Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Trótski. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Trótski. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 10 de maio de 2019

Voltem para os quartéis, soldados. Deu tudo errado!

Bolsonaro queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões

Acabou a ilusão. A cada dia que os militares, da ativa ou da reserva, permanecem no governo Bolsonaro, as Forças Armadas, como instituição, se degradam. E se sujam com a lama ideológica em que se afunda a gestão. Em vez do amor à pátria, uma pistola 9mm; em vez do hino nacional, uma .45; em vez do patriotismo, o ódio —que alguns pretendem redentor— à democracia. Meu ponto de vista é radical e não admite flertes de nenhuma natureza dos fardados com o poder político. Renuncie, general Hamilton Mourão! Sim, sei que o senhor foi eleito. Deixe que Rodrigo Maia (DEM-RJ) seja o primeiro na linha sucessória. Os loucos vão se aquietar um pouco. Afinal, o presidente o queria apenas como um espantalho para assustar civis.

Voltem, senhores, para os quartéis e seus clubes, e lá se dediquem aos afazeres tipicamente militares e à defesa da Constituição. É por isso que, nas democracias, nós, os civis, lhes damos o monopólio do “uso legítimo da violência”.  Vocês garantem os Poderes constituídos se estes forem ameaçados. Aliás, general Augusto Heleno, prefiro substituir a palavra “violência”, a que recorreu Max Weber na expressão acima, por “força”. Civiliza mais.

Não faz sentido, senhor Rêgo Barros, que um general da ativa seja porta-voz de um presidente. Renega o conteúdo de um livro que o senhor mesmo citou em tom elogioso numa das “lives” de Bolsonaro —aquelas que imitam a estética Al Qaeda. Em “O Soldado e o Estado”, de Samuel Huntington, o “controle civil objetivo das Forças Armadas”, que o senhor diz defender, o impede de portar a voz de um político. Tanto pior quando esse político promove o achincalhe do ente a que o senhor pertence.

Retomem seus afazeres na vida civil, senhores militares da reserva, sem se descolar de seu zelo habitual pela ordem —não é isso? Bolsonaro queria apenas a sua honorabilidade, não suas opiniões, seu senso de dever, sua moralidade, seus compromissos com o que apropriadamente chamam “pátria”. Esses valores não são compatíveis com a gramática do poder em curso O general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, um homem de caráter reto, está errado quando diz que Olavo de Carvalho, o prosélito de extrema direita, é um Trótski de sinal invertido. A ideia é sugerir que o autoproclamado filósofo trai ou agride a revolução que ajudou a promover. Trótski ainda fica melhor como o “profeta traído”, caracterizado por Isaac Deutscher.

Não houve revolução nenhuma. Carvalho é o verdadeiro bolsonarismo, nunca seu traidor. Errado, meu caro Villas Bôas, foi aquele seu tuíte intimidando o STF às vésperas da votação do habeas corpus a Lula. [O Twitter foi oportuno e era extremamente necessário.

Se o famigerado presidiário fosse libertado pelo STF, mesmo não ganhando as eleições (não ganharia aquelas, não ganha e nem ganhará as vindouras), o Brasil estaria  pior.
O petista condenado representa tudo que não presta e precisa permanecer encarcerado. Sua liberdade, representa uma prova de impunidade = estímulo à criminalidade.] Atravessava-se o Rubicão. Hora de voltar. Deu errado.

Ainda é tempo de inverter o sentido da marcha da tropa e estacioná-la do lado de lá do rio que separa o poder civil do militar. O constrangimento dos generais com o decreto do “liberou geral” das armas é evidente. Justamente eles: os que foram desarmar o Haiti; os que foram desarmar o Congo; os que foram desarmar o Rio —não é mesmo, Rêgo Barros? Agora se veem em meio a um delírio que tem como horizonte, acreditem!, a luta armada redentora entre os “bons” e os “maus”. [em que pese os sucessivos desacertos, causados na quase totalidade pelas más influencias, Bolsonaro age de forma correta quando permite que as PESSOAS DE BEM tenho livre acesso às armas.

