Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador reserva legal. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador reserva legal. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Nações não têm amigos - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

A mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política externa

Em 1941, a França sob a presidência do marechal Philippe Pétain, herói de Verdun, convertido à colaboração com os alemães, tornando o Estado francês um Estado súdito ou escravo, o general Charles de Gaulle, de início cavaleiro solitário, tentava organizar o que denominara Forças Francesas Livres, ainda em pequeno número e mal equipadas. Em Vichy, o vice-presidente do Conselho, Pierre Laval, de tendências totalitárias, aproximava-se cada vez mais dos nazistas, dizendo com isso salvar a França, vindo a ser “amigo” do embaixador alemão, Otto Abetz. Na Síria, juntamente com os ingleses, as tropas de De Gaulle lutavam contra os franceses subordinados a Pétain, embora o futuro presidente não cessasse de desconfiar dos próprios ingleses. Suspeitava que eles queriam dominar o Levante, passando a ser senhores de partes do Império (Empire) Francês, no caso, Síria e Líbano. Exasperado com seus aliados, exclamou: “Nações não têm amigos”.

Nações têm interesses. Agem de acordo com o que acreditam ser melhor para elas, dispostas a enfrentar outros Estados com interesses distintos, produzindo um panorama internacional, mutável, de parcerias, convergências, divergências e oposições dos mais diferentes tipos. Os interesses vão se acomodando segundo as relações econômicas, militares, políticas e diplomáticas se vão desenhando. Em situações extremas de divergências, nações tornam-se inimigas em situações de guerra; 
em convergências, criam-se instituições internacionais visando à acomodação dos interesses mais amplos possíveis, com o intuito de evitar soluções de força. Nesse contexto, cada Estado exporá suas projeções geopolíticas de poder, conforme suas distintas capacidades e forças.

Não há amigos nesse jogo. Quando muito, afinidades pessoais entre presidentes e primeiros-ministros que podem facilitar as relações, sem que estas possam ser ditas fruto da amizade. A amizade é uma categoria aplicável às relações pessoais, não pode ser generalizada para o domínio da política internacional, em que impera o conflito de interesses. O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, tinha uma afinidade pessoal com o presidente Vladimir Putin, sem que isso se traduzisse por qualquer subordinação aos interesses russos. Jamais, por exemplo, justificou a invasão da Crimeia.

O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, com sua família, tornou o presidente Donald Trump um “amigo”, procurando alinhar os interesses brasileiros aos americanos. Seu chanceler chegou a fazer elogios ditirâmbicos a Trump no que denominou “discurso de Varsóvia”, como se naquela ocasião o presidente americano se apresentasse como o representante-mor dos valores ocidentais e, particularmente, religiosos. Amigos até nos valores, como se dali em diante esse devesse ser o norte da política externa. Em determinado momento chegou-se a falar da “amizade” entre as famílias Bolsonaro e Trump, o que justificaria o projeto, depois frustrado, de designar um dos filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, embaixador nos Estados Unidos.

Os Estados Unidos sabem muito bem defender os seus interesses; no momento atual, porém, tal não parece ser o caso do Brasil. Se os americanos atacam os chineses, é porque os seus interesses estão sendo contrariados por eles, afirmando-se também como uma potência mundial. Confirmado o novo presidente americano, Jorge Biden certamente será mais diplomático, procurando aumentar as convergências com seu adversário asiático, sem que daí se siga que ele deixará de defender os interesses americanos, como tem feito Trump. Sua aproximação será diferente; seu interesse, o mesmo.

Por que, nesse contexto, o presidente Bolsonaro atacar os chineses? Porque são comunistas? Ora bolas! O país asiático é hoje o maior destinatário das exportações brasileiras do agronegócio, tornando-se progressivamente também um investidor no País. Onde está o interesse brasileiro? Atualmente, numa convergência com os interesses dos chineses, não cabendo minimamente alinhar-se com os americanos. Seguir os americanos significa, no caso, contrariar os interesses brasileiros. O Brasil não é amigo de uns nem de outros!

