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sábado, 24 de outubro de 2020

Militares x civis - Por Merval Pereira

O Globo

Governo refém do centrão 

Assim como as contas públicas estão a perigo, também a perigo está a (des)organização do governo, dependente dos impulsos de um presidente imprevisível que impõe suas idiossincrasias aos assessores e exige obediência servil, humilhando publicamente mesmo seus mais próximos amigos. A série foi iniciada com o afastamento do ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, e do General Santos Cruz, amigo de longa data e ministro influente, ambos derrubados por conspiração palaciana levada a efeito pelo vereador Carlos Bolsonaro.

A disputa entre grupos civis e militares que assessoram o presidente no Palácio do Planalto está escancarada, com os políticos do Centrão abrindo espaço a cotoveladas. A briga do ministro do meio-ambiente Ricardo Salles com o chefe da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos, pelo Twitter, revela a instabilidade existente na equipe. Não me surpreenderei se os militares, aí incluído o vice-presidente Hamilton Mourão, que tem atuação importante no Conselho da Amazônia, manobrarem para tirar Salles do meio-ambiente, num gesto político de aproximação com os governos europeus e uma preparação para a nova fase do relacionamento com os Estados Unidos com a provável vitória do democrata Joe Biden. [Hillary Clinton era considerada vitoriosa às vésperas do pleito e perdeu.

Se espera que o  presidente Bolsonaro conduza seu governo sem aceitar imposições dos europeus e assemelhados e sem sacrificar auxiliares de sua total confiança para fazer gesto político para governos estrangeiros. Já basta uns poucos  brasileiros estarem mendigando atenção do Joe Biden, para atender seus interesses - pequenos, quando comparados aos interesses nacionais.]

O problema maior é que o presidente Bolsonaro governa com as mídias sociais, e é nelas que os apoiadores mais radicais já estão atuando para defender Salles, com o reforço até mesmo do filho 02, deputado federal Eduardo Bolsonaro. Foi também devido às redes sociais que o presidente Bolsonaro desmoralizou publicamente seu ministro da Saúde [um superior desautorizar a um subordinado não configura desmoralização - também  para os militares obedecer ordens não  constitui desmoralização.

Analisando com isenção o recuo do presidente Bolsonaro foi mais desconfortável para ele do que para o ministro da Saúde - foi o presidente que voltou atrás e o general cioso da disciplina e hierarquia acatou as novas ordens.] desautorizando uma fala sua na véspera, quando autorizara a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa CoronaVac.

Não satisfeito com o vexame a que submeteu seu ministro, o vídeo que Bolsonaro o obrigou a gravar, [?] onde admitiu a velha máxima dos quartéis “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, é das coisas mais aviltantes já vistas. Retira totalmente a condição de continuar ministro da Saúde do General Eduardo Pazzuelo, mesmo que, como tudo indica, não se demita. A vantagem que tinha se desfez com o episódio, pois nenhum interlocutor saberá a partir de agora até onde vai a capacidade de decisão do ministro.

Sem credenciais técnicas para ocupar o cargo, o General Pazzuelo tinha fama de ser próximo do presidente Bolsonaro, o que lhe dava boas condições de negociação com os governadores, por exemplo. Sua especialização em logística foi muito importante durante a pandemia na distribuição dos equipamentos necessários ao combate da Covid-19.

A partir de agora, volta a ser o interino de si mesmo. Isso porque não estamos em um quartel, nem ministro existe para falar sempre amém aos seus superiores. Em política, a hierarquia nem sempre fala mais alto, a não ser em partidos dominados por um caudilho. O presidente Bolsonaro assume a figura do Comandante em Chefe das Forças Armadas para submeter os militares a seus desígnios, ao mesmo tempo em que os agrada com mimos, mordomias e remuneração engordada. Um capitão de passado medíocre e envolvido em terrorismo agora se impõe aos militares das mais altas patentes não pelo mérito, mas pela ousadia dos irresponsáveis. [com as devidas vênias ao ilustre articulista, lembramos que o presidente Bolsonaro  comanda  os militares na condição de COMANDANTE SUPREMO das FORÇAS ARMADAS,  que lhe é conferida pela Constituição Federal, cujas determinações também são válidas quando favoráveis ao capitão.] 

 Já tentou controlar, pelo poder da presidência, o Legislativo e o Judiciário, mas teve que recuar pois sentiu que o Presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Assim como os fatos demonstraram que, naquele caminho de tentar desestabilizar os demais Poderes, acabaria alimentando um processo de impeachment, assim também essas colisões entre militares e civis podem levá-lo a um impasse.

