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quarta-feira, 6 de setembro de 2023

É uma menina!Suzane von Richthofen vai ser mamãe: reflexões - Paulo Polzonoff Jr.

Vozes - Gazeta do Povo

"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Suzane von Richthofen
Para além do sensacionalismo do mundo cão, a maternidade de Suzane von Richthofen (foto) suscita uma série de reflexões sobre a vida da criança.| Foto: Reprodução/ Twitter


Suzane von Richthofen vai ser mamãe. De uma menina. Pelo menos é o que alardeia por aí o biógrafo. (Tão chique ter biógrafo, né? Pena que para isso ela teve que fazer o que fez). O pai seria um médico. Outra informação relevante para este texto: a parricida mais famosa do Brasil estaria pretendendo dar à filha o nome de Isabela – em homenagem à vítima de outro caso que mobilizou o país, o da menina Isabela Nardoni.

E antes que você pergunte se estou sem assunto, me apresso em explicar que uma notícia dessas só vira crônica depois que deixa de ser mera fofoca carcerária (ou distantes latidos do mundo cão) e se transforma em reflexões. Se bem que chamar de “reflexões” esses curtos-circuitos caóticos entre meus neurônios distraídos é exagero mesmo. Mas deixa para lá.

Neste caso, confesso que ao saber que a Baronesa do Campo Belo estava grávida meu primeiro impulso, aquele que se contém à custa de um pouco de educação, foi lamentar viver num país que permite que a autora intelectual de um crime horrível desses possa ter uma vida “normal” depois de passar tão pouco tempo na cadeia. [apenas para registro: no Brasil em matéria de impunidade e valorização do crime e dos criminosos, os exemplos sobram. Quem preside o Brasil, atualmente, é um exemplo perfeito da situação bizarra que vivemos.] Ainda que eu acredite em redenção e coisas do gênero, algo na liberdade de Von Richthofen me incomoda.

Mas aí pensei na criança. No milagre da vida. No futuro. E, em pensando na criança, no milagre da vida e no futuro, esqueci o lamento e imediatamente passei a me preocupar com as pessoas que, tomadas pela revolta, certamente questionarão a dignidade e até o direito à vida dessa menina que, evidentemente, não tem nenhuma culpa pelos crimes e pecados da mãe infamemente famosa. [outro registro: somos radicalmente contra o aborto, a qualquer título ou pretexto, por isso repudiamos qualquer questionamento, feito ou em fase de 'pensando em fazer', sobre os direitos inalienáveis da criança que nasce sobre a sina de ser filha de uma coisa tão infame quanto a que ela provavelmente vai chamar de mãe.] 

Nossa responsabilidade
Não tem. A vida é um milagre admirável, mesmo que saia de um ventre, digamos, problemático.[com a devida vênia, vamos usar o nome certo:s bois: ventre de uma assassina.]   
Por isso, Isabela será mais do que bem-vinda neste nosso Vale de Lágrimas. 
Onde, por circunstâncias alheias à sua pequenina vontade, carregará uma cruz pesadíssima.  
Uma vez aqui, nada, nem mesmo o passado tenebroso da mãe, impedirá a menina de buscar a Salvação.
 
Além disso, é bom deixar bem claro que a maldade, a perversidade, a crueldade ou qualquer outra “dade” que tenha levado Suzane von Richthofen a planejar o assassinato dos pais não é uma característica hereditária. 
Portanto, não haverá nada no DNA da menina a fazer dela uma psicopata. Nada. Num tempo em que se buscam explicações científicas para tudo, essa é uma obviedade que precisa ser dita e repetida. Até que voltemos a ouvir algo remotamente parecido com o bom senso.
 
Enquanto isso não acontece (e não será de uma hora para a outra), é inegável: pesará sobre os ombrinhos da pequena o estigma de ser filha de uma mulher que planejou o assassinato crudelíssimo dos próprios pais. Dos avós dessa criança. Para piorar, em algum momento da vida a menina vai saber que carrega o nome da vítima de um filicídio. 
De outro crime infamemente famoso.
 
