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sábado, 19 de agosto de 2023

Falta governança - Carlos Alberto Sardenberg

Da reforma ministerial em andamento, sabe-se de certo mesmo apenas o nome dos dois deputados do Centrão que serão ministros: Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA). Para que ministérios, há informações e não informações circulando nos bastidores
Também há incerteza sobre os empregos dados aos ministros atuais que perderão seus postos. [há suspeitas de que um, ou uma,  dos que serão descartados nunca foram recebidos pelo apedeuta ignorante que finge presidir o Brasil.]
 
Há, pois, intensas negociações, mas procurará em vão quem tentar encontrar algum debate, sequer uma menção à capacidade dos indicados e às políticas que desenvolverão nos cargos. Qual o problema? — se poderia dizer. Se não se sabe para que ministério vai o deputado, como discutir capacidades e programas de governo? E assim ficamos: primeiro escolhe-se o nome, depois o cargo, e aí se vai ver o que ele poderá fazer. Governança zero, mas — quer saber? — não é isso que importa nesse sistema
As negociações envolvem verbas e cargos incluídos nos ministérios, além da capacidade do indicado de conseguir, no Congresso, verbas e votos para o governo.
 
Há países em que o nome do ministro importa pouco. São, em geral, aqueles com sistema parlamentarista e uma administração pública profissional, que funciona na base de regras, e não conforme a simples vontade do ministro. 
Claro que o ministro leva para o cargo a orientação política e ideológica de seu partido, vencedor das eleições: gastar mais em educação ou em obras; ampliar ou não a rede pública de saúde; subsidiar ou não carros elétricos; explorar petróleo ou não; e assim por diante. [aqui nem um rascunho de plano de governo o presidente apedeuta conseguiu traçar - nem ele nem a multidão de ASPONES que ele aglomerou no que chama ministério.]
Mas os programas são tocados por profissionais de carreira. Em poucas palavras: o primeiro-ministro e seus ministros nomeiam poucas dezenas de assessores diretos. 
 
Aqui, são milhares de nomeações.
O que até facilita as negociações, não é mesmo? O partido tal indica o ministro, mas o secretário executivo vai para outro, o diretor financeiro para um terceiro, e assim segue. De novo, a preocupação com governança passa longe. 
Alguns partidos mais poderosos levam o ministério inteiro — de porteira fechada, se diz, quando o novo ministro indica toda a cadeia de administração. 
Claro, não é por capacidade e por programas, mas pela quantidade de apoio que pode assim arranjar para o presidente.
 
Se determinado político pode ir para qualquer ministério, seguem-se duas possibilidades: ou ele sabe tudo de governo, e pode tocar qualquer parada, ou não sabe nada, e aí não importa mesmo onde esteja. Dá nisto: acontece um apagão, técnicos desaparecem, e ministros políticos ocupam espaços para apresentar especulações
Ou nisto: o governo anuncia um PAC e depois vai procurar recursos para tocar as obras e programas. 
E nesse PAC há políticas contraditórias, como acontece no caso da exploração de petróleo. 
 
O Brasil precisa de muitas mudanças para se tornar um país rico, de renda per capita elevada. Por exemplo: reforma tributária, de modo a simplificar o sistema; educação pública de qualidade; abrir a economia para os negócios privados, nacionais e estrangeiros; aumentar o financiamento do SUS.  
Mas precisa também diminuir o tamanho do governo para torná-lo mais eficiente — capaz de fazer mais, melhor com menos gente. Boa governança já ajudaria bastante.

Petróleo verde
Por falar em governança: a Noruega vive um dilema parecido com o nosso. Tem uma agenda ambiental — é o maior financiador do Fundo Amazônia — e produz petróleo. Garante a segurança energética da Europa. 
E a empresa produtora é estatal. Exporta cerca de US$ 180 bilhões por ano
Uma contradição, mas há governança no modo como lidam com isso. 
Parte-se de um ponto: o mundo ainda se move e produz com petróleo
Só que isso vai destruindo o meio ambiente. A proposta deles: aplica-se o dinheiro do petróleo nas políticas de transição para energias verdes. Por exemplo: o governo subsidia os veículos elétricos. 
São isentos de impostos e não pagam pedágio. Hoje, 80% dos carros novos vendidos são elétricos. Em dois anos, serão todos. 
É só um exemplo. Pode-se discordar, mas tem lógica aí.
 
