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domingo, 3 de novembro de 2019

É melhor ser feliz - Nas entrelinhas

No plano eleitoral, o eixo da disputa política direita versus esquerda é falso. O que estará em jogo não é um terceiro turno das eleições passadas, mas a gestão das prefeituras de milhares de municípios”


O presidente Jair Bolsonaro gastou a manhã de ontem para realizar um sonho de consumo: comprar uma moto. Glamourizadas por Hollywood em filmes como O Selvagem, com Marlon Brando e Lee Marvin, e Sem Destino, com Peter Fonda, Denis Hopper e Jack Nicholson, as motocicletas são símbolos de rebeldia e liberdade, além de um perigoso meio de transporte. Muitas empresas proíbem seus executivos de andarem de moto, hobby de fim de semana de muitos homens e mulheres de meia idade que querem se sentir eternamente jovens. Nas agruras do trânsito, eis o lema do motociclista: é melhor ser feliz do que ter razão.

Na política como ela é, a polêmica criada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) sobre o Ato Institucional nº 5, cuja reedição aventou num caso de hipotética radicalização da oposição, apesar de rechaçada pelo presidente Jair Bolsonaro, aumentou o isolamento político do governo junto aos demais poderes e à sociedade. E reforçou uma polarização política com a oposição, que antecipa o debate eleitoral de 2022, embora tenhamos apenas 10 meses do primeiro mandato do presidente da República. Essa polarização, porém, é artificial. Está descolada do processo político institucional, que se desenrola em dois níveis: as articulações do Congresso para a aprovação das reformas e a preparação das eleições municipais.

No plano político nacional, as questões mais substantivas estão se resolvendo com a aprovação das reformas pelo Congresso, no rastro de um programa de mudanças iniciado no governo Temer (nova Lei das Estatais, Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista). A recente aprovação da reforma da Previdência pelo Congresso, abriu caminho para a reforma administrativa que o governo promete anunciar ainda nesta semana. A reforma tributária, que estava na fila para aprovação, foi engavetada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por falta de massa crítica na própria equipe econômica sobre o que fazer.

O presidente Bolsonaro e seus filhos atuam de forma diversionista em relação à agenda que mais importa para o país. Suas polêmicas acirram a polarização direita versus esquerda; aparentemente, miram a consolidação do seu projeto de poder, no caso a reeleição, muito mais do que a necessidade de modernizar o Estado brasileiro e a nossa economia. Nesse aspecto, os políticos que lideram o Congresso, entre os quais Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), atuam com mais responsabilidade, em que pese a campanha permanente dos setores que desejam desmoralizar o parlamento e defendem soluções autoritárias para os problemas nacionais.

Polarização
No plano eleitoral, o eixo da disputa política direita versus esquerda é falso. O que estará em jogo não é um terceiro turno das eleições passadas, mas a gestão das prefeituras de milhares de municípios. Mesmo nas capitais, que sofrem mais influência do debate político nacional, essa polarização dificilmente ocorrerá. Quem primeiro sacou essa diferença na oposição foi o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo estando preso em Curitiba. O líder petista orientou seu partido a lançar candidatos em todos os lugares onde isso for possível, em vez de organizar uma frente de oposição com base nos temas nacionais. Isso reforça o velho hegemonismo petista, é verdade, porém, o futuro do PT em 2022 depende muito de seu desempenho nas próximas eleições municipais.


É difícil avaliar até que ponto a crise de Bolsonaro com o PSL, comandado por Luciano Bivar (PE), tem a ver com avaliação semelhante. O fato é que Bolsonaro não tem, ainda, uma estratégia clara para as eleições do próximo ano, mesmo nas duas cidades onde é maior a influência da política nacional. Seu rompimento com o governador fluminense Wilson Witzel, por exemplo, sinaliza um cenário adverso no Rio de Janeiro, ainda que venha a apoiar a reeleição do prefeito Marcelo Crivela (PRB). Em São Paulo, o rompimento com o senador Major Olímpio (PSDL) e a deputada Joice Hasselmann (PSDL), potenciais candidatos na capital, revela certa desorientação quanto à disputa pela prefeitura da capital.

Bolsonaro se movimenta como quem deseja ter a liberdade para apoiar candidatos com os quais se identifique ideologicamente, seu prestígio lhes garantiria a competitividade. Esse é o perfil, por exemplo, do deputado federal Hélio Negão (PSL), no Rio de Janeiro. Nesse caso, reproduziria no plano municipal a mesma estratégia que adotou na sua própria candidatura à Presidência, rejeitando alianças tradicionais para fazer uma campanha antissistema, disruptiva. Seria como adotar, nas eleições municipais, o lema do motociclista feliz. Se isso vai dar certo ou não, é outra história.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

