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sexta-feira, 9 de abril de 2021

Bolsonaro enfrenta a maldição do terceiro ano - Alon Feuerwerker

Análise Política
E Jair Bolsonaro acaba de topar com o primeiro obstáculo realmente relevante no caminho para concluir seu mandato e tentar um novo: a Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado sobre a Covid-19. Ou melhor, a CPI sobre as ações federais na Covid-19. Tem sido rotina nos terceiros anos dos quadriênios presidenciais. É quando invariavelmente aparece alguma barreira que vai demandar esforço e concentração redobrados, se o mandatário não quiser ficar pelo caminho.
[Bolsonaro já está preocupado com a maldição do sétimo ano = terceiro ano do seu segundo mandato.

Em 1992, Fernando Collor topou com as acusações do irmão. Elas desencadearam a CPI que acabou levando ao impeachment. Fernando Henrique Cardoso teve esse tipo de problema nos dois terceiros anos de seus dois mandatos. Acusação de compra de votos para a reeleição em 1997 e ameaça de uma CPI da Corrupção em 2001. 
Luiz Inácio Lula da Silva recebeu pela proa os torpedos de Roberto Jefferson em 2005. E Dilma viu em 2013 a emergência das “jornadas de junho”.

Que deram a largada para a deposição dela em 2016. Nem a reeleição em 2014 interrompeu o processo. Deve ter algo de coincidência, mas é prudente não desprezar a possibilidade de o ano imediatamente anterior às eleições presidenciais despertar os instintos mais primitivos dos políticos. No caso atual, Bolsonaro cuidou bastante bem de estreitar a porteira para acusações de corrupção, habitualmente usadas nessas ocasiões. Mas não teve o mesmo cuidado para reduzir a margem de manobra dos adversários no assunto da pandemia.

Na Covid-19, o presidente foi dobrando a aposta a cada rodada. Poderia ter ficado contra o isolamento social, mas a favor do afastamento. Ou contra o afastamento e compensar isso apresentando-se como radical defensor das vacinas. Mas preferiu a crítica a tudo, com exceção do tratamento medicamentoso já aos primeiros sintomas. Que está sob fogo cerrado da maioria da comunidade médica. Ainda que uma parte relevante apoie a linha de Bolsonaro. Recentemente, reposicionou-se no assunto vacinal, mas continua carregando com ele um evidente déficit de imagem no tema.

A aposta de Bolsonaro parece ter se baseado na premissa de que teríamos uma onda da epidemia aqui no Brasil, e quando ela entrasse na descendente a preocupação das pessoas com a própria situação econômica prevaleceria, e aí o presidente colheria os frutos de ter desde o começo advertido sobre o risco de ruína material dos indivíduos, das famílias e das empresas. Por causa do que sempre atacou como radicalismo no isolamento social.

Essa linha de ação e comunicação pagou-se em algum grau, tanto que Bolsonaro mantém um núcleo resistente de apoiadores em torno de 30%. Mas, na medida em que a primeira onda não foi a única, e quando a segunda apresenta picos de mortalidade várias vezes a da anterior, o medo e a angústia com a doença continuam dominantes. E agravaram-se. E o presidente está evidentemente ilhado no núcleo fiel. Este é forte, mas minoritário.

É a situação clássica propícia para a ofensiva adversária. Uns escaparam (FHC, Lula), outros naufragaram (Collor, Dilma). O tucano safou-se na primeira vez porque o povão achava que a economia ia bem, e na segunda porque tinha base parlamentar, e ninguém queria a sério interromper seu mandato. O petista sobreviveu porque era popular e porque os inimigos ficaram com receio de uma guerra aberta de rua contra ele. Veremos nas próximas semanas e meses que variáveis dessas vão prevalecer agora para Jair Bolsonaro.

 Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

 

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Pandemia: até quando o povo e a economia aguentam?