 


domingo, 6 de outubro de 2019

STF notifica Bolsonaro por relacionar ONGs a queimadas na Amazônia - VEJA

Ministro Alexandre de Moraes acatou pedido de organização ambientalista de Fortaleza feito ao tribunal

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes decidiu notificar o presidente Jair Bolsonaro para que explique a declaração em que atribui a ONGs a responsabilidade por queimadas na Amazônia. A determinação ocorreu na quarta-feira, 2, e atende a pedido da Associação Civil Alternativa Terrazul, de Fortaleza. A notificação do ministro prevê que Bolsonaro responda a oito questionamentos relacionados a declarações que fez em 21 de agosto ao deixar o Palácio da Alvorada.

Na decisão, Moraes aponta que o pedido tem “pertinência” “em primeira análise”. Além disso, lembra, que esta solicitação de esclarecimentos está prevista no Código Penal e tem o objetivo de esclarecer “situações ambíguas” e “viabilizar o exercício futuro de ação penal condenatória”, “sendo cabível em qualquer das modalidades de crimes contra a honra”. Na ocasião, Bolsonaro insinuou que as queimadas estariam relacionadas à suspensão do repasses do Fundo Amazônia a projetos. “Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil”, disse na época. A fala teve repercussão negativa entre ambientalistas e também na imprensa estrangeira. O presidente nunca apresentou qualquer indício do envolvimento de ONGs com os números recorde de queimadas deste ano. [o Presidente Bolsonaro deixou bem claro que não estava afirmando - condição que leva o assunto para o campo de uma possibilidade e sem citar nomes de nenhuma ONG;

o ministro Alexandre de Moraes entendeu pertinente a pretensão da ONG - que certamente busca com sua atitude atrair holofotes, visto que  tudo indica se trata de uma ilustre desconhecida - apesar do caráter vago do comentário presidencial e sem citar  nomes, determinou a notificação do presidente,  que  tem o direito legal de não responder à notificação , ignorando o assunto.]

Dentre os questionamentos enviados ao presidente estão: “Quais ONGs são as supostas responsáveis pelas queimadas na Floresta Amazônica?”; “Se o interpelado tem conhecimento de quais são essas ONGs porque nenhuma medida foi tomada contra elas até o momento, levando em consideração que estas, de acordo com ele próprio, vem cometendo ato tipificado como crime?”; e “Existem provas concretas de que as ONGs que, supostamente, tiveram repasse de verbas cancelados ou reduzidos estão participando ativamente dos incêndios na floresta amazônica ou isso não passa de mera conjectura do interpelado?”

As demais questões são: “O que o interpelado quis dizer quando disse que ‘ao que tudo indica’? Isto é, existem provas que indivíduos, intencionalmente, foram até locais ‘estratégicos’ para filmar e ‘tocar’ fogo? Em caso positivo, que provas são essas e quem são esses indivíduos?”; “O que o interpelado quis dizer quando disse que ‘isso não está escrito’?”; “Quais são as ONGs que ‘pegam verbas bilionárias’ e fazem campanha contra ele?”; “O que motiva o convencimento do interpelado de que existe interesse de ONGs nas queimadas na Amazônia? Quais são essas ONGs? Se ele tem conhecimento de quais são, por que não as indicou nominalmente?”; e “Qual o motivo do Interpelado entender que existem ONGs que representam interesse estrangeiro? Quais são essas ONGs?”

Na decisão, o ministro cita um trecho do pedido da Associação Civil Alternativa Terrazul, em que ela aponta que o “interpelado e seu governo possuem absoluta aversão e promovem verdadeira cruzada não apenas contra entidades da sociedade civil, mas também o meio ambiente. Prova disso é que, desde que assumiu o cargo de presidente da República, o interpelado, reiteradamente, tomou atitudes e editou legislação com inequívoco intuito de diminuir a atuação dos entes da sociedade civil”.