Bolsonaro entregou-se aos políticos do Centrão, e hoje é refém deles, sem os quais não terá facilidade para disputar a reeleição em 2002, em que pese sua popularidade. Mas os militares estão incomodados com a perda de poder político dentro do governo, e não é um vídeo claramente montado [?]  para aparentar normalidade, e que dobrou a humilhação já imposta, que resolverá a situação. O Centrão quer a coordenação política para si, tarefa atribuída ao General Ramos, e esse embate não será resolvido sem vítimas.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


domingo, 12 de julho de 2020

Cobra naja e tubarões - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

Aliança com PGR para devassa na Lava Jato ameaça união do Supremo pela democracia
O Supremo Tribunal Federal (STF) está de parabéns por liderar a resistência democrática com posições firmes que por vezes extrapolaram alguns limites, mas, no conjunto, foram decisivas para inverter os ataques e, assim, “cortar as asinhas” e “baixar a bola” do Executivo e de bolsonaristas assanhados, loucos por golpes e aventuras. Mas a união exemplar do Judiciário no primeiro semestre pode não se repetir no segundo. [O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, sua instância máxima, tudo indica, no segundo semestre terá o bom senso de desistir de ser o 'absoluto' e ficar  na condição de instância suprema - dentro dos limites da Constituição.
Só que a provável volta da instância máxima do Poder Judiciário aos limites da Constituição, não pode ficar submetida ao dever de seguir comportamentos ditados pela mídia, que até critica possível alinhamento de ministros pós recesso.
Aliás, o STF já está pautado como deve iniciar o segundo semestre, idêntica situação tentam impor ao STJ. 
Erro do primeiro: decisão do seu presidente que, hipoteticamente, prestigia Aras, candidato ao 'tronco' por ter sido indicado pelo presidente Bolsonaro fora da lista tríplice da ANPR; e,
O STJ por seu presidente, na forma das normas daquela Corte, ter adotado decisão que entendem pode favorecer o presidente da República.
A Lava Jato foi útil,  mas não pode ser perenizada, transformada em uma instituição - talvez um Quarto Poder.] 

Quando estão em jogo a democracia, arroubos do presidente, ameaças dos meninos do presidente, bravatas de ministros do presidente e ataques virtuais ou reais de seguidores do presidente, o Supremo se une, é um monobloco. Decisões e manifestações do presidente Dias Toffoli, do decano Celso de Mello e do relator das fakenews, Alexandre de Moraes, são acatadas, em geral, por unanimidade. Mesmo com críticas e muxoxos nos bastidores.  Saindo da esfera democrática, porém, emergem ideologias, idiossincrasias, divergências e velhos rancores. O que detona isso? Toffoli tomar partido da Procuradoria Geral da República (PGR) contra a Lava Jato. Ao determinar que as Forças Tarefas de Curitiba, Rio e São Paulo entreguem todos os seus arquivos à PGR, incluindo dados financeiros de 38 mil cidadãos, Toffoli não só autoriza a devassa na Lava Jato e dá excesso de poder ao procurador geral Augusto Aras como reabre as feridas no Supremo.

Exemplo: Gilmar Mendes vota com Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin contra ação de golpistas no prédio do STF, máquinas de moer reputações na internet, acusação de interferência política na Polícia Federal e ameaças de “basta”, “ruptura”, “consequências imprevisíveis” e de “não cumprir ordens”. Com Lava Jato, a coisa muda de figura. No fim do recesso do Judiciário, em agosto, vem o julgamento da liminar monocrática de Toffoli a favor da PGR de Aras e contra a Lava Jato de Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e forças-tarefa, num movimento combinado para implodir a operação por “excessos”. Aí... Gilmar vai para um lado, Barroso e Fachin para outro. Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio se aliam para cá, Luiz Fux e Carmen Lúcia, para lá.

O clima político desanuviou com o silêncio e a reclusão do presidente, primeiro por cálculo político, depois pelo teste positivo. A covid-19 tem agora o efeito da facada na campanha: esconder e proteger Bolsonaro de Bolsonaro. Mas a guerra continua. Cerco aos militantes das fakenews, inclusive no Planalto e no Congresso. Prende-e-solta de Fabrício Queiroz entremeado com depoimentos do Zero Um. Devastação do ambiente. Saúde sem ministro. O pastor Milton Ribeiro, quarto ministro polêmico da Educação. Quanto tempo o “paz e amor” resiste?