 Vilma Gryzinski

Na primeira onda, havia um clima de medo diante do desconhecido; agora, mesmo entre os resignados, imperam a descrença e até o repúdio

E se as vacinas tiverem efeitos limitados? 
E se os mais prejudicados em seu ganha-pão não aceitarem resignadamente o que os novos confinamentos prenunciam? 
E se as economias nacionais não suportarem continuar a manter trabalhadores que não trabalham e empresas que não empreendem?

A semana nem chegou ao meio e a sucessão de más notícias na Europa já derrubou as bolsas, os ânimos e os planos de recuperação dos que escaparam dos estragos da primeira onda da pandemia. Os governantes que juraram nunca, jamais decretar de novo um confinamento tiveram que voltar atrás depois que o número de mortos, reduzidos a quase zero, voltou a entrar na casa das centenas por dia.

Como num jogo de dominó, foram tombando Espanha, França, Itália, Inglaterra, Alemanha. Todos tentando preservar as escolas, cujo fechamento se mostrou tão deletério para as crianças, ou dar alguma esperança de sobrevivência a setores tão devastados como o de bares e restaurantes. Deixá-los funcionar apenas até as 18 horas, como na Itália, não acalmou protestos de garçons, taxistas e oportunistas em geral. 

No mesmo país que, com todo seu poder de dramaticidade, a união nacional diante da peste foi orgulhosamente proclamada das sacadas em que se cantava ópera, o clima está mais para desunião. “Liberdade, liberdade, liberdade”, entoavam manifestantes em Milão, Turim e Nápoles, como na época do Ressurgimento, o movimento do século 19 que levou à unificação da Itália dividida. Também houve protestos na Espanha e na Alemanha, nessa de trabalhadores da “veranstaultungsbranche”, a indústria de eventos, uma das mais atingidas. 

A passividade temerosa dos primeiros meses da pandemia está menos unânime nessa nova fase de proibições. No início da crise, a oposição ao fechamento total partiu principalmente da direita libertária, afetada em seus fundamentos pela intervenção em massa nas atividades privadas. Agora, são as camadas mais prejudicadas pela paralisação que se manifestam.

Para qualquer lugar que se olhe, as perspectivas são negativas. “Vai ser pior dessa vez, com mais mortes”, disse ao Telegraph uma fonte com conhecimento dos prognósticos apresentados a Boris Johnson pelos especialistas que assessoram o governo britânico. “Foi essa a projeção apresentada ao primeiro-ministro, agora fortemente pressionado a impor um novo confinamento”. O cenário projetado é parecido com o do platô infernal que reinou no Brasil durante os meses em que as mortes estabilizaram-se num patamar alto e demoraram para começar a cair.

Na pior projeção, poderia haver 85 mil mortes, quase o dobro do atual total de 45 mil. Os prognósticos altamente negativos estão sendo vazados para convencer a opinião pública a aceitar restrições maiores ainda.

Boris Johnson, Emmanuel Macron e outros líderes europeus estão lidando com a possibilidade de que um confinamento total ou parcial em novembro possibilite um pequeno relaxamento no Natal, um respiro para não estragar totalmente as festas em família. Está difícil. A polícia britânica avisou que, embora não seja sua função, poderá registrar flagrantes de famílias que não obedeçam a regra proibindo que integrantes de domicílios diferentes se reúnam sob o mesmo teto  e cometam o grave crime de comemorar o Natal.

Os pequenos ditadores que moram no fundo de todas as instituições afloraram. No País de Gales, um dos quatro componentes do Reino Unido,  o governo mandou selar todas as gôndolas de supermercados que não tenham produtos de primeira necessidade. E o que são eles? É claro que o governo baixou uma diretiva definindo-os. Brinquedos e enfeites de Natal estão na lista dos proibidões, provavelmente feita por gente que não precisa administrar crianças presas em casa na época das festas de fim de ano.

Um desses burocratas tinha proibido, inicialmente, os tampões absorventes. Certamente não foi uma “pessoa que menstrua”,  a nova designação de mulher. 

