In God, we trust.
All others must bring data.
(Em Deus nós acreditamos.
Todo o resto deve apresentar dados.)
Edward Deming
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Chegou a primavera e, com ela, as chuvas. O relógio do clima tropical é preciso.
Passado o equinócio
de setembro,
aos poucos se encerra o ciclo sazonal de queimadas e
incêndios no Brasil. Como em outros temas, as queimadas têm sido objeto
de uma preocupação seletiva da mídia.
Nesta estação seca, as redações
não se incendiaram com denúncias e acusações sobre queimadas e incêndios
no Brasil. Nem aqui, nem no exterior. Poucos tocaram no assunto.
Comportamento muito diferente do de 2020. A razão seria a redução do
fogo no Pantanal e na Amazônia durante a estação seca de 2021. Contra
fatos…
De junho a setembro deste ano, a redução de incêndios e queimadas foi
de 13% no Brasil. O país registrou 124.995 focos de fogo, valor
idêntico ao de 2019 (125.821).
Em mais de 30 anos, entre 1988 e 2021, a
média foi de 135.000 no período seco.
Em 2020, foram 143.000 focos,
valor acima da média. Variações interanuais podem ser grandes: já se
registrou um mínimo de 57.000 queimadas no ano 2000 e um máximo de
265.000 em 2007.
Os dados são do monitoramento das queimadas por satélite, realizado
pela Nasa. Há décadas, a ocorrência de qualquer fogo de alguma magnitude
é detectada várias vezes por dia, por diversos satélites, em sua
maioria norte-americanos. O sistema atual de referência internacional
para monitorar queimadas e incêndios usa os dados do satélite Aqua M-T,
da Nasa. A detecção dos pontos de calor ou fogos ativos pelo satélite é
disponibilizada, em tempo quase real, num site conhecido como Firms
(Fire Information for Resource Management System). E, no Brasil, esses
dados são oferecidos pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe)
no Programa Queimadas.
No Pantanal, a redução foi de 69% em relação a 2020. Situação
parecida na Amazônia: uma redução de 26%, contrastando com o aumento de
2020. Quem divulgou os dados sobre a redução das queimadas e incêndios
nesses dois biomas?
Ou tentou entender as razões?
Quem comparou a
dinâmica do fogo nos seis biomas brasileiros e alhures?
Cadê os
interessados?
Como na parlenda Cadê o toucinho que estava aqui?, é a água
que apaga o fogo. O peso climático sobre a ocorrência maior ou menor,
adiantada ou atrasada, das queimadas é enorme. São flutuações em escala
continental. Na América do Sul, a redução dos fogos detectados neste
período de 2021 foi até superior à registrada no Brasil: menos 18%.
Segundo dados do Inpe, tratados pela Embrapa Territorial, do total
registrado na América do Sul (200.194), mais da metade ocorreu no Brasil
(62%), seguido por Bolívia, Argentina (ambos com 11%) e Paraguai (9%).
São valores relacionados à dimensão territorial dos países.
Com números
ponderados pela área, o Paraguai é o campeão de queimadas: 44 a cada
1.000 quilômetros quadrados; seguido por Bolívia, com 21; Brasil, com
15; e Argentina, com oito queimadas a cada 1.000 quilômetros quadrados.
O Ano da Graça de 2021 passará à história como um exemplo de redução
nesse fenômeno indesejado? Alguém explicará as causas dessa variação?
Provavelmente, não. O Poder Executivo, acusado pelo aumento das
queimadas na Amazônia ou no Pantanal em 2020, será responsabilizado pela
redução do fenômeno? Dificilmente. Nem no Dia da Amazônia, em setembro,
as catilinárias e as diatribes sobre as ações humanas nesse bioma não
saudaram a redução no número das queimadas.
Em agosto passado, artigo na Revista Oeste destacou
quanto a distinção entre queimadas e incêndios é necessária para a
adoção de políticas públicas e privadas adequadas à redução do uso do
fogo no mundo rural. A solução é ampliar o emprego de novas tecnologias
agropecuárias para substituir o uso do fogo em diversos sistemas de
produção. A queimada é uma tecnologia agrícola. Não se trata de prevenir
queimadas, como no caso dos incêndios, mas de substitui-las por
tecnologias modernas.
Agricultores não queimam por malvadeza. Essa prática do neolítico foi
herdada essencialmente dos índios (coivara). Povoadores europeus a
adotaram, aqui e na América Latina.
Ela é tradicionalíssima na África,
onde também é utilizada como técnica de caça.
É sobretudo o produtor não
tecnicizado, descapitalizado e marginalizado do mercado quem emprega o
fogo — ocasionalmente — para renovar pastagens, combater carrapatos,
eliminar resíduos vegetais acumulados, limpar áreas de pouso etc.
E
eles são minoria: menos de 2%. Do total registrado de queimadas, mais de
15% ocorrem em terras indígenas, áreas urbanas e periurbanas, beira de
estradas etc. Fora das fazendas. São 6 milhões de produtores e cerca de
110.000 queimadas rurais no Brasil. Mais de 98% dos produtores não
empregam o fogo em seus sistemas de produção. Não se trata de uma
prática generalizada. A única prática generalizada é acusar toda a
agropecuária brasileira. Há como reduzir o uso do fogo a menos de 1% dos
produtores e tentar eliminá-lo por completo.
Alternativas técnicas à prática das queimadas existem.
O apagão midiático parece resultar de uma verdade inconveniente: a redução das queimadas não interessa
Já com os incêndios é diferente. Esse fogo indesejável ocorre fora de
hora e lugar. Destrói patrimônio público e privado. Reduz a
biodiversidade. Mata pessoas. Sua prevenção é fundamental. Uma vez
iniciados, eles são difíceis de controlar. Muitas fazendas, usinas de
cana-de-açúcar e grupos de reflorestamento mantêm brigadas
anti-incêndios treinadas e equipadas para atuar, com o Corpo de
Bombeiros e a Defesa Civil. Mesmo assim, neste ano, particularmente na
região nordeste do Estado de São Paulo, ocorreram incêndios em canaviais
provocados criminosamente ou por atos irresponsáveis. Na época da
colheita, a palha seca da cana-de-açúcar é altamente comburente e queima
como papel.
Em 2020, incêndios e queimadas mobilizaram a mídia nacional e
internacional, com acusações ao Brasil por parte de organizações não
governamentais, do presidente francês, de outros chefes de governos e
até com fotos de girafas e cangurus queimados. Neste ano, alguns até
tentaram uns sinais de fumaça, mas faltou lenha ou fogo. O apagão
midiático parece resultar de uma verdade inconveniente: a redução
das queimadas não interessa. Apenas seu aumento. Os desafios colocados
pelo uso do fogo na agricultura também não interessam. Levar
tecnologias, financiamentos e conhecimentos para os pequenos
agricultores reduzirem o uso do fogo também não. Só interessaria o incremento
para acusar e culpar A ou B, como no ano passado? Aqui e no exterior?
Em 2021, ainda não houve uma reportagem para atribuir o mérito da
redução das queimadas a A ou B. Nem aqui, nem no exterior. Cadê o
crítico? O gato comeu. C´est la vie.
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Evaristo de Miranda - Coluna na Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA