O Globo
Política de atritos
Mas é uma morte que traz para o centro da disputa política as emoções de uma amizade rompida à base de intrigas palacianas e traições. As entrevistas com acusações por parte de Bebiano ao presidente e seus filhos, a percepção de que a tristeza pode ter ajudado a matar um fiel amigo largado de mão por interesses mesquinhos, as revelações de uma relação conturbada no Palácio do Planalto, prejudicada por um comportamento desequilibrado de Bolsonaro, tudo isso junto e misturado não ajuda a imagem presidencial.
Assim como não ajudou o fuzilamento do miliciano Adriano, que trouxe de volta as circunstâncias que uniram a família Bolsonaro a ele.
Mesmo que, por dever de responsabilidade, não se faça a ligação das mortes com ações premeditadas com objetivos políticos, as circunstâncias das duas mortes levam os Bolsonaro novamente a um terreno pantanoso, onde sobram insinuações de envolvimento com ações ilegais.
Poupado de fazer campanha em virtude do atentado político que sofreu, Bolsonaro reforçou sua paranóica visão de mundo com a facada, que pareceu lhe dar razão para desconfiar de tudo e de todos. Não podia ir aos debates, e seu sacrifício emulou muitas pessoas, levando a que sua candidatura ganhasse muitos mais adeptos. À falta de um candidato forte no centro político, que atraísse as forças de direita ou de esquerda não extremistas, tornou-se a opção natural para quem não queria que o PT voltasse ao poder.
Hoje, o coronavírus Covid-19 impediu que se medisse a força popular do presidente nas manifestações que irresponsavelmente incentivou. O estilo agressivo e atritoso de fazer política do presidente Bolsonaro e seus filhos gera em conseqüência um ambiente desagregador e inseguro. Não pode levar a bom porto.
Responsabilidade
A decisão do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas de conceder uma medida cautelar suspendendo os efeitos da derrubada do veto presidencial, que ampliaria o alcance do Benefício de Prestação Continuada (BPC), abrindo um rombo nas contas públicas de R$ 20 bilhões, está causando reboliço, especialmente no Senado.
Os senadores estão indóceis, e a Câmara é que evitou que as pressões contra a decisão se materializassem. A decisão é tecnicamente perfeita, e corrige uma irresponsabilidade política que ganha dimensões maiores ainda devido à situação de crise mundial, que levará a economia brasileira a ter uma performance abaixo do necessário para a retomada do desenvolvimento.
Ao tomar a decisão, o ministro Bruno Dantas não fez controle de constitucionalidade. Apenas condicionou a execução da despesa à efetivação das medidas compensatórias em valor correspondente, como manda a lei de responsabilidade fiscal. O ministro Bruno Dantas diz que assim como o Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da Constituição, o TCU é o guardião da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esquerda fora?
A corrida pela Prefeitura do Rio, embora ainda não tenha todos os seus competidores alinhados na largada, deverá ser diferente das anteriores devido à proibição de coligações proporcionais para vereadores. Todos os partidos estão tendo problemas para fechar a nominata de candidatos, pois será muito difícil a eleição individual. Muitos querem lançar candidatos imaginando assim puxar a votação dos vereadores, mesmo que não tenham chance de vencer a Prefeitura.
Outros aguardam o lançamento da candidatura do ex-prefeito Eduardo Paes pelo DEM, imaginando que uma candidatura forte apoiada por vários partidos pode alavancar a eleição de vereadores. Ao mesmo tempo, há nos bastidores disputas que podem inviabilizar um candidato de esquerda forte como seria o deputado federal Marcelo Freixo em coligação com o PT, que daria a deputada Benedita da Silva como vice.
A maioria do PSOL, no entanto, não quer essa aliança com o PT, sem o que Freixo não está disposto a disputar. A direita e o centro ganhariam um espaço maior com essa divisão da esquerda, com um candidato do PSOL e outro do PT. Marcello Crivella está armando uma aliança com a família Bolsonaro, e o vereador Carlos e sua mãe, Rogéria Bolsonaro, estão se inscrevendo no partido do prefeito, o PRB. A esquerda pode ficar de fora no segundo turno.
Merval Pereira, jornalista - O Globo