Um peso e tanto para uma alminha dessas, hein? Imagine os comentários maliciosos na hora do recreio! O que só aumenta a nossa responsabilidade.  
Porque se é verdade o adágio segundo o qual é preciso toda uma aldeia inteira para se educar uma criança, não dá para esquecer que essa aldeia somos nós. ]
Os parentes próximos de uma forma mais direta, claro, mas eu e você e até aquele gordo lá no fundo de uma forma mais abstrata, enquanto sociedade.
 
Ou seja, Isabela precisará de uma ampla rede de proteção intelectual, emocional e espiritual para suportar o peso de ser filha de quem é
Ainda mais num país que se acostumou a tratar criminosos como celebridades, como pessoas “admiráveis” sob algum prisma macabro
Se essa rede de proteção existirá e será eficiente? 
Ninguém pode responder a isso agora. 
Só me resta, pois, celebrar a vida e rezar para que o mal não triunfe.

Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Manual prático para ler a mídia - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Quando Bolsonaro, “Floresta Amazônica”, etc. etc. etc. entram no noticiário internacional, mude de página. O cidadão aplica melhor o seu tempo assistindo a um desenho da Peppa Pig

 Foto: Shutterstock
Foto: Shutterstock

É uma pena, mas a vida tem dessas coisas. Um dos serviços mais úteis que a mídia brasileira poderia oferecer ao público infelizmente não está disponível no momento, e nem vai estar no futuro, próximo ou remoto. Seria um manual, tipocomo usar este produto”, com o seguinte título: “Guia Geral Para Você Perder o Mínimo Possível do Seu Tempo Lendo, Vendo ou Ouvindo Isto Aqui”. Em tese, já que o cidadão está pagando para ter acesso ao “conteúdo” é assim que se fala hojedos veículos de comunicação, o que lhe entregam deveria servir para alguma coisa. Mas aí é que está: umas vezes serve, outras vezes não serve. Quando não serve, o leitor-ouvinte-telespectador não apenas está jogando tempo no lixo. Está sendo ativamente mal-informado — ou seja, fica sabendo menos do que sabia antes. É injusto, mas o que se vai fazer?

Uma sugestão: o roteiro que Oeste apresenta nos parágrafos seguintes, com algumas ideias que talvez ajudem o público pagante a desperdiçar menos energia, neurônios e espaço de armazenagem mental com a quantidade de bobagens que a mídia lhe em soca em cima sem parar. Não adianta, é claro, para fornecer a informação que não está sendo dada. Essa vem ou não vem, muito simplesmente, e se não vem não há o que fazer: você está pagando sem receber pelo que pagou, e pronto. A tentativa sincera do manual que se segue, em todo caso, é ajudar a limitar o seu prejuízo. Sempre é alguma coisa. Vamos lá:

  • Vá para o mais longe possível, e de preferência não volte mais para perto, de tudo o que lhe oferecerem como informação, análise ou comentário de entendidos em “assuntos internacionais”. Tanto faz se vem de um jornalista ou de um “perito” ouvido pelas redações — dá na mesma, em matéria de inutilidade, porque nem um nem outro sabem do que estão falando em praticamente 100% dos casos, e todos só pensam em passar adiante como realidade o que têm dentro das cabeças como desejo.

Nada mais fácil para entender isso na prática do que o atual noticiário sobre a crise entre Rússia e Ucrânia. Os jornalistas-comentaristas-analistas internacionais decidiram, desde o primeiro minuto, que a Rússia ia invadir a Ucrânia com tropas, tanques e bomba atômica. Decidiram, também, que o bandido indiscutível da história era o presidente Vladimir Putin nomeado pela mídia, depois de Donald Trump e junto com Jair Bolsonaro, o pior governante que há hoje no mundo, disparado, ainda por cima quando recebe uma visita ao vivo do próprio presidente brasileiro. Mas a Rússia demorou muito para atacar, e a mídia ficou inconformada com isso. Insistia, diariamente, que ia ter guerra, sim senhor — tinha de ter guerra, de qualquer jeito, pois esse era o script que desenharam, e o script precisava ser cumprido até o fim. Quando os ataques finalmente foram feitos, a impressão que ficou foi a seguinte: “Mas essa guerra já não tinha acontecido?” Ou: “Por que demorou tanto?”