Atualmente, só os bandidos e a polícia podem portar armas - as daqueles superiores as dos policiais.
Para equilibrar o jogo, é necessário  que as PESSOA DE BEM possam se defender.]
O que sente um militar decente, senhores, obrigado a endossar um decreto que vai aumentar o poder de fogo das milícias e do narcotráfico? Notem que não faço a pergunta a Sergio Moro porque só chamo ao debate quem tem o que dizer. Alguém alimenta alguma dúvida razoável de que os petardos disparados por Carvalho —que Bolsonaro decidiu condecorar com a Grã-Cruz da Ordem de Rio Branco— contam com a anuência do presidente? Sim, há loucura nesse método, para inverter o clichê. Mas isso significa que método é, ainda que destinado a dar errado. Dará, mas não sem grandes sortilégios.

Voltem a seus afazeres originais, senhores, longe da política! Se o governo Bolsonaro se afundar na própria indigência intelectual, é importante que estejam prontos a defender a Constituição. [a nossa Constituição precisa e deve ser defendida, mas, precisa mais ainda de alguns ajustes para evitar, entre outros erros,  que continue fornecendo tantas oportunidades para que qualquer decisão de um Poder possa ser objeto de contestação, ou mesmo de bloqueio, por parte de quem não aceitar o decidido.] Mas prestem atenção a uma advertência ainda mais importante do que essa. Há uma hipótese remota, bem remota, de que o arranjo dê certo. Nesse caso, será ainda mais necessário que os senhores estejam inteiramente dedicados à defesa dos Poderes constituídos. O risco às instituições democráticas seria ainda maior. Se há coisa que sei sobre as almas autoritárias é que o sucesso lhes assanha a sede de... autoritarismo.  Vocês decidirão, senhores, com quantos anos de opróbrio as Forças terão de arcar quando terminar essa loucura.


Reinaldo Azevedo - Folha de S. Paulo

 

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Stálin, o outro monstro



Stálin foi um louco assassino. Milhão a mais, milhão a menos, eliminou o mesmo número de pessoas que o líder nazista, e com métodos parecidos
Nem o bolchevique mais fervoroso estava seguro ao seu lado
Outro dia recordei —sem lamentar— a morte de Hitler, ocorrida há 70 anos. Hoje falo de outro personagem que compartilhou com ele o domínio do tabuleiro europeu e que, depois de derrotá-lo na Grande Guerra Patriótica, desfrutava nessa mesma época do seu momento de máxima glória. Refiro-me a Iósif Vissariónovich Stálin; Koba, para os íntimos.

A primeira coisa que se deve dizer sobre Stálin é que, assim como Hitler, foi um louco; um louco assassino. Milhão a mais, milhão a menos, eliminou o mesmo número de pessoas que o líder nazista, e com métodos parecidos: os fuzilamentos e os campos de concentração, com a diferença de que, nos de Stálin, os prisioneiros não eram imolados em câmaras de gás logo depois de chegarem, e sim após uma sobrevivência média de cinco anos, quando morriam por causa dos trabalhos forçados, do frio ou da fome. O número de reclusos nos “campos de trabalhos corretivos” (Gulags) superou os dez milhões, e os mortos foram mais de dois milhões.
 
Esses campos foram criados para os antigos aristocratas, os kulaks (camponeses médios opostos à coletivização), o clero ortodoxo, os delinquentes comuns e, sobretudo, os dissidentes políticos. Sobre estes últimos, houve 1,3 milhão de detidos só nos “grandes expurgos” de 1936-1938, sendo que 700.000 deles acabaram executados. Ao todo, o número de fuzilados pelo regime stalinista é de pelo menos um milhão, podendo chegar a quatro milhões quando são acrescidos os mortos em campos de trabalho e em deportações populacionais em massa. Dou cifras conservadoras, as quais alguns historiadores multiplicam por dois ou mais.

Também a vida privada de Stálin supera a de Hitler em todos os sentidos. Órfão de pai, sempre teve uma má relação com sua mãe, a ponto de não assistir ao enterro dela; há sérias suspeitas de suicídio tanto de sua segunda mulher como de um dos seus filhos, e, quando ele sofreu o ataque fatal, seus colaboradores íntimos deixaram as horas correrem sem chamar um médico; o próprio Koba havia denunciado “conspirações de médicos”, mas, além disso, sua morte aliviava a todos. 

