Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Peppa Pig. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Peppa Pig. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Manual prático para ler a mídia - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Quando Bolsonaro, “Floresta Amazônica”, etc. etc. etc. entram no noticiário internacional, mude de página. O cidadão aplica melhor o seu tempo assistindo a um desenho da Peppa Pig

 Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

É uma pena, mas a vida tem dessas coisas. Um dos serviços mais úteis que a mídia brasileira poderia oferecer ao público infelizmente não está disponível no momento, e nem vai estar no futuro, próximo ou remoto. Seria um manual, tipocomo usar este produto”, com o seguinte título: “Guia Geral Para Você Perder o Mínimo Possível do Seu Tempo Lendo, Vendo ou Ouvindo Isto Aqui”. Em tese, já que o cidadão está pagando para ter acesso ao “conteúdo” é assim que se fala hojedos veículos de comunicação, o que lhe entregam deveria servir para alguma coisa. Mas aí é que está: umas vezes serve, outras vezes não serve. Quando não serve, o leitor-ouvinte-telespectador não apenas está jogando tempo no lixo. Está sendo ativamente mal-informado — ou seja, fica sabendo menos do que sabia antes. É injusto, mas o que se vai fazer?

Uma sugestão: o roteiro que Oeste apresenta nos parágrafos seguintes, com algumas ideias que talvez ajudem o público pagante a desperdiçar menos energia, neurônios e espaço de armazenagem mental com a quantidade de bobagens que a mídia lhe em soca em cima sem parar. Não adianta, é claro, para fornecer a informação que não está sendo dada. Essa vem ou não vem, muito simplesmente, e se não vem não há o que fazer: você está pagando sem receber pelo que pagou, e pronto. A tentativa sincera do manual que se segue, em todo caso, é ajudar a limitar o seu prejuízo. Sempre é alguma coisa. Vamos lá:

  • Vá para o mais longe possível, e de preferência não volte mais para perto, de tudo o que lhe oferecerem como informação, análise ou comentário de entendidos em “assuntos internacionais”. Tanto faz se vem de um jornalista ou de um “perito” ouvido pelas redações — dá na mesma, em matéria de inutilidade, porque nem um nem outro sabem do que estão falando em praticamente 100% dos casos, e todos só pensam em passar adiante como realidade o que têm dentro das cabeças como desejo.

Nada mais fácil para entender isso na prática do que o atual noticiário sobre a crise entre Rússia e Ucrânia. Os jornalistas-comentaristas-analistas internacionais decidiram, desde o primeiro minuto, que a Rússia ia invadir a Ucrânia com tropas, tanques e bomba atômica. Decidiram, também, que o bandido indiscutível da história era o presidente Vladimir Putin nomeado pela mídia, depois de Donald Trump e junto com Jair Bolsonaro, o pior governante que há hoje no mundo, disparado, ainda por cima quando recebe uma visita ao vivo do próprio presidente brasileiro. Mas a Rússia demorou muito para atacar, e a mídia ficou inconformada com isso. Insistia, diariamente, que ia ter guerra, sim senhor — tinha de ter guerra, de qualquer jeito, pois esse era o script que desenharam, e o script precisava ser cumprido até o fim. Quando os ataques finalmente foram feitos, a impressão que ficou foi a seguinte: “Mas essa guerra já não tinha acontecido?” Ou: “Por que demorou tanto?”

A crise entre Rússia e Ucrânia é um clássico do jornalismo de torcida que se pratica hoje por aqui. No caso, a arquibancada está torcendo contra a Rússia. Por que será? Uma pista: Putin teve a má ideia de dizer que a Amazônia pertence ao Brasil, e não pode ser “internacionalizada”. Os jornalistas brasileiros ficam revoltados com esse tipo de coisa — eles são contra a manutenção da Amazônia sob a soberania do Brasil. Acham que o certo, para “salvar o planeta”, é entregar a área a um condomínio de ONGs de “esquerda”, burocratas das Nações Unidas e o presidente Macron. Aí não tem jeito. Saída possível: quando Bolsonaro, “Floresta Amazônica”, etc. etc. etc. entram no noticiário internacional, com ou sem Putin, mude de página ou de programa, pois não há a menor possibilidade de qualquer análise com pé e cabeça. O cidadão aplica melhor o seu tempo assistindo a um desenho animado da Peppa Pig.