A crise entre Rússia e Ucrânia é um clássico do jornalismo de torcida que se pratica hoje por aqui. No caso, a arquibancada está torcendo contra a Rússia. Por que será? Uma pista: Putin teve a má ideia de dizer que a Amazônia pertence ao Brasil, e não pode ser “internacionalizada”. Os jornalistas brasileiros ficam revoltados com esse tipo de coisa — eles são contra a manutenção da Amazônia sob a soberania do Brasil. Acham que o certo, para “salvar o planeta”, é entregar a área a um condomínio de ONGs de “esquerda”, burocratas das Nações Unidas e o presidente Macron. Aí não tem jeito. Saída possível: quando Bolsonaro, “Floresta Amazônica”, etc. etc. etc. entram no noticiário internacional, com ou sem Putin, mude de página ou de programa, pois não há a menor possibilidade de qualquer análise com pé e cabeça. O cidadão aplica melhor o seu tempo assistindo a um desenho animado da Peppa Pig.

Os jornalistas não estão percebendo o tamanho da alucinação em que se meteram com as suas agências de caça às fake news

  • Todas as vezes que você encontrar a expressão “agência de verificação”, ou qualquer outra manifestação de atividade da Polícia Nacional de Repressão às Fake News, tome a direção exatamente contrária. “Notícia falsa”, em quase todos os casos, é notícia que a mídia não quer que você leia, veja ou escute — notícia, comentário, opinião, nada. É uma das preocupações centrais do jornalista brasileiro de hoje: o que não deve ser noticiado. É também uma ferramenta para censurar a livre circulação e fatos e de ideias nos meios de comunicação. Talvez nada ilustre tão bem essa nova realidade quanto a última moda na área: o desmentido da piada.
    É o que acaba de acontecer com essa mesma história da viagem de Bolsonaro à Rússia. Disseram, nas redes sociais, que foi só ele ir para lá e a crise sossegou. Era uma brincadeira. As agências, acredite se quiser, saíram correndo para explicar, com a maior seriedade deste mundo, que era fake news — a “direita”, disseram severamente as agências, quis deixar Bolsonaro bonito na foto com uma “narrativa falsa”.

Prepare-se, portanto. A qualquer hora dessas você pode topar com algo assim em algum jornal, programa de tevê, etc.: “A Agência de Checagem XPTO verificou que é falsa a narrativa de que o papagaio disse ao padre isso, mais aquilo, e mais isso e mais aquilo. Especialistas ouvidos por esta agência confirmam que o papagaio, na sua condição de animal da ordem dos psittaciformes, não tem condições fisiológicas para realmente se comunicar com seres humanos em idiomas conhecidos. Por outro lado, a CNBB desmentiu que qualquer dos seus padres tenha tido contato com esse ou outro papagaio.”

Os jornalistas não estão percebendo o tamanho da alucinação em que se meteram com as suas agências de caça às fake news. Mas o público não tem nenhuma obrigação de entrar nessa neura. É só ir para o outro lado.

  • Não acredite em nada que lhe for apresentado na mídia como sendo alguma declaração de “especialistas”. Não existe, quase nunca, especialista nenhum. O “especialista”, assim sem nome, entre aspas, é frequentemente inventado pelos jornalistas para dizer o que querem, e fingir que estão sendo técnicos, precisos, imparciais etc. Eles assumem várias formas. “Cientistas”, “pesquisadores”, “peritos”, “estudiosos da área”, “profissionais”; um dos mais usados é “o mercado”, quando os comunicadores querem comunicar ao público os seus desejos em matéria de economia. Resultado: você acha que o jornalista se deu ao trabalho de fazer perguntas a pessoas que entendem do assunto do qual ele está falando, para deixá-lo melhor informado. Mas é mentira — é só ele mesmo, o jornalista, quem inventa essa “fonte” para dar o seu recado com uma cara mais profissional.

