Nenê Constantino: austero, discreto, bilionário e condenado por assassinato
[no Brasil, ainda república Banânia, certas coisas são tão absurdas, tão fora da realidade, que se tornam difíceis de acreditar.
A Banânia é um dos raros países do mundo, talvez o único, em que um grupo de bandidos invade propriedade alheia, desfruta da mesma pelo tempo que lhes convém e depois cobram indenização do proprietário para desocupar o que invadiram.]
O Tribunal do Júri de Taguatinga condenou
Constantino e outros três réus pelo assassinato de Márcio Leonardo da
Sousa Brito. O líder comunitário morreu aos 26 anos, em 12 de outubro de
2001.
Fundador da Gol Linhas Aéreas, dono de um conglomerado de empresas
de transportes de passageiros e um dos mais ricos empresários
brasileiros, Nenê Constantino, 86 anos, tem ganhado destaque no
noticiário mais por problemas com a Justiça e escândalos políticos do
que pelo sucesso nos negócios. Além das acusações por duplo homicídio e
tentativas de assassinato, apareceu como pivô da renúncia do então
senador Joaquim Roriz (PMDB-DF).
Na
última quinta-feira (11/5), o Tribunal do Júri de Taguatinga condenou
Constantino e outros três réus pelo assassinato de Márcio Leonardo da
Sousa Brito. O líder comunitário morreu aos 26 anos, em 12 de outubro de
2001, com três tiros, por causa da disputa por um terreno. O empresário
é o mandante do crime, segundo a acusação do Ministério Público e o
entendimento dos jurados.
O envolvimento de
Constantino com pistolagem contrasta com o perfil austero e discreto
consolidado ao longo de 60 anos como homem de negócios bem-sucedido. Ele
sempre fez questão de não esconder o jeitão de interior no meio
empresarial. Aos poucos, a habilidade fez com que acumulasse conquistas
na área de transportes rodoviários e, mais recentemente, aéreos. Em
2008, a revista Forbes divulgou que a fortuna de Nenê Constantino e sua
família eram de mais de US$ 5 bilhões (dólares).
Mesmo assim, o mineiro de Paracatu manteve os hábitos simples. Tem
até hoje ex-rodoviários como melhores amigos. Filho de lavrador, não
concluiu o primário. Constantino nasceu em uma família humilde. Quando
menino, ajudava o pai trabalhando na lavoura e vendendo verduras na rua.
Inovação nos céus
Dívidas com o fisco
Bezerra de ouro
Benefícios da Justiça
Aos
18 anos, comprou o primeiro caminhão, com o qual montou uma empresa de
transportes. Ele entrou no ramo após levar uma carga de manteiga de
Paracatu para Recife (PE). Na busca do que trazer de volta para encher o
caminhão, Nenê recebeu a sugestão de levar passageiros. Colocou uma
placa “Rio-São Paulo” no veículo e transportou um grupo no pau de arara
para a Região Sudeste. Vendeu o caminhão e comprou duas jardineiras
(veículo de transporte de passageiros) para abandonar o transporte de
cargas e se dedicar ao de passageiros. A partir de então, passou a
comprar pedaços de empresas de ônibus em dificuldades.
Nenê
dividiu seus negócios entre os filhos (Henrique, Joaquim, Ricardo e
Júnior) em 1994. Os quatro irmãos se juntaram e as três irmãs ficaram
com empresas de transporte em Brasília, além de shoppings e hotéis. Em
2000, os Constantinos já tinham a maior frota de ônibus do país e uma
das maiores do mundo. Eram quase 6 mil coletivos espalhados por sete
estados e o DF. Transportavam 1,2 milhão de passageiros por dia.
A
família Constantino é dona do Grupo Áurea, hoje Grupo Comporte,
composto pelas empresas Transportes Coletivos Intermunicipal Pássaro
Marron, São Paulo São Pedro, Princesa do Norte, Breda, União,
Piracicabana, Empresa Cruz, Manoel Rodrigues, Itamarati, Transportes
Coletivos Grande Londrina (em Londrina), Transportes Coletivos Grande
Bauru (Bauru), além de empresas de transporte coletivo em Cuiabá,
Maringá (PR), Vitória da Conquista (BA) e, em Blumenau (SC) sob caráter
emergencial. A Comporte fez sua estreia nos trilhos, em dezembro de
2014, ao vencer a licitação para operar o VLT de Santos.
Constantino
mora na capital do país desde 1977. Manteve-se longe dos holofotes até o
fim da década de 1990, quando entrou no ramo da aviação. Em janeiro de
2001, o empresário confirmou o perfil ousado e fundou a Gol Linhas
Aéreas. Enveredou em um ramo marcado por experiências malsucedidas de
colegas especializados em transportes urbanos. A família Canhedo, por
exemplo, dona da Viplan – que já foi a maior empresa do mercado no DF e
quebrou – arriscou investimentos no setor aeroviário, mas a iniciativa
acabou com a falência da Viação Aérea de São Paulo Sociedade Anônima
(Vasp).
