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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Ódio incontrolável

Em ataques que custam pouco e são impossíveis de deter, terror islâmico avança pela Europa. Barcelona é a nova vítima, com 13 mortos e uma centena de feridos 

 CHACINA - Vítimas do ataque nas Ramblas suspeito de dirigir furgão é o jovem árabe Moussa Oukabir (Crédito: David Armengou)

 Sem armas de fogo nem explosivos sofisticados apenas carros, facas e bujões de gás terroristas islâmicos mataram na semana passada dezenas de pessoas em vários locais da Europa. O maior alvo foi Barcelona, na Espanha, uma das cidades mais turísticas do mundo, onde um radical dirigindo um furgão atropelou uma multidão de pedestres nas Ramblas, calçadão que recebe milhares de visitantes diariamente. O saldo, só na capital catalã, foi de 13 mortos e mais de 100 feridos. Junto desse atentado, aconteceram ações em outros dois municípios nas proximidades: cinco terroristas foram mortos após atacarem transeuntes e assassinarem uma mulher em Cambrils; e uma pessoa foi morta na explosão de uma casa, enquanto radicais preparavam uma bomba em Alcanar. 

Vários suspeitos foram presos pela polícia, que fala em “atentado de maior alcance” e, até o fechamento desta edição, ainda buscava foragidos. O principal suspeito de dirigir a van é o jovem marroquino Moussa Oukabir, de 18 anos. Enquanto isso, um homem matou dois a facadas em Turku, na Finlândia, horas depois do principal ataque. Ele foi detido. “São assassinos, criminosos que não vão nos aterrorizar”, disse a família real da Espanha, em comunicado. “A ameaça é global, e portanto a resposta deve ser global”, afirmou o primeiro-ministro do País, Mariano Rajoy.

Em todos os ataques foram usados instrumentos simples e cotidianos, nada de objetos feitos exclusivamente para matar. É uma espécie de terrorismo de baixo custo que vem sendo estimulado pelo Estado Islâmico, que assumiu a autoria dos atentados. É muito difícil tomar medidas contra ataques assim. Não por acaso, eles estão se espalhando. Só na Europa, foram oito desde Nice, na França, em 2015, com 87 mortos. Seis deles deixaram vítimas fatais além do perpetrador.


 ALVO DE OPORTUNIDADE
O crime é perigoso porque pode ser planejado rapidamente e quase não dá indícios de que está para acontecer. A polícia não tem como rastrear todos os suspeitos de conexão com o terror que possuam ou aluguem veículo automotor. E os bandidos não precisam de vultosas somas de dinheiro ou de contatos. Basta entrar no automóvel, escolher uma concentração de pessoas e acelerar. Locais mais visados, como Wall Street, em Nova York, possuem postes de contenção para situações assim, mas nada impede que o radical escolha outra calçada qualquer. “Este é um alvo de oportunidade”, diz o especialista em terrorismo Henri Barkey, autor de diversos livros sobre conflitos no Oriente Médio. “É impossível pará-los e os terroristas vão continuar a usar esses recursos.”


Matéria completa em Isto É


 

domingo, 20 de agosto de 2017

O mundo somos nós

Qualquer pessoa pode fazer diferença. Podemos melhorar o que nos cerca. O prédio. A cidade. O país 

Quando decidi ser jornalista, nos anos 1970, me perguntaram se eu queria mudar o mundo. Respondi que não tinha essa ambição. Queria conhecer o mundo, a trabalho. Escolhi o jornalismo internacional, para depois voltar a meu Rio de Janeiro. Hoje, penso que, nos meus 19 anos, havia uma sabedoria inocente na resposta. Para mudar algo, é preciso conhecer. Entender. Perguntar, mais que responder.

>> Mais colunas de Ruth de Aquino

Quando o jornalista revela uma injustiça, um malfeito – ou, na outra ponta, joga luz num bom exemplo e conhecimento num fato histórico –, ele espera que a sociedade reaja. E a sociedade somos todos nós. Por pressão nossa, todos juntos, a criação do Fundo da Vergonha de R$ 3,6 bilhões para as campanhas eleitorais de 2018 balança e naufraga. O mesmo aconteceu com o aumento indecente de 16,7% para procuradores e juízes.
Nada disso resolve a crise moral e fiscal do Brasil. Mas ajuda saber que a pressão pode mudar rumos. O juiz de Mato Grosso que recebeu no contracheque meio milhão de reais, entre salários e benefícios, pode ser um personagem em extinção no país. A imprensa o mostrou. O juiz Mirko Giannotte disse: “Não estou nem aí”. É justo, dentro da lei. Pessoal, nós precisamos mudar muitas leis para o Brasil reduzir o abismo social e enfraquecer o regime de castas. Vamos fazer mais pressão.