Aliás, no que diz respeito aos Estados Unidos, os interesses deles consistem em ser “ambientalistas” em relação ao Brasil, tal como foi publicamente sustentado pela National Farmers Association. Eles adoram florestas aqui e fazendas lá! Farms Here, Forests There = Florestas aqui e fazendas lá. Procuram aumentar a competitividade de seus produtos, advogando pelo irrestrito direito à propriedade, enquanto o Brasil possui o instituto da reserva legal, que obriga os proprietários rurais a preservarem com vegetação nativa uma parte de sua propriedade. Na Amazônia, convém lembrar, esse índice é de 80%.

A mudança na direção americana exporá à luz do dia os equívocos da atual política externa. Amizades à parte, os interesses deverão impor-se. Se o presidente Bolsonaro for inteligente, e ele o é quando se trata diretamente de seus interesses políticos e familiares, realinhará e remodelará as relações do Brasil com o mundo, em particular com os seus principais parceiros, numa cena internacional que apresentará mutações importantes. [consignamos que a mudança de direção americana depende da mudança de presidente, que depende do resultado das eleições, que ainda não tem nada decidido = grande parte da  imprensa,  brasileira e mundial, precisa entender, aceitar, que eles não escolhem presidentes - AP é uma mera contadora de votos há mais de 100 anos, o que não influi nem contribui para ter autoridade para empossar seu eleito; 

vale o mesmo para algumas emissoras de TV, cá no Brasil,  que por não aceitarem o presidente Bolsonaro, insistem em se imiscuir em assuntos internos de outro país, chegando ao absurdo de até insinuarem que se o esquerdista se tornar presidente dos EUA adotará medidas contra os interesses brasileiros = insinuações que são, no mínimo, antipatrióticas.] 

Denis Lerrer Rosenfield, professor de filosofia - O Estado de S. Paulo - Espaço Aberto

 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Regularização fundiária - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S.Paulo

MP 910 vai beneficiar majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%

O alarido do bolsonarismo, ancorado no incessante embate com inimigos reais ou imaginários, termina por obscurecer medidas importantes que estão sendo tomadas pelo próprio governo. O principal torna-se secundário e o secundário, principal, criando problemas tanto para a imagem do próprio presidente quanto para a do País no exterior, em áreas sensíveis como o meio ambiente. O desmatamento e os incêndios na Amazônia em muito têm prejudicado o Brasil e poderão ter ainda maiores repercussões no agronegócio. Somos o país mais protecionista do planeta, mas o governo não sabe comunicar o que de melhor fazemos.

Que outro país tem o instituto da “reserva legal”, que obriga o produtor rural a preservar, por seus próprios meios, uma parte de sua propriedade – que na Amazônia atinge 80% da área? Exemplo mais claro de “função social da propriedade” seria difícil imaginar. Por que nossos detratores não nos imitam? 
Por que as ONGs não levantam essa bandeira pelo mundo afora?

Recentemente o governo promulgou a Medida Provisória (MP) 910 e os Decretos 10.165 e 10.166, relativos à regularização fundiária em terras da União e assentamentos, graças a iniciativas do Ministério da Agricultura, da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários e do Incra. Trata-se de medida da maior importância, por combater diretamente os desmatamentos, possibilitar a produção rural e melhorar a vida de pequenos e médios produtores, além de assentados. A condição social dos agricultores e a preservação do meio ambiente são os maiores beneficiados. Note-se que as queimadas na Amazônia, em mais de 85%, foram feitas em áreas públicas e em assentamentos da reforma agrária, e não em áreas privadas. Culpar a agricultura e a pecuária não faz o menor sentido.

Acontece que controlar a grilagem, em extensão continental, é praticamente impossível, pois implicaria meios logísticos, financeiros e presenciais de difícil implementação. Grileiros, como criminosos em áreas urbanas, atacam e fogem, tornando extremamente complexa a sua prisão e condenação. Veja-se o que ocorre nas cidades brasileiras. No campo, desmatam, provocam queimadas e fogem, partindo para fazer o mesmo em outras áreas. Seria um trabalho de gato e rato. Qualquer responsabilização se torna, por essas razões, uma imensa questão, quanto mais não seja, pelo fato de os grileiros não deterem a propriedade, tampouco os assentados, que usufruem apenas de uma posse precária.

