Congresso aceita chantagem e libera manobra fiscal de Dilma
Texto principal da medida foi aprovado após 18 horas de sessão. Análise da última emenda ao projeto, no entanto, impediu que votação fosse concluída
O Congresso Nacional aprovou na madrugada desta quinta-feira a manobra fiscal do governo para maquiar o descumprimento da meta do superávit primário. Depois de dezoito horas de uma sessão conturbada, o texto principal do Projeto de Lei do Congresso (PLN) 36/2014, que altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), recebeu o aval dos parlamentares – que, com isso, receberão ao todo 444 milhões de reais em emendas. Na Câmara, o placar foi de 240 votos a favor, 60 contra e 9 abstenções. No Senado, o texto obteve 39 votos a favor e 1 contra.Manifestantes em protesto contra a votação da mudanças feitas pelo governo federal na LDO tentam entrar no Congresso Nacional e são barrados pela segurança da Casa - Fernando Bezerra Jr./EFE
O efeito prático da medida é a redução da meta de superávit para 2014: de 116,1 bilhões para 49,1 bilhões de reais. A meta de superávit é a economia feita pelo governo para o pagamento dos juros da dívida. Diante do aumento dos gastos públicos em 2014, sem que houvesse também a elevação da arrecadação, o governo se encontrava em uma encruzilhada: se não mudasse a LDO, não conseguiria fechar as contas.
Emenda – A votação, entretanto, ainda não foi encerrada. Faltou quórum para a análise da última emenda ao texto: de autoria do PSDB, a proposta altera o projeto e inclui uma limitação nas despesas discricionárias, de forma que o governo só possa gastar o mesmo montante executado no orçamento do ano anterior. Às 4h57, o presidente Renan Calheiros encerrou os trabalhos. Com isso, a redação final do PLN 36 não foi aprovada e a votação terá de ser concluída na próxima terça, em sessão marcada para o meio-dia. São nulas, entretanto, as chances de a emenda do PSDB ser aprovada.
Maratona – Por meio da apresentação de emendas, de questões de ordem e de pedidos de verificação de quórum, os parlamentares da oposição conseguiram prolongar os trabalhos até a madrugada. Com isso, o plenário foi se esvaziando. Por volta de 1h30 da madrugada, o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), pedia aos líderes aliados que telefonassem aos parlamentares ausentes para pedir a presença deles em plenário. Na última votação nominal, perto das 4 horas, o quórum entre os senadores foi de 41, exatamente o mínimo necessário para impedir a derrubada da sessão.
A sessão do Congresso teve início pouco depois das 10h de quarta. Antes de apreciar o texto, era preciso analisar dois vetos presidenciais e um projeto que concede crédito adicional a aposentados do Instituto Aerus de Seguridade Social. Foi o que os parlamentares fizeram em meio a longas e extenuantes sessões. Enquanto isso, as galerias estavam vazias porque o presidente Renan Calheiros (PMDB-AL) ordenou que a segurança barrasse qualquer manifestante.
Os governistas repetiam a tese de que o PLN 36 era importante para reorganizar as finanças públicas. E acusavam a oposição de oportunismo: "Tem setores da oposição flertando com o golpismo. Estão se vestindo da roupagem da velha política golpista da UDN", disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Em resposta, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) lembrou o passado de cara-pintada do petista e respondeu chamando Lindbergh de "chapa-branca".
Antes, o tucano já havia afirmado que o governo estabeleceu um preço para cada parlamentar: 748.000 reais, o valor que será liberado a cada um agora que a manobra foi aprovada. Mesmo integrantes de partidos aliados se queixaram da chantagem. "Estamos tornando o mais explícito possível o escambo, o troca-troca, o toma-lá-dá-cá que a República vivenciou nos últimos anos", disse o deputado Esperidião Amim (PP-SC).
O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), disse que a maioria dos parlamentares agiu como cúmplices. "Os senhores vão pagar caro por esse voto desastroso para a economia do Brasil. As consequências serão dramáticas", disse ele.
