O Estado de S. Paulo
Por não entender o que acontece lá fora, governo perde guerra da comunicação
Existe
desinformação no que se diz e se publica sobre o que acontece na Amazônia e
no Pantanal? Sim.
Existem interesses de competidores comerciais incomodados com a capacidade
brasileira de produzir grãos e proteínas? Sim. Existem organizações (partidos,
ONGs, instituições religiosas) com agenda político-ideológica atacando um
governo (o brasileiro) por considerá-lo seu adversário? Sim.
Nada disso é novidade nem começou com Bolsonaro.
Mas o governo está sabendo enfrentar essa batalha da comunicação? Não. Faltam aos que tomam esse tipo de decisões em Brasília dois elementos fundamentais que ajudam a entender a natureza deste que é um dos maiores desastres de comunicação em escala internacional. O primeiro elemento é a falta de compreensão do fenômeno lá fora, mas não só. Por incrível que pareça, o governo brasileiro não entendeu a abrangência, a profundidade e o peso da questão climática e ambiental na sua escala planetária. Se isto era, nos idos da Rio 92 (quando o Brasil se preparou muito bem para o que viria), uma agenda de instituições multilaterais e de governos, empurrados em parte por ONGs, hoje a questão ambiental molda nosso “Zeitgeist”, o espírito de uma época, e condiciona a percepção da realidade de gerações inteiras de atores políticos, instituições, governos, consumidores, empresários, grandes corporações no mundo inteiro.
Há
um notável apego de ocupantes de gabinetes no Planalto, especialmente generais
estrelados, em enxergar no tsunami negativo lá fora em relação ao Brasil
articulações contra a nossa soberania em geral e nosso governo em particular –
um esquema mental diretamente transferido dos anos setenta para uma realidade
muito mais complexa do que conspirações geopolíticas para negar ao Brasil seu
direito manifesto de ser uma grande potência. Em outras palavras, embarcaram na
guerra de ontem.
O
segundo elemento que ajuda a entender o desastre de comunicação é o apego a
táticas político-eleitorais – como a negação de fatos, o “deixa que eu chuto”,
o xingamento do adversário, a efervescência nas redes sociais – que funcionam
no ambiente polarizado de eleições. Mas que tem se mostrado inócuas em escala
internacional. O “enfrentamento” duro do adversário, real ou percebido, até
aqui não avançou os interesses do Brasil.
Ao
contrário, se há algo que o “altivo” discurso de Bolsonaro evidencia quanto à
“estratégia” de lidar com a crise internacional de imagem brasileira é a de que
ele não tem nenhuma – além de satisfazer seus seguidores domésticos. E não
estamos falando de danos subjetivos ou de “percepções” deste ou daquele
dirigente ou personagem do debate ambiente versus economia (totalmente superado
até na China):
estamos falando de danos concretos à capacidade do Brasil de competir nos
mercados que interessam.
O
extraordinário de tudo isso é que o Brasil tem, de fato, lições a dar em
matéria de meio ambiente e de como aumentar a produção de grãos e proteínas de
forma sustentável e socialmente responsável. Tem lições a dar em matéria de
matrizes energéticas. Dispõe de sólida tradição diplomática (hoje abandonada)
na busca de decisões por consenso e cooperação multilaterais. E uma imagem
(ainda que cada vez mais distante da realidade social) de um país aberto,
simpático, tolerante e bonito.
São
ativos desprezados na batalha da comunicação. Enfrentar o que estamos
enfrentando lá fora em termos de imagem não é culpa dos outros, dos insidiosos
adversários. É nossa, mesmo.
William Waack, jornalista - O Estado de S. Paulo