Pode até ser que o especialista realmente exista, mas dá na mesma é em geral um professor da USP ou coisa parecida, ou nem isso, que pensa exatamente igual ao jornalista. Ou é um amigo, ou um outro jornalista, ou são sempre as mesmas figuras; já se viu de tudo por aí. O que importa é o seguinte: inexistentes ou existentes, os “especialistas” não servem para fornecer informações. Servem apenas para dar suporte ao militante dos meios de comunicação em sua missão de “agir” sobre o ambiente político — e não de informar alguém sobre coisa nenhuma.

O Brasil, seja lá o que estiver acontecendo na economia, está sempre em crise terminal nas primeiras páginas e no horário nobre

Note, no noticiário econômico, que certas coisas só sobem e outras só descem, sempre, em qualquer circunstância. Deveriam variar, porque os fatos variam, mas não: na mídia essas coisas não mudam nunca. A inflação só sobe. O crescimento econômico só desce. O desemprego só sobe. As exportações só descem. Os juros só sobem. As vendas só descem. A pobreza só sobe. A renda só desce. O “pessimismo do mercado” só sobe. O “otimismo do mercado” só desce. E por aí vamos. É óbvio que isso não pode estar certo durante 100% do tempo. Os fatos mudam, e as notícias teriam de mudar; mas não mudam. Então está errado.

Não é nenhumm mistério da tumba do faraó saber por que a economia é descrita dessa maneira. É que a mídia não publica, ou dá tão escondido que muitas vezes não se encontra a notícia, quando a inflação, o desemprego, os juros, a pobreza e o pessimismo caem; faz exatamente a mesma coisa quando o crescimento, o emprego, as exportações, as vendas, a renda e o otimismo sobem. Aí fica mesmo difícil. O Brasil, seja lá o que estiver acontecendo na economia, está sempre em crise terminal nas primeiras páginas e no horário nobre. Não importam os números reais, nem o que o cidadão vê a sua volta — “o país” está no fundo do poço todo santo dia. A vida seria simplesmente impossível, na prática, se o noticiário econômico estivesse correto. Como a vida continua, apesar dos jornalistas, é melhor segurar a ansiedade. O mundo, positivamente, não está acabando.

  • Nunca dê atenção a qualquer calamidade provocada, segundo anuncia a mídia, pela aplicação de “agrotóxicos” na agricultura e na pecuária brasileira. O Brasil não aplica “agrotóxicos”; como um dos dois ou três maiores produtores agrícolas do mundo, aplica defensivos contra pragas, pois se não fizesse isso não haveria colheita nenhuma. Mas e daí? O tema foi transformado em artigo de fé indiscutível, como as convicções católicas sobre o sacramento da eucaristia — não adianta querer provar ao Papa, digamos, que as coisas não são assim do ponto de vista “fático”, como diria um despacho do ministro Alexandre de Moraes. É fé pura: nove entre dez jornalistas brasileiros se convenceram, para o resto da vida, que a comida produzida no Brasil está “envenenada”, e não há possibilidade de discutirem mais o assunto. É um disparate absoluto, claro: se os alimentos brasileiros estivessem mesmo com veneno, as pessoas estariam morrendo em massa do café da manhã até a janta, todos os dias — ou então os hospitais estariam com filas que fariam a covid parecer uma brincadeira. Ninguém morreu até hoje no Brasil, nem foi para UTI, por chupar uma laranja, mas não adianta nada: a mídia continua tendo certeza de que os “agrotóxicos” estão acabando com a gente.

A sugestão, nessa história — e essa história é jogada o tempo todo em cima do público — é fazer a mesma coisa que você faria se lesse, por exemplo, o seguinte: “Um homem de 8 metros de altura fez isso ou aquilo” etc. etc. Fica fácil: não pode existir o homem de 8 metros de altura, nem o triângulo de quatro lados, nem o atleta que corre a maratona em cinco minutos. Quando aparece algo assim, então, é só dizer: “Isso aqui está errado; alguém se enganou”. Resolvido, não é? Ninguém precisa ficar tenso. É a mesma coisa com os “agrotóxicos” — esqueça o assunto, pois o “veneno na comida” é o homem de 8 metros das redações brasileiras.