Sua obsessão paranoica é comparável à do líder nazista, embora menos racional e previsível. Um alemão conservador, ariano de quatro costados e respeitoso com o partido tinha grandes probabilidades de não ser incomodado pelos lacaios do Führer. Com Stálin, nem o bolchevique mais fervoroso estava seguro. Pelo contrário, podia ser detido, torturado, obrigado a confessar delitos imaginários e finalmente executado. Simplesmente porque Koba sentia inveja dele. Stálin condenou Trótski como “esquerdista”, e Zinoviev, Kamenev e Bukharin — que o apoiaram na operação contra Trótski— como “direitistas”; Yagova e Yejov, os chefes da polícia secreta, também caíram... Toda a cúpula bolchevique de 1917-1923, protagonista do Outubro Vermelho, havia sido eliminada em 1939.

E então, nesse mesmo ano, lançou-se à sua grande operação política, prova máxima da sua ausência de princípios morais: aliou-se a Hitler, seu inimigo jurado, para dividirem a Polônia entre si. A responsabilidade pelo início da Segunda Guerra Mundial recai, portanto, sobre ambos, embora depois, quando Hitler atacou seu aliado (que de fato era, já que Stálin nunca rompeu o acordo, embora possivelmente apenas por falta de previsão), o líder soviético entrasse para a história como o caudilho do antifascismo e até fosse candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Não vale a pena citar mais dados sobre a estatura moral do personagem. Assim como seu rival nazista, sua personalidade é, definitivamente, o de menos. O importante, o que não deveríamos deixar de nos perguntar nunca, é como pôde aquele sistema colocar a um monstro desse calibre à sua frente.

Toda a cúpula bolchevique de 1917-1923, protagonista do Outubro Vermelho, havia sido eliminada em 1939
A primeira resposta que ocorre é semelhante à do caso alemão: atribuir isso à tradição russa; neste caso, ao czarismo, tirania brutal como poucas (embora seu número de vítimas, comparado ao dos bolcheviques, seja coisa de criança). Ser dominado por um déspota caprichoso, de quem se esperava a solução de todos os males sociais, era o habitual para um russo.

Mas há outra resposta, muito diferente, que acredito ser mais interessante: refiro-me à debilidade política da teoria marxista, à falta de precauções contra os possíveis abusos dos futuros dirigentes da ditadura do proletariado, um trâmite obrigatório no processo de construção do paraíso socialista. Karl Marx, tão penetrante em sua crítica social, mostrou uma surpreendente ingenuidade política ao embarcar sem hesitação no trem jacobino: só importava a tomada do poder pelo proletariado.

Quando isso ocorresse, por que impor limites ao governo do povo trabalhador? Ele não previu algo tão elementar quanto o fato de que os representantes do proletariado, ao disporem do poder absoluto, poderiam usá-lo em seu benefício próprio. Tampouco Lênin, o verdadeiro artífice do sistema, previu isso. Nem Trótski, um de seus colaboradores mais cruéis, que só começou a criticá-lo quando foi deslocado do poder. Stálin limitou-se a aperfeiçoar o modelo montado por Lênin e Trótski.

Marx foi ingênuo ao pensar que só importava a tomada do poder pelo proletariado.  Muito mais pessimistas, e mais lúcidos, os pais do constitucionalismo norte-americano consideraram óbvio que o ser humano tende a se aproveitar do poder quando o tem em suas mãos. E a partir daí montaram mecanismos de partilha de poderes, controles e contrapesos, que impunham os máximos entraves possíveis aos abusos. O sistema está longe de ser perfeito, mas tem funcionado muito melhor do que as ditaduras em nome do povo ou do proletariado.

Alguma moral da história poderíamos encontrar hoje. Os partidos que procedem da tradição comunista e não se desprenderam suficientemente de seu passado stalinista estão pagando por isso. Porque são muito poucos os europeus atuais que desejam viver como os cidadãos da Europa Oriental nos anos 1945-1989. Como a Igreja Católica está pagando, há séculos, por seu passado inquisitorial. Acredita-se vítima de um “laicismo agressivo”, sem compreender que os cidadãos desconfiam, com razão, que o clero, se recuperasse o poder de antigamente, talvez voltasse a erigir piras para imolar quem não comungasse cem por cento do seu ideário. 

E tampouco convém atribuir isso à retorcida personalidade de um Torquemada, e sim a um sistema totalitário de pensamento e de poder. Instituições com tal passado sujo não recuperarão nossa confiança enquanto não abjurarem solenemente esse esquema mental e garantirem, de maneira plausível, que jamais voltaremos a viver aquilo.

Por: José Álvarez Junco é historiador. Seu último livro é ‘Las Historias de España’ (Pons / Crítica, inédito no Brasil).