueiredo, manteve aberta a vaga no Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro para o filho dele, Marco, completar 35 anos, em 1981, e com isso cumprir preceito legal para assumi-la. O prestígio paterno levou-o ao Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, onde Fernando Affonso Collor de Mello o encontrou para promovê-lo – tcham, tcham, tcham, tcham! – para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Neste caso, em que se entrelaçam parentela, compadrio e interesses corporativos, Fernando merece citação especial, pois seu avô materno, Lindolfo Collor, revolucionário de 1930, foi ministro do Trabalho. É também uma história com marcas de chumbo e sangue: Arnon, pai do ex-presidente, irmão de Plínio e tio de Marco Aurélio, atirou em Silvestre Péricles de Góes Monteiro, seu inimigo em Alagoas, no plenário do Senado e matou, com uma bala no coração, o acriano José Kairala, que entrou na tragédia como J. Pinto Fernandes, citado no último verso do poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade: “que não tinha entrado na história”. É um caso comum na era dos “pistolões” e pistoleiros. 

No STF Marco Aurélio sempre foi voto vencido e um espírito de porco até que encontrou um rumo depois que a ex-presidente Dilma Rousseff nomeou sua filha Letícia desembargadora no Tribunal Regional da 3.ª Região, no Rio, demonstração de como o nepotismo se perpetua. Foi desde então que o campeão das causas perdidas abraçou cruzadas que atendem aos interesses petistas e aos de nababos da advocacia de Brasília, que defendem a troco dos dólares que ganharão, quando for, se é que vai ser, extinta a jurisprudência que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. Foi em nome dela que cometeu o tresloucado gesto. 

O antagonista no episódio, Dias Toffoli, presidente do STF, mas adepto da mesma cruzada, até tentou ser juiz por concurso, mas foi reprovado em dois. Como defensor de José Dirceu e do PT e advogado-geral da União de Lula, contudo, ascendeu ao cargo que hoje ocupa. O posto, aliás, já tinha pertencido antes, com graves danos para a Constituição, rasurada por ele na ocasião do impeachment de Dilma, a Ricardo Lewandowski. Este foi nomeado pelo quinto constitucional para o Tribunal de Alçada Criminal por indicação de seu então chefe, Aron Galant, prefeito de São Bernardo do Campo. Extinto o órgão, foi transferido para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e chegou ao STF por mercê de suas ligações de compadrio e amizade com o casal Marisa e Lula da Silva. O monturo patrimonialista só será desmanchado se forem fechadas a porta dos fundos do STF, pela qual entram os quintos, e a Justiça trabalhista.

Este conto de trancoso terá um final feliz se loucuras como a de Marco Aurélio e do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, em Porto Alegre, não forem sequer tentadas. Toffoli marcou a sessão plenária do STF para decidir sobre a jurisprudência da possibilidade de prisão em segunda instância para 10 de abril. Mas só haverá solução final se Bolsonaro e Moro levarem à aprovação do Congresso uma lei para determiná-la. O resto é lero. 

José Nêumanne, jornalista, escritor e poeta - O Estado de S. Paulo


quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Candidato tutelado de uma cela

Terminou ontem o ato que todos sabiam como iria acabar. 

O ex-prefeito Fernando Haddad foi anunciado como candidato do PT à Presidência da República para, se vencer, exercer o poder em nome de Lula e com o Lula. O ex-presidente continua sendo a primeira pessoa, agora na chapa encabeçada por Haddad. Na carta, o próprio ex-presidente definiu: “Haddad é meu representante nessa batalha.” Ele fica assim numa situação inusitada, só comparável ao que aconteceu com Héctor Cámpora na Argentina.


Cámpora assumiu em maio de 1973, depois de ter vencido as eleições como representante de Juan Domingo Perón. Ficou dois meses no cargo, permitiu a volta do ex-presidente, renunciou e convocou novas eleições, que elegeram Perón. A diferença entre os dois casos é que Cámpora tentava contornar o veto militar ao ex-presidente. Aqui, o que impede Lula de ser candidato é uma lei que ele mesmo sancionou, e em cuja tramitação o PT teve papel central. A impugnação de Lula é decorrência de uma lei democrática e não uma conspiração das elites, como disse ontem o candidato Fernando Haddad.


