O Globo
O risco do Brasil é viver uma tempestade perfeita. De um lado, a crise
internacional afugenta o capital externo do país e o medo de uma
recessão global assombra o mundo. De outro, a política ambiental
insensata está criando mais riscos. O Brasil exporta US$ 17,8 bilhões de
produtos agrícolas para a Europa, só do complexo soja são U$ 5,4 bi, e
isso começa a ficar em perigo. Ontem a imprensa alemã pediu o que já se
fala entre consumidores europeus: o boicote aos produtos brasileiros. A
ideia de que ninguém nos substitui na produção de alimentos é arrogante. [clique e conheça mais sobre a 'insensatez' da política ambiental do Brasil.]
Os próximos meses serão de muita incerteza na economia internacional. Os
conflitos entre a China e os Estados Unidos oscilam ao sabor das
instabilidades de Donald Trump ou de seus interesses de criar o inimigo
externo para espantar suas dificuldades locais em ano pré-eleitoral. A
economia de inúmeros países está mostrando desaceleração. E isso
afugenta o capital dos países emergentes. Para se ter ideia do que já aconteceu. Os investidores estrangeiros
sacaram R$ 19,1 bilhões da bolsa brasileira este ano. Somente em agosto
foram R$ 8,7 bilhões. O minério de ferro perdeu 20% do valor no mês,
apesar de acumular alta no ano, e o petróleo caiu 8%. O dólar ontem
bateu o maior valor desde 20 de maio. No mês, a alta é de 6,46%. Há
problemas em várias áreas.
Os próximos meses serão quentes no meio ambiente e não falo das
queimadas que agora se espalham, animados que estão os incendiários
pelos sinais que chegam de Brasília. O governo tem mandado os estímulos
errados e não quer ouvir as vozes que alertam para os riscos. Aos ambientalistas e cientistas se juntaram líderes do agronegócio. O
governo continua em seu delírio ideológico contra o meio ambiente. Nos
países consumidores aumentam as pressões para que sanções sejam impostas
ao Brasil pelo desmatamento da Amazônia.
O presidente Jair Bolsonaro trata tudo com a displicência de sempre, e o
ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cumpre a pauta dele. E ela
não é a do meio ambiente. Nem mesmo do agronegócio. Na última semana, os
ex-ministros Blairo Maggi e Kátia Abreu alertaram para os riscos de
aumentar o desmatamento. A ex-ministra, que tinha posição oposta à dos ambientalistas, fez um
discurso no Senado e deu uma entrevista em que disse com sinceridade que
estava errada e havia mudado de opinião. “Tenho muito orgulho de ter
evoluído”, disse e defendeu a preservação ambiental como parte
integrante do sucesso do agronegócio. Nessa mesma linha foi Blairo
Maggi. O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag),
Marcello Brito, fez a este jornal um alerta importante. O pecuarista
paraense Mauro Lúcio Costa disse à “Folha de S. Paulo” no fim de semana
que o discurso do governo Bolsonaro tem “inflamado a vontade das pessoas
de desmatar”.
Mauro Lúcio é de Paragominas, e a primeira vez que o entrevistei foi em
2008. Em 2017, fiz uma reportagem em sua fazenda. Ele vem dizendo há
muito tempo que não há conflito entre preservação e produção. Ele
respeita a reserva legal e tem alta produtividade com técnicas como a de
rotação de pasto. “Se eu disser que uma ONG vai acabar com a soberania
nacional é a conversa mais idiota que possa existir”. No mundo, há o conflito comercial EUA x China que ameaça virar guerra
cambial, o Brexit sem acordo, Itália com risco politico, Alemanha com
queda do PIB no trimestre, China querendo intervir em Hong Kong, a crise
argentina piorando. Os bancos centrais de alguns países começam a falar
em relaxamento monetário, porque mesmo com os juros negativos as
economias não reagem.
Nos Estados Unidos, o Fed está dividido. A consequência de tudo isso é
uma postura mais conservadora dos investidores, queda das commodities e
alta do risco de países como o Brasil. No meio desses tremores, o governo brasileiro toma decisões erradas na
área ambiental. O Brasil ficará exposto nos próximos meses em eventos
como o Sínodo da Amazônia, a COP do Chile, o número oficial do
desmatamento anual, Prodes, que o Inpe normalmente divulga entre outubro
e novembro. E se o governo tentar esconder será pior. A política ambiental alimenta o risco de barreira ao produto brasileiro.
As crises externas podem se somar aos erros cometidos pelo governo
Bolsonaro. Essa é a tempestade que se forma.
Blog da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel - O Globo