VEJA - Estadão Conteúdo

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Olhar de dentro da Amazônia - Míriam Leitão

O Globo
O Brasil está de costas para a discussão do mundo sobre a Amazônia. Quem diz isso é o governador do Amapá, Waldez Góes, que participou da Cúpula do Clima, em Nova York, mas não pôde falar. [convenhamos que a viagem do ilustre governador foi mais para fazer turismo por conta do contribuinte -  ir a um evento para não falar, não ser ouvido, não justifica usar dinheiro público,  além do que era só solicitar aos organizadores da reunião pra receber fitas com áudio e vídeo.]Ele acha que o atual governo federal tem um “discurso permissivo” em relação ao desmatamento e define essa situação como perigosa, porque o resultado disso pode ser a criação de barreiras aos produtos brasileiros decretadas diretamente por quem compra:
— Dificilmente um país vai criar barreira comercial, mas quem consome pode criar, através da pressão sobre as empresas que compram de produtores brasileiros.

Ele diz que é “estranho” o que aconteceu em Nova York:
— Acho que nem a comunidade internacional pode debater a Amazônia sem ouvir o povo da Amazônia, seja autoridade política, indígena, ou produtor, nem o Brasil pode deixar de participar de qualquer debate sobre Amazônia no mundo.

O governador estava convidado a falar na reunião da Cúpula do Clima, mas ao chegar foi informado de que a Colômbia não queria que ele tivesse direito à palavra, por pressão, soube-se depois, do próprio Itamaraty. [ficou uma sensação de enganação o uso da afirmação 'flutuante' "por pressão, soube-se depois, do próprio Itamaraty.".]  A diplomacia brasileira negou que tivesse feito esse movimento, e ele mesmo nem comenta o motivo de a sua palavra ter sido suspensa. O que ele entendeu, participando como ouvinte, é o fato estranho de o Brasil atualmente ter abandonado o protagonismo que já teve:
— Pela sua dimensão continental o Brasil tem que não apenas participar, como também liderar esse debate sobre florestas, sobre redução das emissões. Na hora em que o Brasil se ausenta e demonstra que está fazendo uma mudança para um modelo de desenvolvimento mais permissivo com o desmatamento a situação pode complicar porque somos produtores de alimentos.

Waldez Góes é coordenador do Consórcio da Amazônia Legal e conta que os governadores da região têm mantido intensa articulação, como reuniões com a Noruega, Alemanha e o Reino Unido, para reativar o Fundo Amazônia, de preferência com a mesma governança de antes, em que cada um dos estados tinha um representante no Conselho Orientador. Ele diz que os estados já enviaram carta ao governo federal pedindo a reconstituição integral do Fundo Amazônia. Por uma resolução do Senado, consórcios, como o que ele lidera, podem realizar operações de crédito multilateral, bilateral, reembolsável ou não. Uma das opções é a relação direta com doadores. O que ele considera é que o país não está em condições de recusar dinheiro, como tem feito. Novas reuniões técnicas devem ser realizadas com a Noruega e a Alemanha nos próximos meses. E há encontros marcados também com o governo para que o instrumento, que tem financiado operações de combate ao desmatamento na região, volte a funcionar.

Sobre a operação das Forças Armadas na região, o governador Waldez Góes disse que todos os estados aderiram, mesmo os que não estavam com problemas, como o Amapá. Afirma que aderiu como prevenção porque lá o aumento das queimadas ocorre em outubro e novembro:
— O que temos que fazer agora é pactuar uma central de monitoramento permanente. Porque sair da crise, diminuir as queimadas e esquecer a Amazônia até a próxima crise não dá. Precisamos de uma força-tarefa para recuperar a situação exposta do Brasil e da Amazônia.

Ele diz que discorda da mineração em terra indígena, principalmente a partir da maneira como ela está sendo proposta agora, “de forma permissiva”. Segundo ele, na Amazônia há muita terra “antropizada” e é mais importante recuperar essas áreas do que ocupar outras:
— Por que vamos discutir a terra dos índios se não temos tido competência ainda para produzir nas terras que foram antropizadas?