Dilma – A aprovação da manobra é essencial para que a presidente escape de um possível processo por crime de responsabilidade. No esforço para obter ajuda do Congresso, Dilma se reuniu com líderes da base aliada na segunda e pediu o apoio deles na votação. No mesmo dia, veio à tona um decreto em que ela libera 748.000 reais em emendas parlamentares para cada deputado e senador. Com uma condição: desde que o PLN 36 seja aprovado. Por oficializar o balcão de negócios, a proposta constrangeu os aliados e teve o efeito contrário em alguns casos: deputados e senadores temiam que, dando uma vitória fácil ao governo logo após a chantagem, estariam admitindo que têm um preço.
O texto chegou ao Congresso no dia 11 de novembro e tramitou sob fortes críticas da oposição. O debate sobre o PLN elevou a tensão no Congresso. Na terça, a votação não teve início por causa de um tumulto na galeria do plenário. Um grupo de pessoas que estava no local passou a protestar. Um dos gritos "Vai para Cuba" foi ouvido como "vagabunda" pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que pediu a Renan que liberasse as galerias. Os agentes da Polícia Legislativa chegaram a usar uma arma de choques elétricos. Após uma hora com a sessão parada, Renan Calheiros encerrou os trabalhos, que foram retomados na manhã desta quarta
Governo venceu perdendo. Ou: Vitória de Pirro. Ou: Oposição perdeu ganhando
Mais de
18 horas! Esse foi o tempo que durou a sessão do Congresso que debateu,
votou e aprovou o projeto de lei do governo federal que, na prática,
elimina as metas da Lei de Diretrizes Orçamentárias, numa clara ofensa
ao Artigo 165 da Constituição. Acabou a sessão: 4h58. A oposição tentou
aprovar alguns destaques. Como dizia o poeta, “debalde!”. O governo
conseguiu, como dizer?, unir a base. Dilma, que deve estar dormindo a
esta hora, tomará o café da manhã convicta de que a sua base tem um
preço. E ninguém poderá condená-la por fazer esse mau juízo dos seus
companheiros, não é mesmo?
Como vocês devem se lembrar, decreto
presidencial eleva em R$ 748 mil o valor das emendas individuais de
deputados e senadores, mas condicionando essa elevação à aprovação do
texto escandaloso. Na Câmara, o texto principal foi
aprovado por 240 votos a favor e 60 contrários — não custa lembrar que a
Casa tem 513 deputados. Vá lá: 40% não foram reeleitos e talvez já
tenham deixado Brasília, mas a adesão ao projeto, ainda assim, é baixa.
No Senado, o texto contou com 40 votos a favor e um contra. Foi na
trave. Como o quórum mínimo era de 41 senadores, Renan Calheiros, que
presidia a sessão do Congresso — as duas Casas unidas —, computou o seu
voto, o que não é usual.
A oposição foi derrotada no mérito? Foi,
sim! Mas fez um belo papel. Esse é o caminho. O projeto do governo foi
esmiuçado, detalhado, exposto com todos seus descalabros e
despropósitos. A canseira foi grande. Também devem se considerar vitoriosas as
pessoas que se mobilizaram para protestar em Brasília, obrigando Renan
Calheiros a recorrer à truculência para esvaziar as galerias. Era certo
que o governo venceria, mas foi, sim, uma vitória de Pirro, conseguida a
um custo alto — inclusive o moral.
E o Congresso que vem por aí no ano
que vem é menos servil do que esse.
A oposição, finalmente, dá sinais de
como é que se devem fazer as coisas. Isso é o que se espera dela. Essa é
a cobrança de pelo menos 51 milhões de eleitores — hoje, talvez sejam
mais. Essa é a oposição que presta contas a quem a escolheu para
enfrentar o governo, não aquela que endossou, de maneira preguiçosa e
impensada, o nome de Vital do Rêgo para o TCU.
E, é claro, se a oposição quiser, a questão tem de ser levada ao Supremo Tribunal Federal. A Constituição foi violada.
Por Reinaldo Azevedo - Revista Veja