Já a Gol Linhas Aéreas começou a operar
inovando no mercado aéreo brasileiro. Voos com tarifas baixas e sem
gastos com alimentação chamaram a atenção no início dos anos 2000. A
empresa deu início às atividades com apenas quatro aviões. Com 122
aeronaves em operação, é a segunda maior do mercado brasileiro, atrás
apenas da binacional Latam, que tem 159 aviões (os números são de 2016).
A data de fundação da Gol, porém, coincidiu com os crimes que envolvem o
nome do empresário. Desde então, os negócios da família Constantino
alcançam fazendas, concessionárias de veículos e empresas de engenharia.
Além
da fundação da Gol, uma investigação do fisco levou Constantino à
mídia. Em 2001, o INSS conduziu investigação das companhias de ônibus da
família. Na época, o cálculo era que as dívidas seriam de cerca de R$
240 milhões. Outra polêmica envolvendo o empresário foi o fato de seu
nome constar em cadastro de empregador que explora trabalho escravo.
Isso acontecia em uma fazenda da qual era sócio. Nenê disse que
desconhecia a situação e que deixou a sociedade.
O
empresário também apareceu na mídia por causa de um amigo influente, o
ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz. O político renunciou ao
mandato de senador em 2007 depois que se abriu investigação por conta
da partilha de um cheque de R$ 2,2 milhões — o documento continha a
assinatura de Constantino. O caso veio a público durante a Operação
Aquarela, da Polícia Civil do Distrito Federal. A ação desmontou um
suposto esquema de desvio de dinheiro do Banco de Brasília (BRB).
Durante
a apuração do caso, a corporação flagrou uma conversa na qual o senador
Joaquim Roriz (PMDB-DF) e o ex-presidente do BRB Tarcísio Franklin de
Moura tratam da divisão da cifra milionária. Roriz decidiu renunciar ao
mandato para evitar uma cassação e preservar direitos políticos. A
origem do dinheiro sacado em uma agência do BRB seria um cheque do
empresário Nenê Constantino, presidente do Conselho de Administração da
Gol Linhas Aéreas. Na época, o ex-governador do DF alegou que parte do
dinheiro seria usado para a compra de uma bezerra. Constantino chegou a
perder a compostura no dia em que foi chamado a depor sobre o caso e
agrediu um fotógrafo.
A
velhice tem garantido benefícios a Constantino. Em março de 2012, ele
passou a cumprir prisão domiciliar. Em agosto de 2012, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) revogou a prisão, mas determinou recolhimento
domiciliar noturno e em fins de semana.
Nenê
Constantino já foi julgado e absolvido em outra ação, que tratava da
tentativa de homicídio de seu ex-genro, Eduardo Queiroz Alves. Ele foi
inocentado em 16 de agosto de 2015, pelo Tribunal do Júri de Brasília,
que analisou a denúncia do Ministério Público, segundo a qual, em 2008,
Constantino teria contratado um pistoleiro, por meio de um policial
militar, para matar Queiroz. Na ocasião, o pistoleiro teria atirado
diversas vezes contra o carro da vítima, que sobreviveu.
ENTENDA O CASO
Disputa por terreno
Márcio
Leonardo tinha 27 anos quando morreu com três tiros. Ele liderava um
grupo de moradores que comprou lotes em uma invasão na QI 25 de
Taguatinga Norte. O terreno pertencia a uma empresa das filhas de Nenê
Constantino e havia servido de garagem da Viação Planeta. Constantino
queria vender o terreno a uma empreiteira, o que não aconteceu por conta
da invasão. O empresário tentou uma ação de reintegração de posse na
Justiça, sem sucesso. Os moradores criaram uma associação, presidida por
Márcio, e exigiram uma indenização para deixarem o local. [os na matéria chamados de moradores, na realidade invasores, alegam que compraram os lotes; se tal compra ocorreu, foi realizada de outros invasores de propriedade privada, portanto, ladrões, e quem compra produto de furto/roubo é, no mínimo, receptador - atividade criminosa conforme tipifica o Código Penal Brasileiro.
E, quando o ladrão pretende cobrar do legitimo proprietário para devolver o produto do furto/roubo está cometendo, no mínimo, o crime de extorsão.]
O
crime foi registrado na 17ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Norte) e
repassado à Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida
(Corvida), hoje Coordenação de Homicídios, sete anos depois, sem
resolução. Com isso, passou a ser investigado pela delegada Mabel Alves
de Faria e uma das equipes dela. O responsável pelos disparos, Manoel
Tavares, morreu assassinado antes de as investigações passarem para a
Corvida.
Agentes usaram escutas telefônicas
autorizadas pela Justiça. Segundo Mabel, os depoimentos do acusado João
Marques também foram fundamentais para elucidação do caso. Eles
coincidiam, ao menos em partes, com o que era captado nas escutas e com o
exame de balística do Instituto de Criminalística da Polícia Civil.
Também com depoimentos de testemunhas.
Fonte: Correio Braziliense