Os jornalistas não estão percebendo o tamanho da alucinação em que se meteram com as suas agências de caça às fake news

  • Todas as vezes que você encontrar a expressão “agência de verificação”, ou qualquer outra manifestação de atividade da Polícia Nacional de Repressão às Fake News, tome a direção exatamente contrária. “Notícia falsa”, em quase todos os casos, é notícia que a mídia não quer que você leia, veja ou escute — notícia, comentário, opinião, nada. É uma das preocupações centrais do jornalista brasileiro de hoje: o que não deve ser noticiado. É também uma ferramenta para censurar a livre circulação e fatos e de ideias nos meios de comunicação. Talvez nada ilustre tão bem essa nova realidade quanto a última moda na área: o desmentido da piada.
    É o que acaba de acontecer com essa mesma história da viagem de Bolsonaro à Rússia. Disseram, nas redes sociais, que foi só ele ir para lá e a crise sossegou. Era uma brincadeira. As agências, acredite se quiser, saíram correndo para explicar, com a maior seriedade deste mundo, que era fake news — a “direita”, disseram severamente as agências, quis deixar Bolsonaro bonito na foto com uma “narrativa falsa”.

Prepare-se, portanto. A qualquer hora dessas você pode topar com algo assim em algum jornal, programa de tevê, etc.: “A Agência de Checagem XPTO verificou que é falsa a narrativa de que o papagaio disse ao padre isso, mais aquilo, e mais isso e mais aquilo. Especialistas ouvidos por esta agência confirmam que o papagaio, na sua condição de animal da ordem dos psittaciformes, não tem condições fisiológicas para realmente se comunicar com seres humanos em idiomas conhecidos. Por outro lado, a CNBB desmentiu que qualquer dos seus padres tenha tido contato com esse ou outro papagaio.”

Os jornalistas não estão percebendo o tamanho da alucinação em que se meteram com as suas agências de caça às fake news. Mas o público não tem nenhuma obrigação de entrar nessa neura. É só ir para o outro lado.

  • Não acredite em nada que lhe for apresentado na mídia como sendo alguma declaração de “especialistas”. Não existe, quase nunca, especialista nenhum. O “especialista”, assim sem nome, entre aspas, é frequentemente inventado pelos jornalistas para dizer o que querem, e fingir que estão sendo técnicos, precisos, imparciais etc. Eles assumem várias formas. “Cientistas”, “pesquisadores”, “peritos”, “estudiosos da área”, “profissionais”; um dos mais usados é “o mercado”, quando os comunicadores querem comunicar ao público os seus desejos em matéria de economia. Resultado: você acha que o jornalista se deu ao trabalho de fazer perguntas a pessoas que entendem do assunto do qual ele está falando, para deixá-lo melhor informado. Mas é mentira — é só ele mesmo, o jornalista, quem inventa essa “fonte” para dar o seu recado com uma cara mais profissional.

Pode até ser que o especialista realmente exista, mas dá na mesma é em geral um professor da USP ou coisa parecida, ou nem isso, que pensa exatamente igual ao jornalista. Ou é um amigo, ou um outro jornalista, ou são sempre as mesmas figuras; já se viu de tudo por aí. O que importa é o seguinte: inexistentes ou existentes, os “especialistas” não servem para fornecer informações. Servem apenas para dar suporte ao militante dos meios de comunicação em sua missão de “agir” sobre o ambiente político — e não de informar alguém sobre coisa nenhuma.