Ele defende o uso da “informação, ciência e conhecimento” na exploração econômica da floresta, por isso quer a reativação do Centro de Biotecnologia do Amazonas (CBA), “que foi criado há mais de dez anos e nunca funcionou”.
O Amapá acaba de contratar o Exército para fazer o georreferenciamento de áreas do estado que deve regularizar:
— Contratei com recursos do estado, gostaria que fosse com dinheiro do Fundo Amazônia.
Segundo ele, o consórcio da Amazônia tem governadores de diversas linhas políticas que têm conseguido se entender para projetos na mesma direção.

Blog da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo



terça-feira, 24 de setembro de 2019

O isolamento de Bolsonaro - O Globo

José Casado

Presidente começa a descobrir o custo da opção pelo papel de vilão ambiental

Qual é o plano de Jair Bolsonaro para a Amazônia ou o meio ambiente? Se existe, ninguém sabe, ninguém viu nessas 37 semanas de governo. Até agora, se limitou ao vitimismo, muito conveniente a quem atola mas não quer se responsabilizar pela própria inépcia.  Hoje, na ONU, ele vai constatar a dimensão do seu isolamento, inédito para um chefe de Estado brasileiro. Pode tentar revertê-lo, mas isso, exige competência — mercadoria rarefeita na atmosfera do Palácio do Planalto, onde só florescem intrigas, perfídias e anacronismo. [insistimos em destacar o caráter autocrático da Organização das Nações Unidas, uma democracia comandada por uma ditadura da minoria.
Exemplo: teve uma solenidade antes da abertura da Assembleia-Geral e os ministros brasileiros que já estavam em New York não foram convidados  sob o pretexto de que o evento era apenas para chefes de Estado e/ou de Governo.
Pois bem: os representantes da Rússia e China participaram do evento - sendo que nenhum deles era o presidente da Rússia ou da China, países que integram o seleto grupo dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e que são os verdadeiros DONOS daquela organização.]

O presidente começa a descobrir o custo da opção pelo papel de vilão ambiental. Foi Bolsonaro quem se apresentou como alvo no centro de uma renovada forma de ação política global, o ativismo climático. A obsessão com uma conspiração internacional contra a soberania brasileira na Amazônia diz mais sobre o deserto de ideias do governo do que a respeito dos objetivos de países, ONGs e empresas na região. [pergunta boba: se um chefe de Estado declarar em alto e bom tom que internacionalizar parte do território dos Estados Unidos, da China ou da URSS é uma boa medida. Ele será aplaudido pelos países citados?
O presidente da França defendeu tal medida para a Amazônia brasileira.]
A tática de criação de inimigos com interesses ocultos sobre o território amazônico é datada do período da Guerra Fria. Ocupou alguns na Escola do Comando e Estado-Maior do Exército na formatação dos novos subversivos (ambientalistas, índios e estrangeiros) na Rio-92, a primeira conferência mundial sobre meio ambiente.
O Brasil da época importava alimentos, hoje é o terceiro maior exportador. Bolsonaro revigorou o anacronismo. Extirpou a palavra “clima” do Itamaraty, desmontou políticas ambiental, fundiária, indigenista e acabou com o Fundo Amazônia. Também desdenhou da diplomacia com Europa, China e Rússia, optando por ficar refém da Casa Branca de Donald Trump.

O tempo passou e ele não viu. O novo ativismo climático levou 230 fundos de investimentos a perceber nesse negacionismo riscos de reputação, operacionais e regulatórios. Na sequência, 130 bancos — Bradesco e Itaú incluídos— anunciaram pressão conjunta para ação rápida contra “o catastrófico aquecimento global”. E governadores de nove estados que perderam o Fundo Amazônia iniciaram negociações diretas com quem quiser investir na região. O custo Bolsonaro ficou alto demais. Para todos. 


 
José Casado, jornalista - O Globo
 
 

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Os consumidores chineses avisam - Míriam Leitão

O Globo

Importador chinês quer produtos com sustentabilidade. Retórica contra o meio ambiente e de crítica às terras indígenas pode ter impacto no agro

[para que um consumidor,  chinês ou não, possa exigir informação sobre o que come, de onde vem e como é produzido, é necessário que ele tenha opção se não gostar da resposta.