Não perca o seu tempo tentando descobrir se o “PMDB” vai romper com o governo

  • Não dá, é claro, para expor uma por uma todas as possíveis cretinices que a imprensa fornece diariamente ao público; o espaço físico, em publicações digitais, não tem limites, mas a paciência do leitor tem. É preciso, por via de consequência, ir parando em algum lugar, e aqui é um lugar tão bom quanto qualquer outro. Os exemplos apresentados acima, em todo caso, já dão uma ideia de como se defender um pouco mais dos comunicadores e dos meios de comunicação deste país. A chave é ficar na posição fundamental da lógica: se isso aqui não está fazendo sentido, e não está fazendo sentido agora, não vai fazer mais tarde. Deixe de lado, portanto, e vá adiante.

O guia serve para uma série surpreendente de assuntos. Trate igual aos “agrotóxicos” os incêndios que estão destruindo as últimas árvores da Floresta Amazônica. Não se preocupe em saber se os desabamentos fatais de Petrópolis são causados pelas plantações de soja em Mato Grosso, que, segundo a imprensa, “estão alterando o clima”; as casas caíram porque foram construídas em lugares onde não poderia ter sido feita nenhuma construção. Não dê atenção aos diversos “boicotes” econômicos que as grandes empresas multinacionais estão fazendo ou vão fazer contra o Brasil, por motivos ambientais ou porque o Brasil tem um governo de direita — o agronegócio bate recordes todos os anos, o saldo de exportações brasileiro foi de US$ 60 bilhões em 2021 e quase todas as 500 maiores companhias do mundo mantêm operações no Brasil. Não perca o seu tempo tentando descobrir se o “PMDB” vai romper com o governo, ou por que Gilberto Kassab ainda não se definiu a respeito do seu futuro. Vai pondo. O jornalista, em geral, não está do mesmo lado que você, nem quer as mesmas coisas. Pense sempre nisso e a vida fica mais fácil.

Leia também “A negação do jornalismo”

 J. R. Guzzo, colunista - Revista OESTE


terça-feira, 25 de maio de 2021

Senadores buscam palanque eleitoral, mas isso pode ser ruim para eles - VOZES

CPI da Pandemia

A discussão sobre o voto auditável é uma preocupação.  
O objetivo é que o eleitor possa conferir, por meio de um comprovante, o voto que foi depositado na urna eletrônica caso haja dúvidas. Mas, também é preciso se atentar a uma segunda etapa, tão importante quanto a primeira: a apuração dos votos.


Eu lembro que a Corte alemã decidiu que não poderia existir uma contagem digital no país porque a apuração precisava ser pública. Nessa mesma decisão foi enfatizado que a contagem de votos precisa ser transparente e acessível a qualquer cidadão e não hermética e acessível apenas aos iniciados no mundo digital.

Como a apuração não é um hábito jurídico, e sim administrativo do estado brasileiro, ela se enquadra nas exigências constitucionais que falam sobre publicidade e transparência. Essa etapa precisa ser exposta. Ao pensar sobre isso, o sistema eleitoral se torna mais aberto, transparente e confiável. E isso precisa se estender além do voto e chegar a etapa de apuração. Afinal um voto pode ser decisivo em uma eleição. Todos sempre são. Se você vota em alguém que ganha a eleição, o seu voto fez isso e os outros foram sobras, não é verdade?

LEIA TAMBÉM: Pedofilia virtual: como agem os criminosos que assediam pré-adolescentes online 

Ex-feminista explica por que mudou de lado depois do falso “estupro culposo”

Quando o palanque não é necessariamente bom
A CPI da Covid poderia ser uma comissão sigilosa e a portas fechadas - apesar de não ter razão de ser. Mas, na verdade, se não fosse tão exposta, ela nem existiria, porque o objetivo principal disso tudo é o palanque eleitoral. Mas esse palanque não é necessariamente bom, porque está expondo senadores.

