A polêmica execução sumária
A chocante morte do brasileiro Marco Archer e o iminente fuzilamento do paranaense Rodrigo Gularte na Indonésia, onde os índices de criminalidade continuam altos apesar da severidade das penas, reacendem o debate sobre a eficácia desse método punitivo [foi, é e sempre será eficaz, pois não permite reincidência e tem um efeito didático bem maior do que ver o criminoso ficar livre após alguns anos de cadeia.]
Um campo aberto e uma cruz de madeira na ilha de Nusakambangan. Essa foi a última paisagem contemplada por Marco Archer Cardoso Moreira, que morreu aos 53 anos, fuzilado na Indonésia por tráfico de drogas no sábado 10. Assim como os outros quatro condenados à morte, Marco vestia uma camisa branca com uma marca preta na altura do coração, para facilitar a mira dos atiradores. O brasileiro decidiu morrer vendado e em pé – poderia ter ficado sentado ou de joelhos. E em pé ouviu o comandante do pelotão soprar o apito que anunciava a execução. A espada erguida sinalizava para os atiradores mirarem o peito dos condenados. Segundos depois, o disparo. Marco foi executado com um único tiro, a uma distância entre cinco e dez metros. Confirmada a morte, foi vestido em um terno preto, providenciado pelo governo local, e levado por uma ambulância.
FIM
Terreno descampado em Nusakambangan, Indonésia, local onde cinco prisioneiros foram executados. Marco Archer (no detalhe) morreu na segunda cruz da esquerda para a direita
Terreno descampado em Nusakambangan, Indonésia, local onde cinco prisioneiros foram executados. Marco Archer (no detalhe) morreu na segunda cruz da esquerda para a direita
Sendo verdadeira a versão apresentada, o assassino, no caso um policial militar, mereceria pena tão severa quando a aplicada no arquipélago asiático.]
Após fracassar nas sucessivas tentativas de salvar Marco Archer – a presidente Dilma chegou a emitir um apelo humanitário pessoal ao atual presidente, Joko Widodo, para que concedesse clemência ao condenado –, o governo brasileiro batalha pela vida do paranaense Gularte, preso no Aeroporto Internacional de Jacarta em 2004 ao tentar entrar no país com seis quilos de cocaína escondidos em pranchas de surfe. O Itamaraty não entrou em detalhes sobre a estratégia a ser adotada junto ao governo da Indonésia, mas parentes de Gularte buscaram a ajuda do papa Francisco para interceder no caso. A postura de negociação tem sido, desde o início, optar por um trabalho discreto, sem constrangimento por parte do governo indonésio. Segundo especialistas em relações internacionais, esse tipo de ação é adotada para não provocar um efeito contrário ao desejado – o de esquentar ainda mais os ânimos e piorar o quadro dos condenados. Fontes próximas à família confirmam a existência de um laudo médico atestando que Rodrigo desenvolveu sintomas de esquizofrenia na prisão e apresenta sinais de perda da consciência.
A Justiça indonésia permite que, em casos de demência, o condenado seja transferido para um hospital. “Reconheço que o Rodrigo cometeu um erro, mas não se justifica a pena de morte. Não foi um crime tão grave. Ele está preso há mais de dez anos e acredito que já pagou o suficiente”, disse a mãe, Clarisse Gularte. Na terça-feira 20, o Ministério das Relações Exteriores informou que o pedido de clemência foi rejeitado. Na quarta-feira 21, o embaixador brasileiro na Indonésia, Paulo Alberto Soares, chamado ao País pela presidente após a execução de Archer, se reuniu em Brasília com Dilma e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Resposta à insegurança
Enquanto governo e família se unem em
defesa da vida de Gularte, a população do País se divide. Parte dos
brasileiros se chocou com a execução de Archer, mas outra parcela não
escondeu manifestações de apoio ao governo indonésio. E mesmo em países
como o Brasil, em que o direito à vida é garantido pela Constituição, a
pena capital tem simpatizantes. [só que a garantia da Constituição não vale para o cidadão de BEM que é covardemente assassinado por bandidos, que na maior parte das vezes ficam impunes ou recebem pena leve.] Uma pesquisa realizada em setembro do
ano passado pelo Datafolha mostrou que 43% dos brasileiros apoiam a pena
de morte. O coordenador do Programa de Justiça da ONG Conectas, Rafael
Custódio, diz que a pena capital carrega em si a ideia de castigo que
encontra aceitação popular. “Há um conceito vulgarizado de que, quanto
mais dura for a resposta da Justiça, mais segura será a sociedade e com
isso a população passa a enxergar na execução uma medida necessária.”
Assim, a pena de morte se torna uma resposta imediata ao medo em regiões
assoladas pela violência, que não conseguiram desenvolver políticas de
segurança bem estruturadas. Caso do Brasil.