Óbvio que sustentabilidade é importante, só que dentro de limites e do que é possível. Convenhamos que ser o índio  o maior latifundiário no Brasil é um absurdo. Afinal, quem pode cultivar, usando métodos primitivos, centenas de hectares de terra?

Reservas indígenas são necessárias, mas, guardando uma proporção entre o número de indígenas moradores e dispostos a trabalhar e a área da terra.

50.000 hectares para 12 índios é inconcebível.]

O presidente da maior trading chinesa, a Cofco, veio se reunir com empresários do agronegócio brasileiro e deu o seguinte recado: “Nós vamos comprar mais de vocês desde que seus produtos tenham sustentabilidade.” Os representantes do setor no Brasil estavam acostumados a ouvir essa exigência dos europeus, mas não dos chineses. A palavra “sustentabilidade” foi repetida 12 vezes em uma fala de meia hora do comprador chinês.

São sinais assim que o agronegócio brasileiro tem captado. O consumidor está mudando, e entre os seus valores está o de querer saber a origem do que consome. Uma pesquisa, citada pelo executivo da estatal chinesa, mostrou que 50% dos consumidores chineses de 18 a 35 anos querem saber o que comem, de onde vem e como é produzido. Quando o presidente Jair Bolsonaro faz uma reunião como a de ontem, em que, em vez de tratar do combate ao fogo e ao desmatamento, ameaça os povos indígenas, ele só alimenta a ideia de que o Brasil produzirá a qualquer custo ambiental e humano. Ele deveria saber que as terras indígenas são da União e os povos indígenas têm feito um grande trabalho de proteção desse patrimônio natural do país.

O governo errou sistematicamente, e o Brasil teve uma exposição negativa gigante nos últimos dias em todos os jornais e televisões do mundo. O desastre foi provocado por sucessivos atos e palavras de estímulo ao desmatamento. Os sinais foram dados por Bolsonaro quando atacou o Ibama, disse que iria criar várias serras peladas na Amazônia, ignorou os alertas, brigou com os números, ofendeu o Inpe e demitiu seu diretor. O desastre foi escalado pelo ministro Ricardo Salles, que exonerou 21 dos 27 superintendentes regionais do Ibama, ameaçou servidores do ICM Bio, forçou a demissão do seu presidente e trocou a cúpula do órgão por policiais militares. Visitou Espigão D’Oeste, onde fora queimado um caminhão-tanque com combustível que faria uma operação do Ibama, para se solidarizar com madeireiros. O ministro desmontou o Fundo Amazônia e ludibriou o debate com dados falsos ou meias verdades.

Como isso foi entendido em Novo Progresso? Ou em todo o arco do desmatamento? O dia do fogo nasce da compreensão de que a coalizão que junta maus produtores, grileiros, madeireiros ilegais, invasores de terras indígenas havia vencido a parada. Sempre houve um equilíbrio precário nessa queda de braço dos dois lados. O Estado com os órgãos do executivo Ibama, ICM bio, Inpe, Polícia Federal o Ministério Público, o Judiciário, os cientistas e as ONGs estiveram trabalhando para derrubar a taxa de invasão, destruição e queimada da Amazônia. Quando o governo pisca nesse saloon, os bandidos se fortalecem. E nesse caso foi mais do que piscada. O governo deu estridentes sinais de que mudou de lado.

Isso afeta diretamente a economia. A China é nosso maior mercado, e até recentemente considerava-se que ela absorveria tudo o que produzíssemos sem perguntar a que preço. Até eles estão mudando. A Europa é outro parceiro essencial. O governo está assustando os consumidores dos nossos produtos. É por isso que tantos empresários do setor levantaram a voz em defesa do meio ambiente. 
Em momento como este em que os ânimos estão acirrados, os diplomatas são mais necessários para trazer racionalidade ao debate. O Itamaraty, ao invés disso, fez uma nota cheia de cobranças. Indevidas.

