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domingo, 19 de novembro de 2017

O que se espera do novo diretor-geral da PF

O noticiário sobre padrinhos de Segóvia não é animador, mas, se cumpridas promessas feitas em entrevistas, o necessário combate à corrupção será preservado

Sem nunca ter sido um cargo menor na alta burocracia estatal, a direção da Polícia Federal ganhou mais importância à medida que organismos públicos receberam musculatura e passaram a flexioná-la no enfrentamento à corrupção nas elites políticas e empresariais.  Foi dessa forma que o Ministério Público, fortalecido institucionalmente pelos constituintes da Carta de 88, entrou no radar das preocupações dessas elites. 

Assim como a PF, parceira do MP em ações que, em especial, desde março de 2014, com a ida às ruas da Lava-Jato, passaram a tentar virar o jogo neste enfrentamento, em que nunca o princípio republicano da lei valer para todos valia de fato. Ocorrera antes o histórico desbaratamento do mensalão petista, quando o Supremo, contra as expectativas, condenou poderosos a sentenças de reclusão. Mas a Lava-Jato tem sido o marco mais visível desta mudança.

É pelo fato de este avanço de instituições que vigiam a aplicação de princípios republicanos inscritos na Constituição ainda não estar consolidado que a transferência do cargo de diretor-geral da PF de Leandro Daiello para Fernando Segovia, previsto para amanhã em Brasília, se constitui em bem mais que um ato protocolar.  Segovia, já empossado, aterrissa em um cenário inóspito para ele. Isso, devido às diversas manobras para emparedar a Lava-Jato ou qualquer outra operação do tipo que avance contra esquemas de corrupção que se cristalizaram no país com a participação de políticos, parlamentares ou não, e grande fornecedores de bens e serviços ao Estado.

As pressões contra a repressão à corrupção deixaram de ocorrer no varejo e passaram a se dar no Congresso e em outros ambientes acarpetados da burocracia estatal. Não apenas no Legislativo. Idêntico ao que aconteceu na Itália das Mãos-Limpas, operação semelhante à Lava-Jato, estrangulada afinal por movimentos como os que estão em curso em Brasília. A escolha de Segovia é parte deste enredo, pelas especulações que a envolvem. É desaconselhável adjetivar-se uma gestão que mal começa. Mas pairam sobre ela preocupações. Segovia e auxiliares dão declarações positivas nas primeiras entrevistas — acelerar inquéritos na instância do Supremo, não proteger políticos, apoiar a Lava-Jato, etc. É mesmo o que se espera deles.

Em contrapartida, há o noticiário sobre o apoio ao novo diretor da PF por parte do ministro Eliseu Padilha, alvo da Lava-Jato, e de Sarney, símbolo do núcleo do PMDB que trabalha para, por ações legislativas, conter organismos de vigilância do Estado na defesa do dinheiro do contribuinte. O prejulgamento é um erro. O antecessor de Segovia, Leandro Daiello, assumiu com Lula, trabalhou no governo Dilma e, assim, demonstrou que é possível exercer com seriedade funções de Estado tendo sido nomeado por um governo. Confirmar isso é o que se espera de Segovia.

Editorial - O Globo

 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Falta combinar com a rua

Nos 25 anos da Mãos Limpas, na Itália, há lições sobre a encruzilhada política em que a Lava-Jato se encontra hoje, quando alguns insistem num certo ‘acordo nacional’

Aconteceu há 25 anos. No fim da tarde de sexta-feira, 17 de fevereiro de 1992, um empresário do setor de higiene hospitalar foi recebido pelo presidente de uma instituição pública de saúde. Tenso, entregou-lhe um envelope com dinheiro, sete milhões, já explicando que ainda não conseguira os outros sete combinados. Era parte da propina de 10% exigida para novo contrato de limpeza. — Quando vem o resto?
Luca Magni ouviu, ajeitou o paletó com a caneta transmissora no bolso, e respondeu:
— Na próxima semana. 

O empresário saiu, policiais entraram e prenderam o presidente do serviço de Saúde, Mario Chiesa, político do Partido Socialista Italiano que sonhava ser prefeito de Milão.
Ninguém ali podia imaginar, mas protagonizavam um evento que, pela década seguinte, revelaria uma Itália dominada pela corrupção. Empresários, políticos e servidores compunham uma engrenagem de roubo de dinheiro público. 

Mãos Limpas, codinome dessa ação judicial italiana, está no DNA da Lava-Jato brasileira. Foi relatada em obra dos repórteres Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio. A recente edição no Brasil tem prefácio de um juiz federal em Curitiba, Sérgio Moro. Exige fôlego (896 páginas), mas a leitura flui como em “Lava Jato”, de Vladimir Netto. São livros complementares. 

Os italianos narram uma história de império da Justiça até a forte reação legislativa dos corrompidos, apoiados pelos corruptores. Nessa encruzilhada hoje se encontra a Lava-Jato.
Lá, em oito anos, foram investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483 parlamentares, dos quais quatro ex-primeiros-ministros. Contaram-se 2.993 prisões e cerca de mil condenações. Empresários se suicidaram, sobreviventes se beneficiaram da anistia autoconcedida pelos políticos.

Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90% empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na primeira instância judicial. Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no Supremo. Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação. 

O Supremo terminou 2016 aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre 58 inquéritos sem denúncia formalizada, de acordo com o relator no STF, Teori Zavascki. Desses, 25 (ou 43%) estavam na polícia ou no Ministério Público. O restante fora ao arquivo (seis casos), juntados ou redistribuídos a outros juízes (27). 

Um mês antes de morrer, na segunda-feira 19 de dezembro, o juiz Zavascki exibiu uma planilha com essas informações. Quis deixar claro que estava “em dia” com os processos — numa crítica indireta ao ritmo da Procuradoria-Geral. Sua ausência estimulou alguns no governo e no Congresso a redobrar a aposta num “grande acordo nacional”, como prescrevia o senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois do carnaval do ano passado: Com o Supremo, com tudo...
Aí parava tudo — retrucou o dono do gravador, Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro.
— É. Delimitava onde está, pronto — arrematou o senador.

No Congresso sobram evidências de tentativas para um certo “acordo nacional”. O problema é o mesmo do último carnaval: falta combinar com a rua.

Fonte: José Casado - O Globo