Atualmente, a Anistia Internacional estima que 23 mil pessoas esperam no
corredor da morte em todo o mundo. Os últimos números divulgados por
esse órgão mostram que houve um aumento global no número de execuções.
Em 2013, pelo menos 778 pessoas foram executadas em 22 países; em 2012,
foram 682 mortes em 21 países. O aumento se deu principalmente por conta
das execuções ocorridas na China, no Irã e no Iraque. “As condenações
na China são consideradas segredos de Estado e no Irã houve uma forte
tentativa de repressão de ativistas políticos”, diz Maurício,
diretor-executivo da Anistia Internacional. Levantamentos de organismos
internacionais dão conta de que países que adotam a pena de morte não
têm necessariamente índices menores de criminalidade. “Uma maior
população carcerária não implica mais segurança”, afirma Nivio
Nascimento, coordenador da unidade de Estado de Direito do Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas
(ONU). Países europeus como Suécia, Dinamarca, França e Inglaterra
possuem baixas taxas de homicídio e não adotam a pena capital.
Dramas familiares
Nos últimos dias, a ONU apelou ao governo
da Indonésia para que restabeleça uma moratória suspendendo a execução
dos condenados à pena de morte e faça uma revisão de todos os pedidos de
clemência. É muito comum na sociedade a ideia de que familiares de
pessoas que já foram vítimas de violência serem favoráveis à pena
capital. “É natural e legítimo à condição das vítimas a vontade de
querer extravasar o sentimento”, diz Janaína Paschoal, advogada e
professora de direito penal da Universidade de São Paulo (USP).
“Não
podemos exigir dos parentes esse desprendimento: alguns têm um
comportamento punitivo, outros não desejam a morte do agressor.”
Entretanto, nos Estados Unidos, por exemplo, há organizações como o
grupo “Famílias das Vítimas de Assassinatos para os Direitos Humanos”
liderando movimentos para abolir a pena de morte. No Brasil, o mesmo
ocorre com familiares de vítimas de crimes brutais. Como o de Liana
Friedembach, mantida em cárcere privado, sequencialmente estuprada e
depois assassinada com golpes de facão aos 16 anos, em 2003, pelo menor
Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha, e seus comparsas. “Sou
completamente contrário à pena de morte. Primeiro por uma questão
religiosa, segundo porque não confio 100% no nosso Judiciário”, afirma o
vereador por São Paulo Ari Friedembach (PROS), pai de Liana. “Acredito
que precisamos de penas mais duras, longas e efetivamente cumpridas”,
diz. Para ele, crimes como estupro, latrocínio e assassinato deveriam
compreender um tempo de detenção de modo que a pessoa não voltasse ao
convívio social. Champinha está internado há sete anos em uma Unidade
Experimental de Saúde (UES), da Secretaria Estadual de Saúde, destinada à
recuperação de jovens infratores com distúrbios mentais graves, em São
Paulo.
IMPUNIDADE QUE REVOLTA
Autor de um crime que horrorizou o País em 2003, Champinha incendiou à época a parcela da população favorável à pena capital
Autor de um crime que horrorizou o País em 2003, Champinha incendiou à época a parcela da população favorável à pena capital
Cada país possui soberania para adotar ou
não a pena de morte. O Brasil não pratica o método de execução porque
entende punição como privação de liberdade, que funcionaria como um
mecanismo de ressocialização. As execuções interrompem esse processo. “É
um modelo cômodo, porque a sociedade descarta o criminoso sem a
contrapartida de recuperá-lo”, disse à ISTOÉ o ex-ministro do Supremo
Tribunal Federal Carlos Ayres Britto. “A pena de morte é um resquício da
barbárie que se mostrou conhecida com a lei do olho por olho, dente por
dente.” O direito de não ser condenado à morte é considerado uma
cláusula pétrea da Constituição, que não pode ser modificada nem mesmo
por meio de uma emenda à Carta Magna. Apesar disso, o deputado Jair
Bolsonaro (PP/RJ) acredita que a pena capital é a melhor saída para
crimes que envolvam mortes ou abusos sexuais de crianças. “Se fosse com
um filho meu, só teria um pouco de tranquilidade depois que esse homem
fosse morto.” Bolsonaro declarou apoio à pena adotada na Indonésia. “O
ser humano só respeita o que ele teme”, diz.