O Brasil não está cumprindo o que prometeu internacionalmente. Deveria estar caminhando para uma taxa de 3,8 mil km2 de desmatamento em 2020. O ano passado foi 7,5 mil e este ano há o risco de passar de 10 mil. O compromisso era derrubar em 80% o desmatamento em relação à média de 1995 a 2005. Como no governo Lula a taxa caiu fortemente, e continuou assim até os 4,6 mil km2 de 2012, o Brasil estava perto da meta. Mas começou a se distanciar dela nos anos finais do governo Dilma, depois no período Temer. Agora, quando temos que corrigir a rota, o governo Bolsonaro acelera na contramão da História.  Essa exposição negativa na imprensa mundial, esse recado do trader chinês alertam sobre o perigo econômico e ambiental. Os consumidores do mundo querem comprar o alimento brasileiro, mas não ao custo da ameaça aos povos indígenas, não ao custo da destruição da Amazônia, bioma que é amado em todo o planeta.
Míriam Leitão - Coluna  em O Globo
 
 

domingo, 25 de agosto de 2019

Como recuperar a imagem queimada - Míriam Leitão

O Globo
 
O Brasil enfrentou, ao longo da história, diversas ondas de críticas e indignação no exterior. No século XIX, os ataques eram à prolongada escravidão e ao tráfico de africanos. Joaquim Nabuco foi acusado de difamar o país porque condenava os crimes cometidos aqui. Na ditadura, a acusação era de tortura e morte de opositores. Na hiperinflação, o Brasil era ridicularizado como um país de economia bizarra. No caso do desmatamento, várias vezes elevou-se o tom das críticas ao Brasil. Em todos esses casos, só um método funcionou para recuperar a imagem queimada: ir às causas do problema para eliminar os motivos das críticas.

A Amazônia sempre estará no radar do mundo e, quando o desmatamento cresce, as críticas são fortes. Ocorreu nos governos Fernando Henrique e Lula, e a reação, nas duas administrações, foi ampliar os esforços de combate. Mesmo que tenha havido, no caso de Lula, críticas às críticas, o que de fato se fez, sob o comando da ministra Marina Silva, foi ampliar o esforço para reduzir o ritmo de destruição e só por isso é que a taxa anual de 2004 a 2012 caiu 80%.  Esta semana, no meio da nossa aflição, era possível apontar os aviões e até as roupas dos brigadistas comprados com dinheiro do Fundo Amazônia. Ele está sendo destruído agora pelo atual ministro do Meio Ambiente. Destruir é fácil, construir foi um caminho longo e árduo no qual houve a soma de forças de ONGs, cientistas, Ministério do Meio Ambiente, Itamaraty. A questão do pagamento por desempenho dentro das negociações do clima foi sugestão de ONGs, na COP-6, em Haia, em 2000. No Protocolo de Kyoto o pagamento era feito por floresta plantada. O debate que o Brasil sustentou foi o de receber por desempenho no combate ao desmatamento.

Nas reuniões seguintes, introduziu-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, com grande protagonismo do Brasil. A liderança da ex-ministra Marina Silva, a partir de 2003, foi fundamental para se firmar o conceito. O que ajudou foi a relação que ela estabeleceu com o ministro do Meio Ambiente da Noruega Erik Solheim. Só em 2007, em Bali, consolidou-se a ideia. O Fundo Amazônia já trouxe mais de US$ 3 bilhões ao Brasil. A maior parte do dinheiro foi para os governos estaduais, para financiar ações de proteção ambiental. Diversas ONGs trabalham nesse esforço. Há crime nisso? A sociedade se organiza assim nas democracias. Pode-se não gostar de uma, se entender com outra. O que não se pode é impedir que as pessoas se organizem em torno dos seus sonhos e projetos.

Houve inúmeras ações nos municípios que uniam o trabalho de ONGs com o de prefeituras, do Ibama, do Ministério Público, da Polícia Federal em ações de repressão ao crime da grilagem, desmatamento e queimada e de apoio aos produtores que implantavam as melhores práticas. Eu vi isso acontecendo em Paragominas, em 2008, e na Operação Arco de Fogo. Foi assim também que se venceram outros momentos de dor e crise no Brasil. As conexões entre pessoas que compartilhavam o mesmo sonho civilizatório venceram a escravidão, a ditadura, a hiperinflação. Em cada um desses avanços houve alianças entre sociedade, governo, cientistas, artistas, sonhadores. A proteção da nossa preciosa floresta também se faz através de alianças.

