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sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Vale a pena ser corrupto no Brasil - Revista Oeste

Silvio Navarro

Brasil assiste ao retorno de uma quadrilha à cena do crime, com a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal e de um Congresso covarde 

Na noite de sexta-feira 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu soltar o ex-governador Sérgio Cabral, depois de cumprir seis dos 420 anos de condenações pelo vício de roubar, como ele mesmo confessou. Ao deixar a cadeia, quatro dias depois, Cabral jogou a última pá de cal no legado da maior operação anticorrupção da história, a Lava Jato.

Deputado Federal Deltan Dallagnol | Foto: Wikimedia Commons

Deputado Federal Deltan Dallagnol | Foto: Wikimedia Commons

Ironicamente, o voto decisivo que colocou o político em liberdade foi do ministro Gilmar Mendes, o maior crítico da operação no Judiciário. Cabral foi solto 45 dias depois da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, beneficiado com o fim da prisão em segunda instância no país. 
Para muitos estudiosos do Direito, foi essa a canetada que deu origem a uma avalanche de decisões para a destruição da Lava Jato na Suprema Corte. 
No caminho de Lula até Cabral, centenas de envolvidos no propinoduto da Petrobras e no cartel de grandes empreiteiras tiveram a ficha limpa. Alguns vão voltar à cena do crime em janeiro, como um dia prognosticou Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente eleito.
presidencialismo
Ministro Gilmar Mendes durante sessão plenária do STF - 
 Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Também o legado da operação tem sido rasgado nesse retrocesso nefasto imposto pelo Judiciário, com a cumplicidade dos parlamentares. O último golpe foi conseguir desfigurar, com votos de parlamentares encrencados com a Justiça, a Lei das Estatais, para beneficiar o petista Aloizio Mercadante. 
Ele vai comandar a poderosa máquina de empréstimos do BNDES, um dos focos de corrupção da era petista. O próximo passo já anunciado será tentar reverter os acordos de leniência feitos pelas empreiteiras para devolver dinheiro surrupiado.
 
Outra novidade da semana: o advogado Augusto Botelho, que era conhecido como porta-voz da frente anti-Lava Jato de empreiteiras, foi escolhido para a Secretaria Nacional de Justiça pelo futuro chefe da pasta, o comunista Flávio Dino. 
Uma lista de procuradores que trabalharam nas investigações já foram punidos ou respondem a processos no Conselho Nacional do Ministério Público. 
O último punido foi o ex-coordenador do grupo no Rio de Janeiro, Eduardo El Hage, do mesmo Estado de Sergio Cabral.

O caso mais conhecido é o do ex-chefe da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, eleito deputado. Ao lado de Sergio Moro, ele é um dos símbolos da maior operação anticorrupção no país. Dallagnol conversou com Oeste nesta quinta-feira, 21. “Qual a mensagem que foi passada pelo sistema? Que vale a pena ser corrupto no Brasil”, diz.

Confira os principais trechos da entrevista.

O senhor chega ao Congresso num momento em que o Judiciário avançou de forma sem precedentes contra o Legislativo. Alguns parlamentares chegaram a afirmar que o Supremo Tribunal Federal “fechou” o Congresso.

O Supremo Tribunal Federal tem três problemas: insegurança jurídica, ativismo judicial e abuso de poder. O primeiro ocorre, principalmente, com o excesso de liminares. A vontade de um ministro da Corte passa por cima do papel de 513 deputados e 81 senadores eleitos.  
O segundo é porque o Supremo não respeita suas próprias decisões e muda as regras e as aplica para o passado, como aconteceu com a Lava Jato. O ativismo faz com que o STF avance em competências que são dos demais Poderes, especialmente do Legislativo. Já houve casos de ativismo judicial em acordo com a sociedade. Por exemplo, o fim do nepotismo. O Congresso não legislava sobre esse tema, porque os parlamentares tinham interesse. Também há casos distintos. Por exemplo, a permissão do aborto até três meses de gestação, a proibição de operações policiais em favelas com helicópteros. Isso acontece porque prevalece a opinião de um grupo de ministros com perspectivas “progressistas”, que contrasta com a maioria conservadora da sociedade.
 
E o abuso de poder do Judiciário?

Quando os magistrados ultrapassam as regras legais. Decidem que a Receita Federal não pode fiscalizar os próprios ministros ou familiares
Ou quando um ministro do STF rasga a inelegibilidade de um presidente que sofreu processo de impeachment, como ocorreu com Dilma Rousseff (na época, a decisão foi costurada pelo então presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, e o ex-presidente do Senado Renan Calheiros).[só que o eleitor mineiro, sabiamente, 'cassou' a suprema decisão e deu um pé na bunda da presidente 'escarrada' = que não foi eleita senadora.]
“Mesmo não constatada nenhuma ilegalidade no uso de recursos para a força-tarefa da Lava Jato, decidiram que seriam gastos antieconômicos. Foram usados R$ 3 milhões ao longo de anos, mas a operação recuperou R$ 15 bilhões desviados”
 
O Congresso abriu mão do seu papel de contrapeso na Praça dos Três Poderes, como nesse caso da ex-presidente Dilma Rousseff e, recentemente, da prisão do deputado Daniel Silveira, que tinha imunidade parlamentar?
Sim, o Congresso deveria ser proativo para impedir o atropelo das linhas da Constituição Federal. O Congresso pode regular matérias, tem o papel de contrapeso entre os Poderes.  
A razão desse desequilíbrio se chama foro privilegiado. Por causa dele, as autoridades, como os parlamentares, são investigadas e julgadas pelo STF. Grande parte dos deputados e senadores tem investigações sobre o seu passado na Corte e temem o revanchismo. [reiterando, nosso pensamento,  já recorrente,  as duas decisões do Congresso,  citadas,  e o recuo do presidente Bolsonaro ao não nomear um diretor da PF, de sua escolha, acatando, passivamente, proibição decretada pelo STF, em decisão monocrática, contribuíram para o excessivo e arbitrário empoderamento da Corte Suprema.]

Por falar em revanchismo, estamos diante de uma escalada no revanchismo contra a Lava Jato?
Há dois fenômenos interligados acontecendo: o esvaziamento da Lava Jato, por meio da anulação de processos, e a destruição dos instrumentos de combate à corrupção. É possível listar uma série de ações. Começa ao transferir para a Justiça Eleitoral as investigações de caixa dois. Em seguida, mudaram a lei, para impedir novas prisões, e os réus delatados passaram a ser ouvidos depois dos delatores. Vieram anulações dos casos de Antônio Palocci, João Vaccari Neto, Eduardo Cunha, André Vargas e da refinaria de Pasadena, no Texas, comprada pela Petrobras. Houve o episódio do Lula na questão processual da vara em que a investigação ocorreu. O fim da prisão em segunda instância tornou impossível punir o crime de colarinho-branco. O esvaziamento da Lei de Improbidade Administrativa. Agora a Lei das Estatais, criada para proteger a Petrobras e o BNDES, foi desfigurada. É claro que há um revanchismo.

Leia também “O  progressismo é uma nova religião mundana”   

MATÉRIA COMPLETA - Silvio Navarro, colunista - Revista Oeste -