No país do Sudeste Asiático, as condenações
não conseguiram diminuir o tráfico de drogas. Em Bali, um dos
arquipélagos mais famosos do mundo, há uma grande demanda pelas
substâncias ilícitas. “O tráfico está ligado ao circuito internacional
de drogas e as pessoas chegam à ilha acostumadas com uma política mais
liberal”, diz Santoro, da Anistia Internacional. O perfil social dos
traficantes de Bali é diferente do encontrado em outros países. Na ilha,
quem vive do tráfico são, em geral, surfistas de classe média e com
escolaridade. Ao longo dos anos, a Indonésia se tornou um centro de
distribuição de drogas para os países asiáticos e para a Austrália. “A
pena de morte não vai trazer qualquer impacto positivo”, disse à ISTOÉ
Haris Azhar, diretor da ONG Kontras, que atua na Indonésia na defesa dos
direitos humanos. “Até o momento o governo mostrou incapacidade de
lidar com a guerra contra as drogas e com a rede de traficantes que
circulam livremente dentro e fora do país.” Outro fato recente que expôs
a incoerência da Justiça indonésia foi o pedido de clemência à Arábia
Saudita para evitar a morte de Satinah Binti Jumadi Ahmad, uma cidadã
daquele país condenada por assassinar e roubar sua empregadora. O
governo indonésio fez um apelo formal pedindo a suspensão da execução.
“Esse é o problema de adotar dois pesos e duas medidas”, diz Azhar. [são crimes diferentes e a Indonésia está apenas exercendo um direito de País SOBERANO.
Seria contraditório se a condenada tivesse praticado o crime de TRÁFICO DE DROGAS.]
A adoção da execução implica diversos riscos à sociedade. Em países com
grande desigualdade, ela costuma recair sobre pessoas de classes sociais
mais baixas. E como se trata de uma pena irreversível, há o temor de se
condenar inocentes. Um estudo da Universidade de Michigan indica que um
em cada 25 condenados nos Estados Unidos é inocente. É o caso do
operário Manuel Vélez que, depois de passar nove anos detido, foi
libertado em outubro do ano passado. Preso no Estado do Texas, em 2005,
pela morte de um bebê, Vélez foi condenado à morte em 2008. Advogados
contratados pelo Estado comprovaram que havia sinais de ferimento no
bebê muito antes de ele ter tido contato com o operário. À época, o
diretor do Death Penalty Information Center, Richard Dieter, afirmou que
a libertação do operário demonstrava os diversos problemas da pena
capital. “Muitos outros homens presos na câmara da execução nunca
tiveram um bom advogado trabalhando em seus casos. A execução de Marcos
Archer e o possível fuzilamento de Rodrigo Gularte, que colocaram o
Brasil na rota das execuções, convidam à reflexão: o Estado tem direito
de tirar a vida de um cidadão? Para a diretora da Human Rights Watch
Brazil, Maria Laura Canineu, trata-se de um método cruel e degradante.
“O individuo é torturado psicologicamente enquanto aguarda a decisão
final”, diz ela. “Todos têm o direito de reinserção em um sistema que
deveria ser restaurativo e não punitivo.”
O último condenado à morte no Brasil
A última sentença de morte oficial do Brasil foi dada ao fazendeiro
Manoel da Motta Coqueiro, em 1855. Ele foi enforcado em Macaé, no Rio de
Janeiro, acusado de assassinar uma família de oito colonos que
trabalhava em sua propriedade, em Macabu (RJ) – por isso ficou conhecido
como “a fera de Macabu”. Assim como na Indonésia atual, pelas leis do
Brasil imperial só era possível escapar da execução pela clemência do
governante. Entretanto, dom Pedro II não concedeu a graça e Manoel se
tornou o primeiro homem rico e de alto escalão social a ser enforcado no
País. Anos depois, com a comprovação da inocência do fazendeiro, o
imperador parou de aplicar a penalidade máxima. Com a Constituição da
República, em 1891, execuções foram legalizadas apenas em situações de
guerra, mas voltaram à legislação com a instituição do AI-5, em 1969.
As vidas ceifadas durante a ditadura, no entanto, não foram registradas
como execuções oficiais. [a matéria omite que eventuais mortes ocorridas durante o Governo Militar que atingiram terroristas e guerrilheiros foram cometidas por integrantes das forças de segurança e que agiam no ESTRITO CUMPRIMENTO do DEVER LEGAL, já que reagiam a uma ação terrorista ou buscavam prender um terrorista legalmente condenado.
A matéria omite que MAUS BRASILEIROS - terroristas e guerrilheiros - cometeram vários crimes de morte contra vítimas inocentes e que a famigerada 'comissão da verdade' simplesmente ignorou.
Infelizmente, durante o Governo Militar o covarde assassino terrorista Theodomiro Romeiro foi condenado pela Justiça Militar à PENA DE MORTE, mas, por leniência da própria Justiça, aquele criminoso não foi executado e se tornou, ironicamente e de forma debochada, Juiz do Trabalho.] A Constituição de 1988 retorna a considerar a
pena capital apenas em casos de guerra.
Fonte: Revista IstoÉ
Fotos: Shutterstock; Reuters; Divulgação; Mast Irham/efe; Renan Antunes de Oliveira