Só quando a escravidão foi extinta no Brasil, as críticas pararam. Quando a tortura e morte de presos políticos foi encerrada, o assunto deixou de ser notícia na imprensa internacional. Quando o Brasil, ao final de uma verdadeira saga, encerrou seu longo período hiperinflacionário, o país passou a ser levado a sério. Sonho com o dia em que não haverá mais críticas ao desmatamento da floresta amazônica brasileira porque, nesse dia, teremos alcançado o ideal do desenvolvimento sustentável.

Certa vez, numa viagem de Pedro II a Paris, o jornal “Le Figaro” publicou uma série de reportagens de Adele Toussaint-Samson sobre o Brasil, país no qual ela havia morado por 10 anos e onde se escandalizara com o tratamento dado aos negros. A comunidade brasileira em Paris pediu que o imperador protestasse junto ao jornal contra as reportagens. Ele se negou a fazê-lo e explicou, segundo relato da autora, que “os povos, da mesma maneira que os indivíduos, não podem julgar a si próprios”.

Blog da Míriam Leitão, com Alvaro Gribel, de São Paulo  - O Globo



sábado, 24 de agosto de 2019

Proteger a Amazônia - Merval Pereira





O Globo 

A mobilização do mundo em relação às queimadas da Amazônia deve-se à inabilidade da retórica, muitas vezes seguida de atos concretos, do governo brasileiro em relação ao meio-ambiente, desde o início do mandato de Bolsonaro. O governo brasileiro, se tivesse o mínimo de inteligência política, e compreensão da inter-relação das economias num mundo globalizado, tinha feito algo desde o início da estação de seca na região, sem dar chance a que a França usasse as queimadas para tentar boicotar o acordo da União Européia com o Mercosul.

[Detalhes que não podem ser esquecidos:

- os franceses não são confiáveis; em 1982, na Guerra das Malvinas, (Argentina x Inglaterra) a França forneceu misseis Exocet aos 'hermanos' e os argentinos afundaram navios ingleses.

Só que,  traiçoeiramente,  os franceses passaram para os ingleses os códigos dos 'exocet' e com isso deixaram os argentinos totalmente incapacitados de se defender e atacar os ingleses, tanto que perderam a guerra.

- Ameaça militar não impressiona o Brasil;

nossas FF AA não estão bem preparadas, bem equipadas - o descaso com o poderio bélico tem sido uma constante no Brasil, mas, a vastidão territorial favorece ações de defesa e eventuais agressores não podem usar armas nucleares (querem preservar a Amazônia e isto os impede de utilizar armamento nuclear ou mesmo bombardeios convencionais de grande intensidade). Não é um bom caminho para os 'donos' do Mundo.

- parar de comprar produtos brasileiros - carne e alimentos do agro negócio -  não é tão simples para os boicotadores. Vão comprar de quem? se seus agricultores tivessem condições imediatas de atendê-los, de há muito não comprariam do Brasil. E,. caso vendam toda sua produção para os países que boicotarem o Brasil, vai ser insuficiente e mais grave é que outros países terão que buscar novos fornecedores e o Brasil tem

Todos tem que comer todo dia (é um 'hábito' que não pode deixar de ser  cumprido,  até por nós, brasileiros, imagine os europeus e outros.), assim, terão que se curvar, mais rápido do que imaginam, diante do Brasil. Poder militar não funciona quando há interesse em preservar o alvo = Amazônia, rebanhos brasileiros e grãos.

Temos que preservar a Amazônia e todo o meio ambiente, mas, sem aceitar regras impostas pelos estrangeiros e cujo objetivo é: impedir que o Brasil alcance o primeiro lugar no mundo como fornecedor de alimentos.]

