Em março de 2002, um grupo de 500 militantes do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra (MST) invadiu a fazenda Córrego da Ponte, em
Goiás, e desencadeou uma crise em Brasília, a 200 km dali: as terras
eram da família do então presidente, Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Raul Jungmann, hoje ministro da Segurança Pública, ocupava então a pasta
do Desenvolvimento Agrário (MDA). De Recife (PE) Jungmann despachou
subordinados seus para o local. Horas depois, ele mesmo foi para lá.
Havia tensão porque o governo enviou a Polícia Federal e o Exército e
eles iam invadir o local. "Jungmann tentou garantir que os militantes do
MST não fossem agredidos", relembra a servidora aposentada Maria de
Oliveira, à época funcionária da Ouvidoria Agrária Nacional. Depois de
quase 24h de trabalho, na madrugada de domingo, Jungmann e Oliveira
conseguiram um acordo para que o MST saísse, sem prisões. O acordo, no
entanto, não foi inteiramente cumprido: 16 líderes do MST e a filha de
um dos militantes, de 16 anos, foram deitados com a barriga na lama do
chão, algemados e presos.
Daquele dia até hoje, o pernambucano acumulou poder e se tornou um dos homens fortes de Temer. A nomeação como ministro da Segurança Pública mostra isso: o pernambucano será o responsável pela área que é "prioridade zero" do Planalto. Nesta terça-feira, horas depois de ser nomeado, Jungmann deu o tom de sua gestão: demitiu do comando da Polícia Federal o delegado Fernando Segóvia - que causara dificuldades ao Planalto com declarações atabalhoadas sobre um inquérito que investiga o presidente Michel Temer - e o substituiu por Rogério Galloro.
Comandar a "prioridade zero" do governo significa também que Jungmann voltará ao foco da tensão: uma das missões dele será acompanhar a intervenção federal na área de segurança pública do Rio de Janeiro, em andamento desde meados de fevereiro.[Jungmann nesta missão irá apenas acompanhar; aceitável que dê algum palpite quando, e se, solicitado pelo general Braga.]
Antes mesmo de ser alçado ao posto, distribuiu declarações fortes sobre os planos da intervenção. Em entrevista coletiva, aventou a possibilidade de "mandados coletivos de busca e apreensão" e chegou a falar em "captura coletiva" de suspeitos. Mais recentemente, culpou usuários de classe média por sustentar o tráfico de drogas. [um dos poucos pontos em que o ministro Jungmann está totalmente certo - combatendo o consumo, o usuário, o noiado, se combate o tráfico - nos repetindo: não há tráfico sem demanda; não há demanda sem consumo e não há consumo sem usuário.
A legislação tem que ser mudada de modo a penalizar com rigor o usuário. É ele a causa de todo mal derivado do tráfico.
Mesmo assim essa sua postura inteligente sobre a causa principal do tráfico não é suficiente para compensar ter ficado do lado do MST no episódio havido em 2002 e relatado neste POST.]
O comportamento aguerrido não é novidade na trajetória do político, como prova outro episódio de sua carreira. No dia 21 de setembro de 2009, o ex-presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, voltou às escondidas a seu país e foi à embaixada brasileira em Tegucigalpa, em busca de asilo político. A situação criou um impasse: as forças armadas do país cercavam a embaixada. Jungmann, que era deputado federal à época, chegou à embaixada no fim de setembro, como o coordenador de uma missão do Congresso. Um dos seus ex-assessores diz que Jungmann "sentou na cadeira do embaixador", tomando o controle da situação. Na manhã seguinte, declarações de Zelaya estavam em todos jornais brasileiros: bastava ligar para o pernambucano para falar com o ex-presidente hondurenho.
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