Nesse final de semana eu conversei com pessoas que acompanharam os trabalhos da CPI e verificaram que Ernesto Araújo e o general Pazuello foram muito superiores em argumentação e raciocínio do que muitos senadores. As diferenças de sinapses e neurônios foram abismais. Eu fiquei pensando que alguns senadores tinham problemas mentais. Essa exposição está sendo ruim para eles. Esses parlamentares estão se tornando mais conhecidos, porém a consequência não está sendo tão boa assim. Talvez eles não tenham pensado nisso na emoção do momento. A emoção estraga tudo mesmo.

O general Pazuello e Ernesto Araújo foram modelos de racionalização e cabeça fria. Ambos responderam com todos os dados que tinham. Ao passo que alguns senadores não tiveram essa inteligência emocional. O que vimos me deixou preocupado com as condições de raciocínio e lógica deles.

Criminalização da prescrição médica?
O senador, presidente da CPI, me deixou muito preocupado - inclusive pessoalmente. Ele disse que pretende elaborar um projeto de lei para criminalizar o ato médico de prescrever medicamentos para doenças às quais não haja comprovação científica. Eu particularmente não sei o que é isso.

Eu fiquei assustado porque meu cardiologista pode ser preso e eu também, mas como cúmplice. Afinal ele me prescreve há tempos uma vitamina para manter a flexibilização e o funcionamento da minha válvula cardíaca. Embora seja experimental e não tenha comprovação científica de que funciona, esse medicamento está resolvendo meu problema e tem bons resultados.

Isso acontece com centenas de tratamentos. Médicos prescrevem remédios experimentais a pacientes antes dele ser publicado em revistas e ser comercializado em massa. É assim que funciona a ciência, é preciso experimentar e descobrir o que dá certo. É testando que a ciência descobre remédios e amplia a aplicação de certos medicamentos.

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

sexta-feira, 6 de março de 2020

PIRÂMIDE DE PONTA CABEÇA - por Percival Puggina

Antigamente, nas aulas de língua portuguesa, estudavam-se sinônimos e antônimos. Os sinônimos eram chatos, repetitivos como certos discursos. Responder corretamente aos exercícios de sinônimos implicava um esforço dos neurônios para encontrar outras maneiras de dizer a mesma coisa. “Quem se pode interessar por algo tão inútil?”, pensava eu. Já com os antônimos as coisas não se passavam assim. Os antônimos eram divertidos, envolviam um antagonismo frontal, curto e certo. A professora dizia uma palavra e a gente a contrariava. Mesmo que ela reservasse os melhores vocábulos para si, era engraçado responder “burrice” quando ela proclamava “inteligência”. Dona Elvira dizia “estudar”, eu respondia “vagabundear” e a turma caía na gargalhada.

 Suponho que os exercícios de antônimos tenham, de algum modo, contaminado a minha geração. Emitimos, ao longo das décadas, fortíssimos sinais de que nos comprazemos em fazer tudo pelo avesso, como se a vida fosse uma camiseta “descolada”. Organizamos a vida nacional, em quase tudo que importa, pelo inverso do que é certo. Luciano Huck, de tanto distribuir caminhões com prêmios em bairros pobres, já dá entrevista como presidenciável. Há eleitores convencidos de ser isso o que políticos devem fazer em âmbito nacional. E há congressistas, nestes dias, querendo fazer o mesmo com o dinheiro do Orçamento. Mas pergunto: você já assistiu uma coisa dessas fora da América Latina, em país bem organizado?

Bolsonaro quer o antônimo dessa regra. A estrita confiança em seu Posto Ipiranga o fez reconhecer que essa é uma das causas da baixa eficiência dos investimentos públicos quando passam pelas mãos dos políticos. O dinheiro é arrecadado nos municípios e nos estados, em penitente silêncio dos cidadãos, e segue para Brasília. Lá circula, todo dia, uma espécie de versão luxuosa do caminhão do Huck, sustentando favores eternos, cardápios, mordomias, plano de saúde para filhos marmanjos de 30 anos, e tonifica a maioria parlamentar. Quem, na base da pirâmide dos contribuintes, recebe algo em retorno (quando retorna), vê seu dinheiro chegar enxugado e apoucado, ao som das trombetas eleitorais.

