Déficit de fundos de pensão de estatais avança e deverá exigir aportes dos participantes
O rombo acumulado dos quatro principais fundos de pensão de estatais — Correios (Postalis), Petrobras (Petros), Caixa Econômica Federal (Funcef) e Banco do Brasil (Previ) — deve ter ultrapassado R$ 113 bilhões em 2015. A conta considera números preliminares dos balanços anuais a serem divulgados nos próximos meses e dados dos conselhos fiscais das entidades. O rombo de R$ 113 bilhões é o déficit atuarial, ou seja, se o fundo fosse obrigado a pagar hoje todos os benefícios atuais e futuros, esse seria o tamanho da fatura. Com dados parciais das contas do ano passado, Postalis, Petros, Funcef e Previ registraram saldo negativo de R$ 46,6.
Parte da fatura começa a ser repassada
aos participantes (ativos e aposentados) em março: no Postalis e na
Funcef, com saldos negativos desde 2012, os planos de equacionamento do
déficit estão em fase adiantada. Petros e Previ devem fechar uma
proposta para cobrir os respectivos rombos, ao longo deste ano, e
implementar as medidas a partir de 2017. A adoção de um plano para tapar
os buracos dos fundos de pensão é uma exigência legal, que prevê
aportes adicionais dos trabalhadores e das estatais patrocinadoras.
CPI INVESTIGA FUNDAÇÕES
No fim de 2015, o governo aprovou uma
regra mais flexível para solucionar o déficit. Por ela, os resultados
negativos poderão ser equacionados a longo prazo, de acordo com o fluxo
de pagamento das aposentadorias e pensões. Assim, quanto mais
aposentados, menor o tempo para o acerto das contas. A legislação
anterior não permitia isso: apenas exigia uma solução depois de três
anos seguidos de resultado negativo e em valor superior a 10% do
patrimônio. Má gestão, investimentos arriscados e sem retorno, reflexo
do aparelhamento das entidades com indicações políticas, e agravamento
da crise na economia explicam o déficit crescente dos planos de
benefícios.
As quatro entidades são investigadas
pela CPI dos fundos de pensão da Câmara dos Deputados. A comissão, a
segunda nos governos do PT para tratar da questão, foi criada a partir
da Operação Lava-Jato, que levantou a suspeita de participação dos
fundos de previdência das empresas públicas em desvio de recursos para
favorecer partidos, causando prejuízo aos trabalhadores.
“SE A GENTE NÃO PAGAR, NÃO SE APOSENTA”
Alvo da CPI, do Ministério Público
Federal e da Polícia Federal, o Postalis acumulou déficit de R$ 5,7
bilhões em 2012, 2013, 2014 e 2015 (até novembro) — valor que deve subir
na conclusão do balanço. Parte do rombo pode ser atribuída a aplicações
mal sucedidas, como compra de papéis da dívida da Argentina e da
Venezuela, que viraram pó, e de fundos de investimentos que geraram
prejuízos milionários.
Na semana passada, a atual diretoria
entrou com ação contra o banco responsável pela administração (Bank of
New York Mellon), na tentativa de recuperar R$ 2,2 bilhões. Enquanto
isso, o fundo está finalizando uma proposta de equacionamento para o
rombo, que deve ser apresentada em março aos trabalhadores. Procurado, o
BNY Mellon respondeu: “Embora não possamos comentar ações judiciais às
quais não tivemos acesso, as reivindicações que temos visto até esta
data não têm mérito e vamos continuar nos defendendo contra elas”.
Faltando 12 anos para se aposentar, o
funcionário dos Correios Deuzimar Batista dos Santos tem dúvidas sobre o
futuro. Com 25 anos de carreira, ele trabalha como motorista e entrega
encomendas de Sedex em Brasília. Ganha R$ 2.500 por mês e desconta cerca
de R$ 200 para o fundo de pensão. E foi informado que pode ser obrigado
a desembolsar mais R$ 100 para ajudar a cobrir o déficit do fundo. — Os
diretores do Postalis são escolhidos pelos Correios. Assim, a empresa
tem que arcar com o déficit — disse Santos. — Se a gente não pagar, não
pode se aposentar. Também não há garantia de que os recursos serão bem
administrados de agora em diante — reforçou o carteiro Luis Sandro
Ribeiro, também funcionário dos Correios, com 22 anos de casa.
Na Funcef, o comando da entidade acabou
de aprovar uma proposta para solucionar o déficit de R$ 5,1 bilhões de
um dos quatro planos de benefícios, com resultado negativo desde 2012.
