Hélio Schwartsman
Tentar preservar a atividade econômica não é preocupação sem sentido
[FATO:
O Ilustre jornalista inicia o artigo - excelente e incontestável - chamando o presidente JAIR BOLSONARO de 'alienado'.
Acontece que se o jornalista ler este artigo na TV, no Rádio, em rede nacional, ele será chamado pelos isolacionistas de alienado.
Sugerimos que suas excelências, Ibaneis, Doria, Witzel e seus aspones leiam esta matéria e consigam contestar o que ela apresenta.]
Jair Bolsonaro é um alienado,[sic] mas a preocupação em tentar preservar a
atividade econômica não é sem sentido, sobretudo porque não há clareza
sobre quanto tempo a crise da Covid-19 pode durar. A normalização de
fato só virá se conseguirmos desenvolver uma vacina ou depois que gente o
bastante tiver sido infectada e se recuperado, produzindo a tal da
imunidade de rebanho.
Precisamos parar quase tudo por um tempo, para tentar reduzir o impacto
da primeira onda da epidemia sobre os sistemas de saúde, mas um lockdown
não pode durar para sempre.
Basta um experimento mental para
constatá-lo:
ignoramos a real letalidade do Sars-Cov-2, que pode ficar
em qualquer cifra entre 0,05% e 3%, mas não precisamos de estudos
epidemiológicos para saber que a inanição é letal em 100% dos casos.
E o tempo de paralisação importa. Bem antes de chegarmos ao ponto da
fome generalizada pelo colapso da produção agrícola -- se ninguém
fabricar mais peças de trator, uma hora o campo para --, começaríamos a
colecionar mortos por outras causas, como o agravamento de cânceres
devido ao adiamento de cirurgias eletivas, doenças associadas à
desnutrição nas famílias mais vulneráveis etc. Nem é preciso introduzir elementos financeiros na conta. Há, por
definição, um instante em que os óbitos atribuíveis à deterioração
econômica superam os da Covid-19.
Ainda que os parâmetros que permitiriam fazer esse cálculo não sejam
hoje conhecidos, o dilema entre proteger o sistema de saúde e proteger a
economia é real. Precisamos desde já bolar estratégias para tentar
retomar a atividade passada a primeira onda. Bons estudos
epidemiológicos ajudariam muito. O que torna a posição defendida por Bolsonaro insustentável são as incertezas em relação à epidemia. Um lockdown exagerado sempre pode ser relaxado, mas um desleixo inicial,
magnificado pelo poder avassalador da curva exponencial, não tem volta.
Hélio Schwartsman, jornalista - Folha de S. Paulo