Haddad em frente à PF de Curitiba, onde está preso Lula | Rodolfo Buhrer/ Reuters

 [por favor, observem bem a foto e comparem com o que sabiamente foi apontado pelo articulista Álvaro Gribel e que reproduzimos: 
"Só havia pessoas brancas no campo de visão da imagem transmitida pelo PT, quando Haddad relacionou, entre os vários motivos pelos quais Lula estaria sendo impedido, o de ter permitido a ascensão dos negros. “Será que é porque eles tiveram que se sentar com um negro no avião?” perguntou." deduzam por si.] 

Só havia pessoas brancas no campo de visão da imagem transmitida pelo PT, quando Haddad relacionou, entre os vários motivos pelos quais Lula estaria sendo impedido, o de ter permitido a ascensão dos negros. “Será que é porque eles tiveram que se sentar com um negro no avião?” perguntou. Outro motivo teria sido a reação da elite ao fato de o partido ter tirado o Brasil do mapa da fome.


Demagogias assim são comuns em período eleitoral. Normalmente, elas se chocam com os fatos. A Pnad de 2015 mostrou que, no último ano que o PT governou o Brasil, nos 12 meses, a renda dos 10% mais pobres caiu 7,1%. A recessão provocada pelo próprio PT levou à inflexão no movimento virtuoso de redução da pobreza, que havia começado com o Plano Real e se acentuado com os programas sociais da era Lula.


Haddad dirigiu-se a quem “está sentindo a dor de não poder votar em Lula” e ofereceu-se como interposta pessoa. Voltou a repetir o clichê de que “Lula fez o que eles não conseguiram fazer em 500 anos”. Esse “eles” inespecífico faz parte da estratégia política do PT. Assim o eleitor entende como quiser. “Nós temos um líder”, disse Haddad, mais uma vez subserviente. E disse que quer “olhar no olho do povo” para lembrá-lo dos bons tempos do Lula.


Do lado, séria e sem olhar na direção de Haddad, a ex-presidente Dilma foi citada rapidamente. A estratégia do partido é avivar a memória do período de crescimento no governo Lula e apagar a lembrança de que a recessão começou no período Dilma. A narrativa do PT é que ela cometeu erros pontuais, mas foi impedida de governar pelos que perderam a eleição de 2014. A verdade é bem mais complexa. Nos anos de crescimento do governo Lula, a política de ampliar o gasto público foi a semente da crise aprofundada pelos erros da gestão Dilma. Na última eleição, a economia já estava em forte desaceleração, na véspera de cair na recessão no começo de 2015.


A aposta petista é que a memória brasileira é curta e o eleitor, ferido pela recessão e pelo desemprego, verá Haddad como o novo rosto de Lula. O ex-ministro precisou da autorização expressa de Lula para dar cada passo que deu. E será, até o fim, um candidato tutelado a partir de uma cela da Polícia Federal em Curitiba. Até agora, conseguiu um feito importante que foi vencer as muitas correntes internas do PT. Tem apenas 26 dias para convencer o eleitorado a levá-lo ao segundo turno.


As duas principais campanhas continuarão sem seus titulares. O candidato do PSL permanecerá no hospital ou em recuperação. O PT deixou claro ontem, mais uma vez, por atos e palavras, que é Lula quem decide e manda. Nesta estranha campanha, tanto Lula quanto Bolsonaro conseguiram transformar seus dramas em alavancas. [considerar drama o fato de um criminoso condenado se encontrar encarcerado e também classificar como drama  uma pessoa de BEM, vítima de um atentado covarde - que não foi ato de um lunático o que é fácil de deduzir pela condição financeira excelente do autor do ato (aqui se considera o fato do Adelio passar a maior parte do tempo desempregado e quando empregado ser sempre em ocupações com remuneração em torno de um salário mínimo = situação que não combina com seu estilo de vida, posses e outros haveres que exigem uma fonte de rendimento bem superior a que dizem ser a que o esfaqueador possui.) é uma classificação que representa um ponto fora da curva para os dois excelentes articulistas.] 

 O PT apresenta a prisão de Lula como uma punição injusta que ele recebe por ter distribuído bondades ao povo. Bolsonaro, depois de meses de defesa de um projeto belicoso, subiu na esteira de um ataque a faca que sofreu. O Ibope de ontem mostrou que Bolsonaro subiu quatro pontos, desde a última pesquisa, e está com seis pontos a mais na espontânea. Sua rejeição caiu pouco, apenas 3 pontos, e ainda é a mais alta, 41%. Nada está cristalizado, contudo. O voto ainda é volátil e vai se mover em várias direções nos próximos dias.