Blog Mundialista Vilma Gryzinski, jornalista - Veja - leia MATÉRIA COMPLETA


segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Onda menos letal? - Alon Feuerwerker

Análise Política

Fernando Canzian, da Folha de S. Paulo, fez um levantamento interessante sobre o já conhecido certo descolamento entre as curvas de casos e mortes na "segunda onda" europeia de contaminação pelo SARS-CoV-2 (leia). E esse descolamento é mais pronunciado nas regiões mais duramente atingidas na primeira onda da Covid-19. E quais seriam as explicações?

Há várias hipóteses. Uma é a possibilidade de a população mais fragilizada ter sido mais vitimada na primeira onda. Outra é a possibilidade de o vírus sofrer uma mutação adaptativa que o torna menos letal, preservando o hospedeiro sem o qual o vírus não consegue se reproduzir. 

Outra ainda é a hipótese de cargas virais menores, atenuadas por exemplo pelo uso de máscaras, produzirem alguma imunidade. O certo é que a ciência está aprendendo a pilotar o avião em pleno voo, algo aliás absolutamente razoável no caso de um vírus novo. Nem seria justo esperar algo diferente. [Em face de que tudo no coronavírus é teoria, temos a nossa que é o alcance da imunidade de rebanho;

quanto esta é alcançada, a tendência é a queda da capacidade de contágio e do índice de letalidade. Oportuno lembrar que a capacidade de contágio do coronavírus é menor do que a gripe tradicional = a 'gripezinha' que nos acomete desde a infância.]

Resta torcer para que o conhecimento avance numa velocidade superior ao estrago provocado pelo novo coronavírus.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político



domingo, 29 de março de 2020

O dilema é real - Folha de S. Paulo

 Hélio Schwartsman


Tentar preservar a atividade econômica não é preocupação sem sentido

[FATO:
O Ilustre jornalista inicia o artigo - excelente e incontestável -  chamando o presidente JAIR BOLSONARO de 'alienado'.
Acontece que se o jornalista ler este artigo na TV, no Rádio, em rede nacional, ele será chamado pelos isolacionistas de alienado.
Sugerimos que suas excelências, Ibaneis, Doria, Witzel e seus aspones leiam esta matéria e consigam contestar o que ela apresenta.]


Jair Bolsonaro é um alienado,[sic] mas a preocupação em tentar preservar a atividade econômica não é sem sentido, sobretudo porque não há clareza sobre quanto tempo a crise da Covid-19 pode durar. A normalização de fato só virá se conseguirmos desenvolver uma vacina ou depois que gente o bastante tiver sido infectada e se recuperado, produzindo a tal da imunidade de rebanho.

Precisamos parar quase tudo por um tempo, para tentar reduzir o impacto da primeira onda da epidemia sobre os sistemas de saúde, mas um lockdown não pode durar para sempre
Basta um experimento mental para constatá-lo: 
ignoramos a real letalidade do Sars-Cov-2, que pode ficar em qualquer cifra entre 0,05% e 3%, mas não precisamos de estudos epidemiológicos para saber que a inanição é letal em 100% dos casos.

E o tempo de paralisação importa. Bem antes de chegarmos ao ponto da fome generalizada pelo colapso da produção agrícola -- se ninguém fabricar mais peças de trator, uma hora o campo para --, começaríamos a colecionar mortos por outras causas, como o agravamento de cânceres devido ao adiamento de cirurgias eletivas, doenças associadas à desnutrição nas famílias mais vulneráveis etc. Nem é preciso introduzir elementos financeiros na conta. Há, por definição, um instante em que os óbitos atribuíveis à deterioração econômica superam os da Covid-19.

Ainda que os parâmetros que permitiriam fazer esse cálculo não sejam hoje conhecidos, o dilema entre proteger o sistema de saúde e proteger a economia é real. Precisamos desde já bolar estratégias para tentar retomar a atividade passada a primeira onda. Bons estudos epidemiológicos ajudariam muito. O que torna a posição defendida por Bolsonaro insustentável são as incertezas em relação à epidemia. Um lockdown exagerado sempre pode ser relaxado, mas um desleixo inicial, magnificado pelo poder avassalador da curva exponencial, não tem volta.

Hélio Schwartsman, jornalista - Folha de S. Paulo