O Brasil, seja lá o que estiver acontecendo na economia, está sempre em crise terminal nas primeiras páginas e no horário nobre

Note, no noticiário econômico, que certas coisas só sobem e outras só descem, sempre, em qualquer circunstância. Deveriam variar, porque os fatos variam, mas não: na mídia essas coisas não mudam nunca. A inflação só sobe. O crescimento econômico só desce. O desemprego só sobe. As exportações só descem. Os juros só sobem. As vendas só descem. A pobreza só sobe. A renda só desce. O “pessimismo do mercado” só sobe. O “otimismo do mercado” só desce. E por aí vamos. É óbvio que isso não pode estar certo durante 100% do tempo. Os fatos mudam, e as notícias teriam de mudar; mas não mudam. Então está errado.

Não é nenhumm mistério da tumba do faraó saber por que a economia é descrita dessa maneira. É que a mídia não publica, ou dá tão escondido que muitas vezes não se encontra a notícia, quando a inflação, o desemprego, os juros, a pobreza e o pessimismo caem; faz exatamente a mesma coisa quando o crescimento, o emprego, as exportações, as vendas, a renda e o otimismo sobem. Aí fica mesmo difícil. O Brasil, seja lá o que estiver acontecendo na economia, está sempre em crise terminal nas primeiras páginas e no horário nobre. Não importam os números reais, nem o que o cidadão vê a sua volta — “o país” está no fundo do poço todo santo dia. A vida seria simplesmente impossível, na prática, se o noticiário econômico estivesse correto. Como a vida continua, apesar dos jornalistas, é melhor segurar a ansiedade. O mundo, positivamente, não está acabando.

  • Nunca dê atenção a qualquer calamidade provocada, segundo anuncia a mídia, pela aplicação de “agrotóxicos” na agricultura e na pecuária brasileira. O Brasil não aplica “agrotóxicos”; como um dos dois ou três maiores produtores agrícolas do mundo, aplica defensivos contra pragas, pois se não fizesse isso não haveria colheita nenhuma. Mas e daí? O tema foi transformado em artigo de fé indiscutível, como as convicções católicas sobre o sacramento da eucaristia — não adianta querer provar ao Papa, digamos, que as coisas não são assim do ponto de vista “fático”, como diria um despacho do ministro Alexandre de Moraes. É fé pura: nove entre dez jornalistas brasileiros se convenceram, para o resto da vida, que a comida produzida no Brasil está “envenenada”, e não há possibilidade de discutirem mais o assunto. É um disparate absoluto, claro: se os alimentos brasileiros estivessem mesmo com veneno, as pessoas estariam morrendo em massa do café da manhã até a janta, todos os dias — ou então os hospitais estariam com filas que fariam a covid parecer uma brincadeira. Ninguém morreu até hoje no Brasil, nem foi para UTI, por chupar uma laranja, mas não adianta nada: a mídia continua tendo certeza de que os “agrotóxicos” estão acabando com a gente.

A sugestão, nessa história — e essa história é jogada o tempo todo em cima do público — é fazer a mesma coisa que você faria se lesse, por exemplo, o seguinte: “Um homem de 8 metros de altura fez isso ou aquilo” etc. etc. Fica fácil: não pode existir o homem de 8 metros de altura, nem o triângulo de quatro lados, nem o atleta que corre a maratona em cinco minutos. Quando aparece algo assim, então, é só dizer: “Isso aqui está errado; alguém se enganou”. Resolvido, não é? Ninguém precisa ficar tenso. É a mesma coisa com os “agrotóxicos” — esqueça o assunto, pois o “veneno na comida” é o homem de 8 metros das redações brasileiras.

Não perca o seu tempo tentando descobrir se o “PMDB” vai romper com o governo

  • Não dá, é claro, para expor uma por uma todas as possíveis cretinices que a imprensa fornece diariamente ao público; o espaço físico, em publicações digitais, não tem limites, mas a paciência do leitor tem. É preciso, por via de consequência, ir parando em algum lugar, e aqui é um lugar tão bom quanto qualquer outro. Os exemplos apresentados acima, em todo caso, já dão uma ideia de como se defender um pouco mais dos comunicadores e dos meios de comunicação deste país. A chave é ficar na posição fundamental da lógica: se isso aqui não está fazendo sentido, e não está fazendo sentido agora, não vai fazer mais tarde. Deixe de lado, portanto, e vá adiante.