A decisão que o presidente anunciou ontem, de mandar o Exército para a região das queimadas para ajudar a combatê-las e a reprimir as ações ilegais, e criar uma espécie de gabinete de crise para acompanhar os acontecimentos, deveria ter sido tomada logo que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) alertou para o aumento das queimadas.   Ao invés disso, o governo resolveu desmoralizar o instituto, um dos centros de excelência da ciência brasileira, reconhecido mundialmente. Brigou contra os fatos, como está se vendo agora.  Antes, já tinha brigado com os governos da Noruega e da Alemanha por divergências sobre a utilização do Fundo Amazônia, exemplo de cooperação internacional sadia para ajudar a luta pelo meio-ambiente. Os doadores do Fundo estavam satisfeitos com sua atuação e, por questões políticas, o governo Bolsonaro resolveu intervir.

 Não é possível no mundo atual ser contra a atuação das ONGs, organizações civis que representam o interesse da sociedade em escala internacional. [a maior parte das ONGs representa os interesses de quem 'doa' mais para sustentar a 'luta'.

A troco de grana elas desrespeitam soberania, interferem em investigações policiais, fazendo o que quem as sustenta, manda fazer.]  O governo Bolsonaro, que é contrário ao que chama de mundialização, pretende limitar a ação das ONGs, considerando-as braços intervencionistas de potências estrangeiras.

Fiscalizá-las, como faz através do BNDES, que gere o Fundo Amazônia, é perfeitamente normal, mas não culpá-las irresponsavelmente pelas queimadas, ou transformá-las, no conjunto, em representantes da cobiça internacional. Evidente que França e outros países da Europa estão defendendo seus agricultores, o acordo representa uma disputa difícil para eles, pois a agricultura brasileira é moderna e competitiva. O Brasil é um player internacional importante, e precisa tomar todos os cuidados possíveis para não dar margens a boicotes e afirmações falsas.

O problema é que Bolsonaro não vive neste mundo. Tem uma visão retrógrada e ultrapassada de patriotismo, quando uma verdadeira defesa da Amazônia deveria ser a ocupação econômica, explorando sua imensa biodiversidade.  O Professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências, em palestra na Academia Brasileira de Letras, a respeito dos desafios para o futuro do Brasil, lembrou que quando a União Soviética lançou o sputink, os EUA entraram em pânico.

Kennedy então anunciou o novo programa espacial para enviar o homem à Lula. E advertiu, numa frase que ficou famosa no
Moon speech: “Vamos fazer isso não porque é fácil, mas porque é difícil”.  Para concretizar o projeto, mudaram o perfil da educação no país, o da indústria também, e em nove anos colocaram o homem na lua.  Para Davidovich, um programa mobilizador para o Brasil deveria ser a exploração da nossa biodiversidade. Nós temos cerca de 20% da biodiversidade mundial, e só conhecemos 5% dessa  “fonte de riqueza fantástica”. Tanto em terra quanto no mar, lembrou Davodovich.

Contou que na Amazônia existe uma planta da qual se extrai a bergenina, que tem poder antiinflamatório muito grande, e é também antioxidante. Os laboratórios Merck vendem no Brasil a bergenina purificada por mil reais o miligrama. O preço do ouro é 125 reais o grama. Um miligrama de bergenina vale, portanto, 8 mil vezes mais do que o miligrama do ouro.  O mundo está se preparando para a Sociedade 4.0, alertou com exemplos Davidovich. Segundo ele, na África Meridional cresce o cultivo da soja, uma das nossas mais importantes commodities, especialmente porque a China está comprando terras. A soja africana sairá mais barata que  brasileira, no mínimo devido ao frete.

Também a carne, outro produto de exportação brasileira, pode estar a perigo, pois já há pesquisas avançadas nos Estados Unidos para fazer carne sem matar animais, produzida no laboratório a partir da célula do animal, usando tecnologia de célula tronco. A China também investe em uma tecnologia de carne de laboratório de Israel, que tem três empresas de carne celular. Devastar a Amazônia para explorar madeira ou para pastagens é mau negócio no longo prazo. [não se aumenta a área para agricultura e pecuária - de forma controlada 

(de acordo com o Banco Mundial, mais de 90% da Amazônia estão intactos)
 - e ficarem esperando pela carne celular e resultados de outras pesquisas que podem levar anos e anos para chegar a algo que substitua a carne tradicional;
enquanto não descobrem substitutos para a carne e produtos agropecuários, se come o que?

Merval Pereira,  jornalista - O Globo