O governo decidiu enfrentar esse problema. Trata-se de algo da maior relevância, pois permite controlar e monitorar os desmatamentos, responsabilizando seus autores. Observe-se que setores da mídia já estão bombardeando essa iniciativa, como se ela fosse aumentar a grilagem. Ora, muito ao contrário! Doravante, o País passará a ter uma legislação unificada, conhecerá melhor a sua malha fundiária, podendo, então, identificar e responsabilizar todos os que violarem a lei, além de titular os assentados, que, por sua vez, poderão finalmente se tornar agricultores familiares.

Ressalte-se que, assim, o País passará a ter maior segurança ambiental, pois todo novo proprietário deverá necessariamente fazer o Cadastro Ambiental Rural (CAR), assim como seguir o Código Florestal, de tal maneira que passará a ter um controle mais preciso de todo o seu território. Áreas regularizadas deverão obedecer à legislação e, em caso de desmatamento ilegal, os produtores terão de regularizar ambientalmente a sua situação, devendo entrar no Programa de Recuperação Ambiental (PRA). O Brasil, graças ao georrefenciamento e à ampla utilização de novas tecnologias, de satélites, aumentará o seu poder fiscalizador, atuando mais agilmente e responsabilizando os infratores. As vistorias in loco continuarão a ser feitas em caso de infrações ambientais ou conflitos fundiários, nada muda nesse quesito.

Os beneficiados socialmente por essas novas medidas serão majoritariamente pequenos agricultores, algo em torno de 90%. O limite estabelecido pela MP de áreas passíveis de regularização é de 1.650 hectares, o que corresponde, graças à reserva legal, a uma área cultivável de 350 hectares, 20% de sua extensão. No caso dos assentamentos da reforma agrária, a mudança é profunda, na medida em que a titularização, ao tornar o assentado um proprietário, permite-lhe obter mais facilmente crédito rural, assistência técnica, novas tecnologias e acesso a fontes públicas e privadas de financiamento, inserindo-o numa economia de mercado.

Mais importante, o assentado cessa de ser um tutelado, sob o controle dos ditos movimentos sociais, dos quais se tornou massa de manobra, podendo se assumir enquanto produtor rural de pleno direito, auferindo renda do seu trabalho e podendo usufruí-la. Para ter uma ideia da tarefa que deverá ser realizada, desde a criação do Incra apenas 5% dos assentamentos foram consolidados. A condição de penúria dessas favelas rurais é consequência do seu controle político. Outra dimensão do problema reside em que os assentamentos do Incra ocupam 88 milhões de hectares, enquanto a produção de grãos ocupa somente 50 milhões de hectares.

Curioso nesse processo é o fato de que a esquerda e as ONGs ambientalistas, em sua maioria, silenciam sobre o desmatamento e as queimadas nos assentamentos da reforma agrária, procurando transferir a responsabilidade para o agronegócio brasileiro, no que terminam por fazer o jogo dos concorrentes do País lá fora. Falam no aumento da grilagem devido a uma suposta autodeclaração dos interessados, quando, na verdade, deverão preencher formulários digitais, responsabilizando-se pelo estado atual dessas propriedades e passando a submeter-se à legislação.

A medida provisória e os decretos flexibilizam a burocracia, modernizando-a digitalmente, e tornam mais rígidos a fiscalização e o controle ambientais. Não convém, com má-fé, confundir essas duas coisas.

Denis Lerrer Rosenfield - Professor de Filosofia - O Estado de S. Paulo
 

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Risco global e erros internos - Míriam Leitão

O Globo

O risco do Brasil é viver uma tempestade perfeita. De um lado, a crise internacional afugenta o capital externo do país e o medo de uma recessão global assombra o mundo. De outro, a política ambiental insensata está criando mais riscos. O Brasil exporta US$ 17,8 bilhões de produtos agrícolas para a Europa, só do complexo soja são U$ 5,4 bi, e isso começa a ficar em perigo. Ontem a imprensa alemã pediu o que já se fala entre consumidores europeus: o boicote aos produtos brasileiros. A ideia de que ninguém nos substitui na produção de alimentos é arrogante. [clique e conheça mais sobre a 'insensatez' da política ambiental do Brasil.]