O guia serve para uma série surpreendente de assuntos. Trate igual aos “agrotóxicos” os incêndios que estão destruindo as últimas árvores da Floresta Amazônica. Não se preocupe em saber se os desabamentos fatais de Petrópolis são causados pelas plantações de soja em Mato Grosso, que, segundo a imprensa, “estão alterando o clima”; as casas caíram porque foram construídas em lugares onde não poderia ter sido feita nenhuma construção. Não dê atenção aos diversos “boicotes” econômicos que as grandes empresas multinacionais estão fazendo ou vão fazer contra o Brasil, por motivos ambientais ou porque o Brasil tem um governo de direita — o agronegócio bate recordes todos os anos, o saldo de exportações brasileiro foi de US$ 60 bilhões em 2021 e quase todas as 500 maiores companhias do mundo mantêm operações no Brasil. Não perca o seu tempo tentando descobrir se o “PMDB” vai romper com o governo, ou por que Gilberto Kassab ainda não se definiu a respeito do seu futuro. Vai pondo. O jornalista, em geral, não está do mesmo lado que você, nem quer as mesmas coisas. Pense sempre nisso e a vida fica mais fácil.

Leia também “A negação do jornalismo”

 J. R. Guzzo, colunista - Revista OESTE


domingo, 9 de maio de 2021

Caso Porto Real: menina morta por mãe e madrasta passou nove meses isolada e foi torturada por beber leite sem autorização

Ketelen, de 6 anos, morta após uma sessão de espancamento em Porto Real, no Sul Fluminense, viveu uma rotina de agressões, fome e medo depois que mãe foi morar com a madrasta. As duas estão presas pelo crime 

Esquecidas num canto, em cima de uma mesinha tosca de madeira, as sandálias gastas de plástico com o desenho da Branca de Neve são a única prova física de que Ketelen Vitória Oliveira da Rocha, de 6 anos, passou os últimos nove meses de sua vida na casa humilde do bairro Jardim das Acácias, em Porto Real, no Sul Fluminense. 
Mas Ketelen não teve uma vida de princesa. Sua infância foi engolida pela violência doméstica. 
Seus brinquedos foram jogados fora pela madrasta, Brena Luane Nunes, de 25 anos. Não tinha amigos nem brincava. Não podia ir à escola, sair de casa ou botar os pés no quintal.  
Sua alimentação se resumia a café e farinha. Vivendo com quatro mulheres adultas, era a única a dormir no chão. Sofria frequentes sessões de espancamento. 
Na última delas, foi torturada, açoitada, atirada de uma ribanceira e agredida por 48 horas até ser levada para o hospital e morrer, em 24 de abril. Pelo crime, Brena, sua companheira e mãe de Ketelen, Gilmara de Farias, de 27 anos, e a mãe de Brena, Rosângela Nunes, estão presas.

Ketelen morreu num hospital particular em Resende, no Sul Fluminense. Chegou lá transferida do Hospital Municipal São Francisco de Assis, em Porto Real, onde deu entrada no dia 19, levada pelas mulheres, após ser espancada entre os dias 16 e 18. A casa onde a menina viveu seus últimos meses tem infiltrações nas paredes, três pequenos quartos e apenas três janelas — uma delas, fechada com cimento por Brena. As outras duas, dizem moradores do bairro, ficavam quase sempre fechadas ou entreabertas. Segundo o depoimento de Rosângela na 100ª DP (Porto Real), sua filha queria evitar contato com os vizinhos.

— A criança não colocava a cara no quintal. Havia uma lona preta que ficava estendida na varanda, e a janela ficava fechada. A menina não tinha contato com outras crianças. Eu mesma só a vi uma vez, assim mesmo quando ela estava chegando, no ano passado. Nem sabia que ela morava ali. Só soube quando a polícia esteve lá — disse uma vizinha.