Esta edição de ÉPOCA, o número 1.000, é dedicada a reportagens que ajudaram de alguma forma a mudar o mundo para melhor. Não é fácil. Hoje, quando todas as tragédias chegam ao vivo a nossos celulares 24 horas por dia, sem filtro ou análise prévia, as redes sociais incham de indignação, impotência e também de intolerância. São os terroristas islâmicos que matam turistas com uma van nas Ramblas, em Barcelona, ou os neonazistas armados que atropelam judeu, negro ou branco antirracista em Charlottesville, nos Estados Unidos. Tudo numa semana só.

No Rio de Janeiro, além dos arrastões nas vias expressas, vemos uma explosão de moradores de rua e favelas sitiadas por tiroteios e pelo tráfico pesadamente armado. Em São Paulo, vemos as cracolândias e as comunidades fixas de sem-teto sob viadutos, num estado que sofre um roubo a cada 30 segundos, muitos deles seguidos de morte.  Como mudar tudo? Como, se Brasília é uma ilha da fantasia em que a nutricionista e a roupeira da primeira-dama, Marcela Temer, desfrutam apartamentos funcionais e privilégios? A imprensa denuncia. E sua pressão pode influenciar sim .[a nutricionista e a roupeira da primeira-dama, são funcionárias públicas (ainda que não sejam concursadas e sim comissionadas - a lei permite que alguns funcionários sejam contratados na condição de comissionados, portanto, demissíveis, 'ad nutum' ), mas, enquanto não são demitidos são funcionários públicos e desde que atendam requisitos fixados em leis tem o direito de ocupar imóvel funcional.
O fato das duas exercerem suas funções na assessoria da primeira-dama não as torna funcionárias de segunda classe e uma delas atendeu aos requisitos e recebeu o imóvel funcional.
A outra, salvo engano, não atendeu os requisitos e não foi beneficiada.
Trabalhar na assessoria pessoal do presidente da República não é motivo para o funcionário ser punido.]
O mundo não é amistoso ou pacífico. Nunca foi. Ditaduras, guerras e genocídios sempre existiram. Hoje, vemos o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, complacente com movimentos racistas como a Ku Klux Klan. Vemos o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, ameaçando o mundo com um ataque nuclear. Testemunhamos o êxodo forçado dos sírios, com crianças órfãs, feridas, mutiladas ou mortas pela guerra insana de ditadores. Vemos as mortes e prisões na Venezuela de Nicolás Maduro, a fuga em massa para escapar da miséria e de mais de 700% de inflação. 


Vemos mulheres mortas por ser mulheres. Homossexuais mortos por ser homossexuais. Vemos a ganância que destrói o meio ambiente e torna nosso ar irrespirável – e, pior, continua impune, como os criminosos que mataram um rio e uma cidade em Minas Gerais. Vemos o uso da fé para extorquir e para alimentar projetos de poder político.  Tudo isso exige de nós um esforço sobre-humano para resistir e melhorar o entorno. Vimos o jovem médico brasileiro que voltou às Ramblas após o atentado, para socorrer os feridos. A van branca vinha em sua direção e a gritaria o empurrou para se abrigar numa cafeteria. Ele não fez mais que sua obrigação de médico ao voltar? Bernard Campos, de 26 anos, seguiu sua consciência. Levou uma asiática de 30 anos para o hospital porque as ambulâncias demoravam. Fez das mãos dele um colar cervical e pediu soro. “Vou ter de esquecer isso”, disse. Não esqueça que você contribuiu para um mundo melhor, Bernard. 

Qualquer pessoa pode fazer diferença. Não é preciso ser jornalista ou exercer um cargo influente. Se não mudarmos por dentro, nada mudará por fora. A atitude individual conta. A comunitária também. Podemos melhorar o que nos cerca. Primeiro, a família e nossa casa. A relação com os amigos próximos. Os vizinhos. Os colegas de trabalho. O prédio. A rua. O bairro. A cidade. O estado. O país.  Podemos mudar a forma de encarar o mundo. E a forma de agir. Escuto que somos a média das cinco pessoas com quem mais convivemos. São pessimistas, resignadas ou inconformistas? Podemos cultivar as semelhanças, em vez das diferenças. Podemos ter uma causa, uma paixão, podemos ser indignados otimistas. Parabéns aos jornalistas que fazem sua parte. E a você, que faz sua parte como cidadão.

Fonte: Revista Época - Ruth de Aquino