Os próximos meses serão de muita incerteza na economia internacional. Os conflitos entre a China e os Estados Unidos oscilam ao sabor das instabilidades de Donald Trump ou de seus interesses de criar o inimigo externo para espantar suas dificuldades locais em ano pré-eleitoral. A economia de inúmeros países está mostrando desaceleração. E isso afugenta o capital dos países emergentes. Para se ter ideia do que já aconteceu. Os investidores estrangeiros sacaram R$ 19,1 bilhões da bolsa brasileira este ano. Somente em agosto foram R$ 8,7 bilhões. O minério de ferro perdeu 20% do valor no mês, apesar de acumular alta no ano, e o petróleo caiu 8%. O dólar ontem bateu o maior valor desde 20 de maio. No mês, a alta é de 6,46%. Há problemas em várias áreas.

Os próximos meses serão quentes no meio ambiente e não falo das queimadas que agora se espalham, animados que estão os incendiários pelos sinais que chegam de Brasília. O governo tem mandado os estímulos errados e não quer ouvir as vozes que alertam para os riscos. Aos ambientalistas e cientistas se juntaram líderes do agronegócio. O governo continua em seu delírio ideológico contra o meio ambiente. Nos países consumidores aumentam as pressões para que sanções sejam impostas ao Brasil pelo desmatamento da Amazônia.

O presidente Jair Bolsonaro trata tudo com a displicência de sempre, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cumpre a pauta dele. E ela não é a do meio ambiente. Nem mesmo do agronegócio. Na última semana, os ex-ministros Blairo Maggi e Kátia Abreu alertaram para os riscos de aumentar o desmatamento. A ex-ministra, que tinha posição oposta à dos ambientalistas, fez um discurso no Senado e deu uma entrevista em que disse com sinceridade que estava errada e havia mudado de opinião. “Tenho muito orgulho de ter evoluído”, disse e defendeu a preservação ambiental como parte integrante do sucesso do agronegócio. Nessa mesma linha foi Blairo Maggi. O presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, fez a este jornal um alerta importante. O pecuarista paraense Mauro Lúcio Costa disse à “Folha de S. Paulo” no fim de semana que o discurso do governo Bolsonaro tem “inflamado a vontade das pessoas de desmatar”.

Mauro Lúcio é de Paragominas, e a primeira vez que o entrevistei foi em 2008. Em 2017, fiz uma reportagem em sua fazenda. Ele vem dizendo há muito tempo que não há conflito entre preservação e produção. Ele respeita a reserva legal e tem alta produtividade com técnicas como a de rotação de pasto. “Se eu disser que uma ONG vai acabar com a soberania nacional é a conversa mais idiota que possa existir”. No mundo, há o conflito comercial EUA x China que ameaça virar guerra cambial, o Brexit sem acordo, Itália com risco politico, Alemanha com queda do PIB no trimestre, China querendo intervir em Hong Kong, a crise argentina piorando. Os bancos centrais de alguns países começam a falar em relaxamento monetário, porque mesmo com os juros negativos as economias não reagem.

Nos Estados Unidos, o Fed está dividido. A consequência de tudo isso é uma postura mais conservadora dos investidores, queda das commodities e alta do risco de países como o Brasil. No meio desses tremores, o governo brasileiro toma decisões erradas na área ambiental. O Brasil ficará exposto nos próximos meses em eventos como o Sínodo da Amazônia, a COP do Chile, o número oficial do desmatamento anual, Prodes, que o Inpe normalmente divulga entre outubro e novembro. E se o governo tentar esconder será pior. A política ambiental alimenta o risco de barreira ao produto brasileiro. As crises externas podem se somar aos erros cometidos pelo governo Bolsonaro. Essa é a tempestade que se forma.
 
Blog da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel - O Globo