Maria Aparecida Barbosa Nunes, de 86 anos, avó de Brena, é a única que permanece no imóvel. Ketelen dormia no mesmo cômodo que a idosa. Já Brena e Gilmara usavam um quarto um pouco maior, onde havia uma cama de casal. O outro cômodo era ocupado por Rosângela.[será que algum advogado, ou alguém da turma dos 'direitos dos manos' vai invocar tratamento privilegiado para a idosa? Ao que se percebe ela tinha oplena confiança do que ocorria e condições de interferir.]

Maria Aparecida diz que a neta não gostava de Ketelen por ter ciúmes da relação da menina com a mãe. A idosa, cega do olho esquerdo, diabética e com dificuldade para andar, contou já ter sido espancada pela neta mais de uma vez. — A Brena me batia à toa. Bastava ela beber. Minha filha Rosângela não fez nada. Ela só não denunciou tudo porque a Brena dizia que mataria a mim e a ela também. Brena vivia falando que não gostava da Ketelen. Jogou fora os brinquedos que a menina trouxe quando veio morar aqui — disse a idosa, que ganha um salário mínimo de pensão e tinha o dinheiro usado pela neta. — Eu só conseguia fazer um pouco da compra para a casa. O resto a Brena gastava tudo com bebida.

Uma menina doce
Uma menina doce, fã de Peppa Pig, que adorava brincar e sonhava ser bailarina. Assim o vendedor desempregado Roger Fabrizius da Rocha, de 32 anos, define a filha Ketelen. Sem ver a garotinha desde 2019 — segundo ele, devido a desentendimentos com a família de Gilmara, de quem se separou quando a menina tinha 1 ano — Roger só voltou a ver a filha intubada no hospital, lutando pela vida. Uma cena que não sai de sua cabeça: Olhei minha filha intubada e vi as marcas das agressões que ela sofreu. Ter visto ela daquele jeito me chocou muito. Fiquei chorando, e a médica veio conversar comigo. Ela me disse que minha filha tinha poucas chances de sobreviver, mas que estavam fazendo tudo para salvar a Ketelen.

Roger ainda se lembra da última vez em que esteve com a filha, em 2019. A menina ficou 20 dias com ele e a avó paterna. Depois, passou o Natal com a mãe. Segundo Roger, até então a criança nunca havia reclamado de ser maltratada por Gilmara: — Minha filha tinha uma vida normal. Também tinha o colégio, onde estudava certinho. Uma vez, ela me contou que queria ser bailarina porque achava a dança bonita. E eu disse: “Filha, papai vai ver isso”.

Postagens em redes sociais da própria Gilmara confirmam que, pelo menos até 2019, ela fazia questão de demonstrar afeto pela filha. Numa delas, em 21 de setembro de 2019, lembrou da felicidade que sentiu ao descobrir que estava grávida de Ketelen e escreveu “amor da mamãe, minha linda!”. Ainda grávida, em 2014, postou: “Estou muito feliz, estou esperando uma menina. Minha filha foi um grande presente que Deus me deu. A mamãe te ama, filha”.

Gilmara contou à polícia que conheceu Brena pela internet. Começaram a se relacionar à distância. Em julho de 2020, mudou-se com a filha de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para viver com a companheira em Porto Real. E a violência começou.  O laudo cadavérico de Ketelen, feito por peritos do Instituto Médico-Legal (IML) de Resende, e o boletim de Atendimento Médico do Hospital Municipal São Francisco de Assis, em Porto Real, onde ela recebeu os primeiros socorros, revelam a brutalidade do espancamento sofrido por Ketelen. O exame no IML constatou que a criança foi torturada com queimaduras, provavelmente produzidas por um cigarro: “Sete lesões circulares medindo de dez a 15 milímetros sobre a coluna vertebral compatíveis com queimaduras provocadas por objeto arredondado, revelando nítidos requintes de crueldade”, escreveu o legista.