Sob o ponto de vista institucional, federativo, político e jurídico construímos, aqui, as pirâmides do Egito de cabeça para baixo. Um dos mais importantes princípios da organização social é o princípio da subsidiariedade, inspirado no conceito de que a prioridade das iniciativas deve ser atribuída às instituições de ordem menor, à base da pirâmide, agindo as demais, subsidiariamente, na medida da necessidade. Em resumo, a União só age naquilo que os Estados não possam agir, estes só atuam naquilo para que os municípios estejam incapacitados de atuar e, dentro do município, a prioridade das iniciativas flui, pela mesma regra, até o cidadão.

O princípio da subsidiariedade, portanto, é um princípio moral, na medida em que preserva a autonomia da pessoa humana e sua liberdade. É um princípio jurídico porque estabelece – e estabelece bem – a ordem das competências. É um princípio político porque delimita – e delimita bem – a ação do Estado. E é um princípio de administração porque vai organizar – e organizar bem – as competências, encurtar os caminhos e os vazamentos do dinheiro, determinar a forma e o tamanho do Estado e orientar a ação do governo de modo a fazer parcerias com a sociedade.
Mas, convenhamos: é divertido assistir o contrário disso tudo e ouvir as loas da imprensa à “autonomia do Legislativo”. E (mais absurdo de tudo), elites políticas aplaudirem o retorno, em poucos frascos e muita publicidade, da dinheirama que parte embarcada em contêineres. Clap, clap, clap!

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


domingo, 4 de novembro de 2018

Bolsonaro fará do Planalto puxadinho das ‘redes’

Jair Bolsonaro não dispõe de porta-voz ou de assessor de imprensa. Sondaram-se alguns profissionais do ramo. Mas ainda não houve acerto. Quando for contratado, o assessor terá dificuldade para demonstrar relevância, pois o novo presidente está enfeitiçado pela ideia de manter, durante o mandato, a mesma “comunicação direta” que o conectou com seus eleitores. Na expressão de um membro do seu staff, Bolsonaro presidirá o país “em tempo real” pelas redes sociais.

Já se sabia que qualquer um com um computador e dois neurônios podia editar seus próprios livros ou gravar seus próprios CDs sem sair de casa. Bolsonaro demonstrou que, assim como qualquer um pode dispensar a indústria editorial para publicar sua obra ou a indústria fonográfica para gravar sua banda, qualquer um também pode virar presidente da República sem precisar de uma superestrutura partidária ou de um aparato de comunicação.

Os partidos e a mídia tradicional são as grandes estruturas que Bolsonaro acredita ter tornado desnecessárias. “Eu cheguei aqui graças às mídias sociais”, disse o presidente eleito aos repórteres na semana passada. Antes, como que decidido a realçar a condição de porta-voz de si mesmo, ele avisara pelo Twitter: “Anunciarei os nomes (dos ministros) em minhas redes. Qualquer informação além é mera especulação maldosa e sem credibilidade.”

Neste sábado, mantendo o ritmo regular de postagens, Bolsonaro voltou ao Twitter para realçar que sua Presidência será diferente das anteriores: “Minutos após a vitória nas eleições iniciamos uma intensa agenda com propostas para fazermos diferente de tudo que governos anteriores fizeram, desde planos para fomentar a economia, mas principalmente, resgatar a confiança do brasileiro e do estrangeiro em nosso Brasil.”

Continue lendo em Blog do Josias de Souza
 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Os verdadeiros golpistas



Não pode ser "golpe" o apelo a um instrumento constitucional.
O instituto do impeachment é uma arma posta nas mãos da sociedade, para ser usada através de suas instituições, como proteção ante o governo delinquente.

A palavra "golpe" tanto serve para definir a tentativa de afastar o governo do poder quanto a de manter o governo no poder por meios extra-constitucionais. Portanto, na atual situação brasileira, golpista é quem quer impedir, mediante constrangimento moral, sofismas e outros mecanismos ainda mais repulsivos, que se faça uso do processo de impeachment, instrumento que a Constituição disponibiliza para situações como esta em que se encontra a República.

