Decisão de Jair Bolsonaro é compreensível. O problema é que ele parece disposto a fechar definitivamente as portas aos políticos, aquartelando-se no Planalto
O presidente Jair Bolsonaro anunciou o general Walter Braga Netto, chefe
do Estado-Maior do Exército, como o novo ministro da Casa Civil. Quando
a nomeação for efetivada, todos os Ministérios com gabinete no Palácio
do Planalto estarão ocupados por militares.
É compreensível que Bolsonaro queira ter, como seus ministros mais
próximos, pessoas com quem tenha maior afinidade. O presidente, como
capitão reformado do Exército, decerto sente-se mais à vontade e
confiante com assessores que foram seus companheiros de farda ou são
egressos do mesmo ambiente em que se formou como militar. O problema é
que, assim, Bolsonaro parece disposto a fechar definitivamente as portas
aos políticos, aquartelando-se no Palácio do Planalto.
Nada disso pode ser considerado definitivo, em especial para um
presidente que troca ministros e assessores com enorme facilidade,
muitas vezes como consequência de rompantes inesperados e por motivos
obscuros – em geral relacionados às idiossincrasias dos filhos. Poucos
são os ministros de Bolsonaro que podem se dizer seguros no cargo, mesmo
os que supostamente se ligam ao presidente pelo espírito de camaradagem
dos quartéis – que o diga o general Carlos Alberto dos Santos Cruz,
demitido da Secretaria de Governo em junho do ano passado por
interferência direta do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos
filhos do presidente. Esse caso, como vários outros, mostra que o único
compromisso firme de Bolsonaro não é com a estabilidade da administração
do País, mas sim com relações de parentesco. Nem mesmo um amigo de
longa data do presidente, como o general Santos Cruz, resistiu à força
dos laços familiares.
Enquanto durar, contudo, o “gabinete fardado” do Palácio do Planalto é
um indicativo claro de que o presidente Bolsonaro resolveu retirar o
gerenciamento de seu governo da órbita dos políticos. “Ficou
completamente militarizado o meu terceiro andar”, brincou o presidente,
em referência ao andar do Palácio do Planalto onde ficam o gabinete da
Presidência da República e os de alguns de seus principais auxiliares.
Agora, ministros militares ocupam toda a chamada “cozinha do Planalto” –
a Casa Civil, a Secretaria de Governo, o Gabinete de Segurança
Institucional e a Secretaria-Geral.
Uma das principais tarefas da Casa Civil é justamente coordenar os
Ministérios, o que dá a seu titular o enorme poder de ser a voz do
presidente no relacionamento com todo o primeiro escalão. Ao que parece,
o presidente Bolsonaro acredita que um militar terá melhores condições
de realizar esse trabalho. “Nada contra os civis”, apressou-se a dizer
Bolsonaro, mas, segundo deu a entender, o futuro ministro, por ser
general, conseguirá “coordenar os ministros, buscar soluções e antecipar
os problemas que podem acontecer”. E o que não tem faltado neste
governo, desde o primeiro dia, são problemas.
Ao se acercar somente de militares e colocar em função-chave na
organização do governo um general com o perfil de Braga Netto – ao
chefiar a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, em
2018, ele demonstrou elogiável discrição e foco na disciplina –,
Bolsonaro sinaliza rédea mais curta em relação a seus ministros, em
especial os que podem nutrir pretensões eleitorais, e uma interlocução
ainda menor com os políticos e com o Congresso.
Sabe-se, desde sempre, que Bolsonaro desconfia até da própria sombra,
imaginando-se cercado de “traíras” – a expressão é dele, para designar
os que, em sua visão, se aproveitam da onda bolsonarista para auferir
lucros eleitorais. Recentemente, disse que daria “cartão vermelho” a
ministro que esteja “usando Ministério” como trampolim eleitoral.
Coincidência ou não, pouco depois o ministro Onyx Lorenzoni, que
ultimamente passou mais tempo cuidando de seu projeto de se tornar
governador do Rio Grande do Sul do que das tarefas da Casa Civil, perdeu
o cargo.
De seus ministros, Bolsonaro espera lealdade absoluta, bem de acordo com
o espírito da caserna.
É o único critério que, para ele, realmente
importa.
Editorial - O Estado de S. Paulo