O laudo registra que Ketelen tinha incontáveis escoriações na face, algumas com características de terem sido produzidas por arrastamento, e edemas nos lábios compatíveis com uma ação contundente. Foram constatados ferimentos no tronco, nas costas e escoriações lineares, que segundo a perícia, podem ter sido feito por golpes de mangueira ou algo semelhante — segundo as investigações da polícia, Ketelen foi chicoteada com um cabo de TV. Também foram encontradas marcas roxas na barriga da vítima. A causa da morte da menina foi hemorragia intracerebral decorrente de traumatismo cranioencefálico.

‘O pulmão se fechou’
Segundo Fábio Silva, diretor administrativo do São Francisco de Assis, Ketelen chegou ao hospital desacordada. Na ocasião, Gilmara alegou que os ferimentos na filha eram resultado de bater a cabeça no mourão de uma cerca. Um exame dos médicos, porém, constatou sinais de agressão. A equipe médica percebeu sinais de agressão e chamou a Guarda Municipal. A Polícia Militar também foi acionada. A criança tinha inchaços, inclusive no rosto, e marcas roxas em uma orelha. Ela foi encaminhada para tomografia que constatou um trauma cranioencefálico. O pulmão esquerdo se fechou. Encontramos também marcas de chibatadas na lateral e nas costas — relata ele.

Ao ser interrogada pela polícia, Gilmara acabou confessando o crime e apontou Brenda como sendo uma das autoras do espancamento. As duas foram presas e acabaram trocando acusações sobre quem teria espancado a criança por mais tempo. Rosângela também acabou tendo a prisão preventiva decretada pela Justiça, a pedido do Ministério Público, por ter se omitido durante as agressões.

A sessão de espancamento que levou à morte de Ketelen teria tido início após a menina derramar duas caixas de leite quando tentava beber escondida, por estar com fome. De acordo com a denúncia do MP, a garotinha era alimentada uma vez por dia. O argumento usado por Gilmara e Brena para manter Ketelen trancada num quarto, segundo a denúncia, era que “a vítima precisava ser educada”.

A morte de Ketelen causou comoção em Porto Real, que tem cerca de 20 mil habitantes. Segundo a conselheira tutelar e psicóloga Fabíola Silva Lima, de 52 anos, o órgão não havia recebido qualquer denúncia sobre as agressões:  — Quando uma família vem de mudança para Porto Real, geralmente nos procura para auxiliarmos numa vaga para uma criança num colégio da rede municipal. Ninguém nos procurou antes para falar da Ketelen. Nem para vaga na escola nem para denunciar agressão. Só soubemos do que estava acontecendo quando ela chegou em estado grave ao hospital e muito machucada. Uma denúncia pode salvar uma vida e, no caso da Ketelen, isso não aconteceu.

Brena e Gilmara estão presas em celas diferentes no Complexo de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, separadas das outras presas. Rosângela aguarda, numa unidade do interior, a transferência para a capital. Já Ketelen voltou para perto do único lugar onde foi feliz: seu corpo está sepultado no Cemitério de Japeri, na Baixada, onde o pai mora.

[como de hábito, no Brasil, terra da impunidade, a preocupação maior é em preservar, garantir a vida dos criminosos.
É urgente que a Constituição Federal seja adaptada para retirar cláusulas que só servem para proteger bandidos - são pétreas, que não podem ser eliminadas por Emenda Constitucional, mas NADA impede que se faça uma Constituinte para emendar um ou dois pontos da CF.
Certos crimes, tipo o que vitimou a Ketelen Vitória, o menino Henry, precisam ser punidos com todo o rigor da lei, de forma a realmente desestimular outros doentes.Tanto que, a prisão perpétua ou mesmo a pena de morte simples se revelam inadequadas, pelo pouco efeito didático.
O mais eficaz para coibir tais práticas é a morte demorada, executada com recursos modernos que permitem a 'tortura sem dor' e 'sem perda de consciência' por parte do apenado. 
Só assim, acabamos com crimes tão repugnantes.]
 
Rio - O Globo