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quinta-feira, 24 de setembro de 2020

De quem é a culpa - William Waack

O Estado de S. Paulo

Por não entender o que acontece lá fora, governo perde guerra da comunicação  

A situação internacional que o Brasil enfrenta em relação às políticas ambientais de Jair Bolsonaro é séria e perigosa. Vamos olhar o que acontece do ponto de vista da comunicação, deixando para especialistas dos vários outros setores o mérito de questões específicas.

Existe desinformação no que se diz e se publica sobre o que acontece na Amazônia e no Pantanal? Sim. Existem interesses de competidores comerciais incomodados com a capacidade brasileira de produzir grãos e proteínas? Sim. Existem organizações (partidos, ONGs, instituições religiosas) com agenda político-ideológica atacando um governo (o brasileiro) por considerá-lo seu adversário? Sim.

Nada disso é novidade nem começou com Bolsonaro.

Mas o governo está sabendo enfrentar essa batalha da comunicação? Não. Faltam aos que tomam esse tipo de decisões em Brasília dois elementos fundamentais que ajudam a entender a natureza deste que é um dos maiores desastres de comunicação em escala internacional. O primeiro elemento é a falta de compreensão do fenômeno lá fora, mas não só. Por incrível que pareça, o governo brasileiro não entendeu a abrangência, a profundidade e o peso da questão climática e ambiental na sua escala planetária. Se isto era, nos idos da Rio 92 (quando o Brasil se preparou muito bem para o que viria), uma agenda de instituições multilaterais e de governos, empurrados em parte por ONGs, hoje a questão ambiental molda nosso “Zeitgeist”, o espírito de uma época, e condiciona a percepção da realidade de gerações inteiras de atores políticos, instituições, governos, consumidores, empresários, grandes corporações no mundo inteiro.

Há um notável apego de ocupantes de gabinetes no Planalto, especialmente generais estrelados, em enxergar no tsunami negativo lá fora em relação ao Brasil articulações contra a nossa soberania em geral e nosso governo em particular – um esquema mental diretamente transferido dos anos setenta para uma realidade muito mais complexa do que conspirações geopolíticas para negar ao Brasil seu direito manifesto de ser uma grande potência. Em outras palavras, embarcaram na guerra de ontem.

O segundo elemento que ajuda a entender o desastre de comunicação é o apego a táticas político-eleitorais – como a negação de fatos, o “deixa que eu chuto”, o xingamento do adversário, a efervescência nas redes sociais – que funcionam no ambiente polarizado de eleições. Mas que tem se mostrado inócuas em escala internacional. O “enfrentamento” duro do adversário, real ou percebido, até aqui não avançou os interesses do Brasil.

Ao contrário, se há algo que o “altivo” discurso de Bolsonaro evidencia quanto à “estratégia” de lidar com a crise internacional de imagem brasileira é a de que ele não tem nenhuma – além de satisfazer seus seguidores domésticos. E não estamos falando de danos subjetivos ou de “percepções” deste ou daquele dirigente ou personagem do debate ambiente versus economia (totalmente superado até na China): estamos falando de danos concretos à capacidade do Brasil de competir nos mercados que interessam.

O extraordinário de tudo isso é que o Brasil tem, de fato, lições a dar em matéria de meio ambiente e de como aumentar a produção de grãos e proteínas de forma sustentável e socialmente responsável. Tem lições a dar em matéria de matrizes energéticas. Dispõe de sólida tradição diplomática (hoje abandonada) na busca de decisões por consenso e cooperação multilaterais. E uma imagem (ainda que cada vez mais distante da realidade social) de um país aberto, simpático, tolerante e bonito.

São ativos desprezados na batalha da comunicação. Enfrentar o que estamos enfrentando lá fora em termos de imagem não é culpa dos outros, dos insidiosos adversários. É nossa, mesmo.

William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo


sábado, 29 de julho de 2017

Tropas trazem sensação de segurança mas dúvida persiste: o que virá depois?

Forças federais no Rio retornam com antigas incertezas

A chegada das tropas do Exército às ruas soou como o Desembarque da Normandia, data comemorada como o início da vitória dos aliados na 2ª Grande Guerra. As operações começaram às 14h ainda fora da cidade, no Arco Metropolitano e na Rodovia Presidente Dutra, mas a notícia se espalhou em minutos pelas redes sociais, trazendo ao Rio a sensação de segurança que parecia ter fugido do estado na bagagem das equipes olímpicas.
 Forças armadas patrulham rodovias. Linha Vermelha - Paulo Nicolella / Agência O Globo

As primeiras ações indicam que o primeiro foco será a repressão aos roubos de carga, mas tanto o ministro da Justiça, Torquato Jardim, como o da Defesa, Raul Jungmann, garantem que também serão combatidos outros delitos, e que as ações serão pontuais. Ou seja, na contramão de outras ocupações, o foco não será o patrulhamento ostensivo, mas uma ação direta ao crime organizado. 

Jungmann acentuou ainda que, ao invés de uma operação pelo tempo determinado de um mega evento - como vem ocorrendo desde a Rio 92 -, desta vez as operações serão de assalto, e poderão prosseguir até o fim de 2018, prazo máximo para o fim do mandato do presidente Michel Temer. Segundo o ministro, isto dará fim ao vai-e-vem da criminalidade que "tira férias durante as operações".


Apesar de necessária por sua urgência, a chegada das forças desta vez acontece no mesmo momento em que aprovação ao governo caiu ao limite crítico de 5% de aprovação, segundo o Ibope, o mais baixo em 30 anos, criando uma agenda positiva para Temer às vésperas da votação na Câmara Federal que irá decidir se ele será processado por corrupção ativa.

As diferenças operacionais anunciadas também não eliminam as dúvidas sobre o seu desfecho. Em todos os casos até hoje, a violência recrudesceu após a retirada das forças e, em alguns casos, como na ocupação do Complexo da Maré, ela inclusive acelerou sua retirada, devido ao desgaste junto à população local. Em todos os casos também não houve período de transição para a paz. Portanto, se a nova atuação da tropa tem o limite legal da mudança de governo, e se, até o momento, não há um plano estratégico de longo prazo para a segurança, a dúvida sobre a eficácia dessas operações há de persistir. Em resumo: o que virá depois?