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sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

As regras mudaram - A nova democracia

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Vozes - Luís Ernesto Lacombe

É preciso reescrever os dicionários, os livros de História, de Filosofia, os ensaios políticos. Para que não reste dúvida. A democracia já não é como era antigamente. Há um novo conceito, que deve ser aceito e respeitado por todos. 
A democracia de agora é feita de barro, mas vai enquadrar todos os inimigos da nova ideia. Como ousam contestar? 
A eles tudo será negado, exceto o castigo borrado em leis particulares. Devem sofrer, já que não pensam como os inventores da nova democracia.
 
Revogar a Constituição passou a ser democrático. Pode ser assim para sempre, ou por um período determinado. É a nova era das firulas. Qualquer interpretação das leis é válida aos ungidos. Se na democracia antiga um bandido não podia concorrer a um cargo político, isso passou. 
A liberdade que lhe entregam agora é total, não importa nada o número de condenações que sofreu. Aos poucos, juízes de todas as instâncias entenderão quem devem botar atrás das grades e quem devem soltar.

Ninguém poderá contê-los, afastá-los. Serão todo-poderosos de vez. Já lançaram novos conceitos, novas definições, novos verbetes. E golpista é o povo honesto, ordeiro e pacífico, que não aceita que a democracia agora tem um novo dono

Também passou a ser democrático ajudar o bandido em sua campanha eleitoral. É uma questão de coerência imposta por um novo conceito. 
De que adianta lançar um candidato e não ser livre para ajudá-lo? Vale censurar, perseguir, multar, bloquear contas bancárias, prender. Custe o que custar, os novos conceitos vão se impor. O poder do povo agora é relativo e depende sempre do poder dos inventores da nova democracia.
 
Nesse novo modelo, não há debate, não há perguntas, o crime compensa. Os donos das leis decidiram que suspeitos, investigados e condenados são os donos da verdade. 
A roubalheira deixou de ser roubalheira. Crimes, erros, equívocos, incompetência, muita incompetência, tudo isso agora deve ser bendito. 
É a nova direção, a transição que pretende nos esmigalhar com desequilíbrio fiscal, mais dívida externa e pública, juros e inflação altos. 
E, no conjunto de ideias impostas contra o mundo real dos últimos 100 anos, querem nos convencer de que seremos todos salvos.

Veja Também:

    Pacheco, camisa 171
    Mané é mané
    O rei dos porões

Claro que se salvarão primeiro os seres supremos. Não há Lei do Impeachment que eles também não possam modificar, nessa montagem da nova democracia
Estarão, finalmente, blindados, autorizados a interpretar as leis do jeito que quiserem, as leis que já existem e as que ainda vão inventar. Em pacote, pacotinho, pacotão... 
Ninguém poderá contê-los, afastá-los. Serão todo-poderosos de vez. Já lançaram novos conceitos, novas definições, novos verbetes. E golpista é o povo honesto, ordeiro e pacífico, que não aceita que a democracia agora tem um novo dono.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

Luís Ernesto Lacombe, Colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

terça-feira, 9 de maio de 2017

Fim de ciclo

Em maio de 1982, PT fez comício de Lula em Curitiba. Ele continua candidato, 35 anos depois. Antes novidade política, agora é autodefesa em praça pública de um réu por corrupção

A banda passou devagar na Rua das Flores, calçadão central de Curitiba, abrindo caminho para um grupo com faixas e cartazes improvisados de um partido desconhecido (contava dois meses de registro). Surgiu, então, a comitiva com um barbudo sorridente no meio. Seguiram para o comício na Boca Maldita, onde a tradição curitibana recomenda que se fale mal de tudo e de todos, num exercício de liberdade. Na estridência daquele ajuntamento havia novidade, o prelúdio do ocaso da ditadura.

Nesta semana completam-se 35 anos dessa manifestação de Lula e do PT, em Curitiba. Outra, mais ruidosa, está prevista para amanhã. Entre ambas sobram evidências de uma estética do desalento. Naquele maio de 1982, desfilavam em defesa de utopias do igualitarismo, sempre vitais à política, sufocadas pelo regime ditatorial. Desta vez, a marcha é para comício de autodefesa de um político réu por corrupção, um direito na democracia. Mudaram o país e o mundo, e Lula continua candidato no mesmo palanque de 12 mil dias atrás. É caso singular de concentração de poder dentro de um partido: já gastou 49% dos seus 71 anos de vida impondo-se como única alternativa ao PT, até para escolha do substituto eventual, como foi com Dilma Rousseff. 

O PT reduziu-se ao papel de alavanca da defesa de Lula num processo criminal. A mais organizada máquina partidária acaba de completar três décadas e meia de história prisioneira de candidato único. Tornou-se símbolo de um sistema falido de organização e método de se fazer política. Fixou-se no ponto extremo da monotonia de um sistema partidário fragmentado e impeditivo à formação e renovação de lideranças. Há indícios da petrificação petista. Pela primeira vez, por exemplo, o partido amarga uma estagnação no número de filiações. O 1,5 milhão de alistados que possuía em março do ano passado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral, continuou imutável no último abril. Agregou somente 3,8 mil novos seguidores, nove vezes menos que o PSDB e o PMDB no período. 

No mesmo palanque há 35 anos, Lula agora lidera a repulsa nas pesquisas eleitorais. Com 45% de rejeição, segundo o Datafolha, só é superado por Michel Temer, chefe de um governo-tampão, que ele e o PT escolheram duas vezes como vice-presidente, num pacto eleitoral com o PMDB de Eduardo Cunha, Renan Calheiros e Romero Jucá, entre outros.[e Temer não tem a menor pretensão, o menor interesse,  em ser candidato em 2018.]
 
A mesma pesquisa indica que prevalece a percepção (32%) de que Lula comandou o mais corrupto dos governos. Injusta ou não, é indicativa da corrosão da imagem do eterno candidato numa democracia que, em três décadas, só elegeu quatro presidentes pelo voto direto (Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma) metade deposta por impeachment. 

A obsolescência do que está aí se torna ainda mais evidente na proliferação de novos partidos, organizações e movimentos, como é o caso do Agora!, Novo, Nova Democracia, Muitos, Acredito, Brasil 21, Livres, Ativistas, entre outros. Procuram reduzir o distanciamento do eleitorado, com uso de tecnologias para participação direta — inclusive para projetos de leis de iniciativa popular, como permite o aplicativo recém-desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade, do Rio. 

O tempo passou na janela. Aparentemente, vem aí um mandado de despejo aos antigos mandarins da política brasileira.

Fonte: José Casado, jornalista - O Globo