sábado, 17 de agosto de 2019

Bolsonaro Easy Rider - Isto É - Editorial

No guidão da moto, jaquetão de couro e escolta de seguranças (armados, como fica bacana a qualquer “bad boy”), Bolsonaro Easy Rider deve se sentir o próprio Peter Fonda no consagrado “road movie” dos anos 60, rasgando o País, praticando barbeiragens retóricas e gerando acidentes em série a cada curva no pensamento. No último domingo não foi diferente, nem nos dias que se seguiram. O motoqueiro irreverente dos finais de semana está se achando livre para dizer e fazer o que lhe der na telha. Um Fonda mal-ajambrado, diga-se de passagem, contrabandeando estatísticas, mentindo que nem um condenado, praguejando opositores e cuspindo impropérios goela afora no melhor estilo desbocado incorrigível. Capaz até, se desse, de enfiar uma bandeira americana na garupa da máquina para não deixar margens a dúvidas sobre suas preferências. Bolsonaro Easy Rider está no momento com uma ideia fixa em torno do aparelho excretor. Vai saber lá o por quê. 

Necessidades fisiológicas humanas lhe incomodam, provavelmente. Tem de fazer menos cocô — com perdão da citação, apenas para ser absolutamente fiel à expressão da vez do presidente — para preservar o meio ambiente. Tem culpa do “cocozinho petrificado de um índio” no atraso da obra de um terminal de contêineres e mesmo os corruptos e comunistas são, no seu entender, o “cocô do Brasil” a ser varrido. Dia após dia saíram essas sujeiras de sua cabeça. Mas não como mera higiene mental. Queria mesmo era conspurcar o debate. Em quem já cismou com a limpeza do pênis e o “golden shower” devem existir definitivamente recalques pendentes nas regiões baixas do mandatário. E eles lhe servem para disfarçar as lambanças ainda mais visíveis nos campos econômico, diplomático e político. 

Bolsonaro Easy Rider vai emporcalhando o País com um desemprego imoral, uma abjeta recessão que ele trouxe de volta após dois anos de recuperação — tímida, embora consistente — e com reprimendas a chefes de Estado do Primeiro Mundo e aos adversários do Parlamento. É possível isso? Desanca, sem dó, líderes da França e da Alemanha por pedir controle no desmatamento — em franco aumento no seu governo — e, de quebra, espinafra os vizinhos argentinos por uma eleição ainda não definida. Bolsonaro Easy Rider quer ampliar poder. Promoveu demissões de quem discorda dele. Aniquilou investigadores do Coaf que tiveram a pachorra de caçar o filho Numero Um, Flavio, por conta de seu laranjal. E botou a correr a turma da Comissão da [IN] Verdade que reparava injustiças aos perseguidos políticos. Até arranjou tempo para novos elogios ao notório torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, seu dileto “herói nacional”, um ser desprezível dos porões da imunda ditadura. 

Bolsonaro Easy Rider planeja agora a “faxina” da Receita Federal. Vai mexer em estruturas e nomes, “limpando” de lá os “petistas infiltrados”. Pode ficar certo: virão novas cagadas daí e não vale se incomodar com o linguajar chulo. É preciso estar na mesma “vibe” do capitão reformado. Do contrário, já viu: ele corta os bagos. O secretário de Comunicação do governo recém-nomeado, por exemplo, não durou nem uma semana no cargo. Contratado da Secom para filtrar os deslizes verborrágicos do “Mito” depois que ele chamou governadores nordestinos de “Paraíba” e negou a existência da fome no País, o assessor relâmpago deve ter insultado o vocabulário rastaquera do chefe da Nação. Aí não pode! Bolsonaro Easy Rider, na diplomacia da canelada, também vem colhendo prejuízos. Financeiros efetivamente. É dada como certa a retirada dos apoiadores do Fundo Amazônia, Noruega à frente, além da Alemanha, suspendendo contribuições que já chegam a US$ 3,4 bilhões.

 Mas o que é isso para um bad boy? Nada. O presidente fez pouco caso, deu de ombros. Na incontinência verbal corriqueira, os agrotóxicos entraram na dança. Sustentou o ex-capitão que o Brasil é um dos que menos usa essa porcaria química. E não o contrarie! O senador (sic) e ex-ator pornô, Alexandre Frota, foi expulso na semana passada do PSL, partido da base, por meter o pau no presidente. Figurativamente falando, claro. Bolsonaro Easy Rider entendeu. Eis um anátema implacável que mistura as obscenidades linguísticas do mandatário e a realidade nua e crua da política de articulação, onde ele não atua com a mesma desenvoltura. 

Bolsonaro Easy Rider é dado a tiranias e rancores típicos de um menestrel do baixo meretrício. Vingativo, implacável, despudorado. Gigolôs mandatários de certas saliências não fariam melhor. Suas fanfarronices fisiológicas são capazes de ruborizar até aquelas cabeças menos carolas da sociedade brasileira. O bad boy motoqueiro, o Peter Fonda da contracultura, o Easy Rider bananeiro está impossível. Quem vai conter seu ímpeto de aventuras loucas pilotando quase desgovernado uma moto e tantos destinos?

Isto É - Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três