Os que fizeram ninho nos poderes de Estado e converteram suas convicções em receitas para ascensão funcional estão em estado de choque. Fazem companhia aos parceiros da mídia e do mundo acadêmico que se acostumaram a falar sozinhos para auditórios subjugados por uma hegemonia que tritura neurônios como uma usina de brita quebra rochas. Em pedacinhos. Nas últimas décadas, uns e outros jamais se depararam com algo semelhante. Povo na rua bradando contra seus amados ícones. Panelaços contra sua idolatrada "presidenta". Lula vaiado e se escondendo entre guarda-costas e companheiros. Rechaço popular a bandeiras vermelhas. Multidões pedindo impeachment.

Como agir diante de algo assim? Proclamar, com insistência, a elevada estatura moral do partido? Ajustar o elmo, esporear o cavalo e brandir espadas em defesa das virtudes do governo Dilma, como zelavam pela pureza feminina os cavaleiros medievais? Investir recursos na modorrenta militância de sanduba, refri e R$ 35? Apelar para a velha estratégia de desqualificar indivíduos e multidões, raças, classes sociais, pigmentação da íris? Incrível como o velho Karl Marx fez vistas grossas à importância da cor dos olhos na luta de classes, não é mesmo?

A desqualificação encontrou na acusação de golpismo o mais entoado de seus refrões. "Impeachment é golpe!". E por aí vão. Unem-se em coro colunistas, comentaristas, parlamentares e dirigentes petistas. Quem pede o impeachment da sua amada "presidenta" é golpista. E pronto. O interessante é que nenhum deles tem coragem de, em público, proclamar a elevada dignidade moral do governo, sua honra e probidade. Nenhum jornalista ou líder político escreve, fala ou mostra a cara na tevê para sustentar o insustentável. Todos sabem que a sociedade tem motivos de sobra para estar enojada do governo e de suas práticas. É muito mais fácil, então, evadir-se da encrenca pelo lado oposto, desqualificando os 63% da população brasileira que clamam pela solução racional e constitucional: o impeachment da presidente.  Não pode ser "golpe" o apelo a um instrumento constitucional, com lei própria, que só terá o efeito desejado se seguido o rito determinado pela Constituição e pela lei federal que trata especificamente do assunto. 

Golpista, portanto, é quem tenta impedir isso. Longa e gloriosa vida ao instituto do impeachment!

Impeachment é o preceito constitucional que faz saber ao governante quem tem as rédeas do poder.  Exorcizar o impeachment, apresentando-o como tema dos inconformados, dos derrotados, dos opositores, dos que perderam eleições, como fez anteontem (20/04), o principal colunista do jornal Correio do Povo (N.do E.: Juremir Machado), é prestar enorme desserviço à causa da democracia e do Estado de Direito.
  Não é uma posição original. Os defensores do atual governo reproduzem-na aos ventos e às nuvens. Todos, em situação ideológica inversa, estariam clamando por impeachment e bradando - "Fora já!" - a quem fosse ocupante do posto.

O instituto do impeachment é uma arma posta nas mãos da sociedade, para ser usada através de suas instituições, como proteção ante o governo delinquente. É uma proteção necessária. Não é a única, mas é a mais poderosa e efetiva. Sua simples existência produz efeito superior ao da lei penal porque além de ser um instrumento jurídico, ele é, também, um instrumento político. Presente no mundo do Direito, opera como freio à potencial criminalidade dos governos.

Imagine, leitor, se, como pretendeu o colunista mencionado acima, governantes fossem inamovíveis por quatro anos. A vitória eleitoral abriria porta a toda permissividade, a todo abuso do poder. Regrediríamos a um absolutismo monárquico operado, sem restrições, nos conciliábulos partidários. Felizmente, no Brasil, quem põe no peito a faixa presidencial veste, também, o cabresto e a embocadura da sempre possível sujeição a um processo de impeachment. A nação, efetiva titular do poder, o mantém com rédea frouxa, até o momento em que precisa acioná-lo para retomar o comando e trocar de montaria.

Fonte: Percival Puggina -   www.puggina.org