Do total, R$ 1,9 bilhão começará a ser pago pelas partes em maio, num
prazo de 17 anos. Considerando os demais planos, o rombo soma R$ 5,5
bilhões. A expectativa é que o balanço de 2015 tenha desequilíbrio
adicional de R$ 7 bilhões. Após déficit acumulado de R$ 6,2 bilhões, em
2013 e 2014, a Petros deve repetir o desempenho ruim em 2015.
Até outubro, o rombo alcançou R$ 15,4
bilhões (R$ 9,2 bilhões a mais), segundo dados do conselho fiscal. Mesmo
a Previ, após anos de resultados positivos, como lucro de R$ 12,4
bilhões em 2014, deve virar 2015 com déficit na casa dos R$ 13 bilhões.
Até setembro, a perda era de R$ 572,8 milhões. Mas o rombo vai subir no
resultado fechado do ano devido a uma reavaliação no valor dos ativos da
entidade. No caso da Previ, com 52% dos ativos aplicados em renda
variável, a conjuntura econômica é uma das principais razões para o
déficit.
O fundo tem aplicações na Vale e na
Petrobras, que perderam valor de mercado, diante da queda nas
commodities. No caso da Petrobras, contaram também denúncias de
corrupção. Além disso, a Previ tem participações em outras empresas,
como Invepar, que passa por dificuldades financeiras. Endividada após
assumir o aeroporto de Guarulhos, a situação da Invepar se agravou
depois que um dos sócios, a construtora OAS, apareceu na Lava-Jato e
pediu recuperação judicial.
“Essa conjuntura é difícil para todo o
mercado e impacta os investimentos em geral, inclusive os fundos de
pensão”, destacou em nota a Previ.
PERDAS COM INVEPAR E SETE BRASIL
Petros e Funcef também contabilizam
perdas com investimentos em renda variável, além de outras dificuldades,
como compra de participação da Sete Brasil. Eles investiram quase R$
1,4 bilhão cada um na empresa, sem perspectiva de retorno no momento. Os
dois fundos também detêm participação na Invepar.
Segundo conselheiros da Petros, o
resultado também deve ser prejudicado pela situação da Invepar, pois o
valor da empresa caiu de R$ 2,8 bilhões em 2014 para R$ 2,2 bilhões no
ano passado. O impacto negativo no balanço do fundo deve ficar em torno
de R$ 600 milhões. A Petros também contabiliza perdas por investimentos
mais antigos, como na Lupatech (do setor de petróleo) e no grupo
Galileo. A Associação Nacional dos Participantes dos Fundos de Pensão
(Anappar) informou em nota que, com exceção do Postalis, os déficits nos
outros fundos são resultado da conjuntura econômica ou fazem parte do
risco do negócio.
No texto, porém, a Anappar alerta para
perdas reais nos ativos: “Até onde pudemos avaliar por meio dos balanços
e relatórios de investimentos, as perdas de rentabilidade são causadas
pela conjuntura adversa. Entretanto, a continuar nesta conjuntura
adversa por muito tempo, corremos o risco de termos perdas reais nos
ativos dos planos. É hora de muito cuidado e prudência na gestão dos
planos”.
“NÃO HÁ DÚVIDA QUE HOUVE MÁ GESTÃO”
Documento apresentado pelo Fórum
Independente em Defesa dos Fundos de Pensão à CPI dos fundos de pensão
em dezembro mostra que as entidades patrocinadas por empresas privadas
registraram lucro em 2014, enquanto o déficit nos fundos das estatais só
cresceu. Para o colegiado, a elevada participação dos fundos das
empresas públicas em investimentos de maior risco ajuda a explicar o
desempenho ruim dessas entidades.
No Postalis, a proporção dos
investimentos nesses projetos alcança 18,63%; na Funcef, 10,84%; na
Petros é de 6,14% e na Previ, 0,7%. Já entre as entidades que mais
lucraram em 2014, como o Sistel, por exemplo, essa distribuição é de
0,46%; na Fundação Itaú- Unibanco, é de 0,02% e na Valia, 3,9%. Relator
da CPI, o deputado Sérgio Souza (PMDB-PR), disse que os depoimentos à
CPI reforçam os indícios de irregularidades na gestão dos recursos dos
fundos de pensão.
Ele disse que a comissão encerra o
trabalho em março e enviará relatório às autoridades para que sejam
apuradas responsabilidades na esfera criminal. Segundo Souza, várias
pessoas serão indiciadas: — Não temos dúvida que houve má gestão dos
recursos, ingerência política e a corrupção está nos fundos de pensão.