E o clima quente do Judiciário será também no Superior Tribunal de Justiça (STJ), depois do habeas corpus do presidente João Otávio Noronha para tirar Queiroz da prisão e premiar a mulher dele, Márcia Aguiar, que fugiu da polícia. Noronha tem um caso de “amor à primeira vista” com Bolsonaro (nas palavras do próprio Bolsonaro), está de olho em uma vaga no STF e argumentou que Márcia precisa cuidar do marido! Um marmanjo que vivia de festas, churrascos e cerveja em Atibaia! E as presas pobres que têm filhos largados e agora fora das escolas?

Assim, o segundo semestre promete. Supremo com Lava Jato, STJ com Queiroz e Márcia, Congresso com projeto das fake news e prisão após segunda instância, Planalto com Ricardo Salles, Ernesto Araújo e Milton Ribeiro. A covid-19 contamina, mata, destrói empresas e empregos e cria cicatrizes num País já tão machucado. Brasília não é mais a cidade das cobras e lagartos, mas das cobras Naja e de tubarões em aquários. Ambos, Najas e tubarões, proibidos. O resto, não. É parte da paisagem.

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S.Paulo


sábado, 9 de maio de 2020

A ocupação do STF - Folha de S. Paulo

Oscar Vilhena Vieira


O tribunal não pode se omitir diante de tentativas de intimidação

Tribunais e cortes supremas, quando cumprem devidamente seu papel de guardar as respectivas constituições, têm o dom de enfurecer autocratas das mais variadas afiliações ideológicas. De Chávez a Orbán, a emasculação de tribunais tornou-se uma cena corriqueira no enredo das escaladas autoritárias. Vargas aposentou compulsoriamente sete ministros do tribunal e restringiu as prerrogativas da corte para controlar seu governo. Nesse período foi escrita uma das páginas mais constrangedoras da história do Supremo, que permitiu, vencidos os ministros Carlos Maximiliano, Carvalho Mourão e Eduardo Espínola, a entrega de Olga Benário aos nazistas. [FATO: Olga Benário era uma terrorista desde a Alemanha, já atuando em 1928,  como terrorista em solo alemão, tendo participado de resgate de presos, bem antes da vinda para o Brasil.
No Brasil também teve envolvimento com o comunismo e o terrorismo - não é a 'santinha' pintada por muitos.] 
Em 1969, o general Costa e Silva aposentou compulsoriamente os ministros Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva após a edição do AI-5, que suspendeu as garantias da magistratura e excluiu da apreciação do Judiciário as ações praticadas com fundamento em atos institucionais. A porta se abria para o período mais obscuro da ditadura.

Mais recentemente o Supremo vem sofrendo formas inusitadas de intimidação. Em 2018, o comandante do Exército tomou a liberdade de advertir, por Twitter, como deveria o Supremo decidir um habeas corpus. Nesta última quinta-feira (8), o Brasil testemunhou uma ocupação relâmpago do STF. Sob a batuta presidencial e do ministro da Economia, os ocupantes reivindicaram a flexibilização de medidas de saúde pública, por entenderem que essas ameaçam a vida de muitos CNPJs.
Nada foi dito ou solicitado para prevenir a morte de milhares de pessoas ou sobre a necessidade de prover meios e condições básicas para que os mais pobres possam sobreviver durante a pandemia.  Desde a campanha eleitoral têm aumentado as ameaças ao Supremo. Os vícios e idiossincrasias do tribunal o deixaram mais vulnerável nos últimos anos. A recente escalada de ataques, no entanto, decorre sobretudo de suas virtudes.
Se o Supremo vinha sendo deferente - omisso para alguns
[omissão que optou por substituir pelo ativismo judicial, especialmente com uma postura contrária ao governo Bolsonaro, que tem se destacado por decisões monocráticas sempre contrárias ao atual governo.
A situação se tornou tão abusiva que o ministro Marco Aurélio - que não pode ser considerado bolsonarista - percebendo o quanto a corda estava esticando, decidiu propor que sejam evitadas decisões monocráticas contra chefes dos outros Poderes,devendo sempre ser referendadas pelo plenário da Corte Suprema.]
em relação a diversas ações controvertidas aprovadas pelo atual governo, com o início da pandemia passou a adotar uma postura muito mais responsiva, no sentido de não negar resposta àqueles que buscam sua jurisdição, como demonstrou Eloisa Machado em arguto artigo nesta Folha. Em um curto espaço de tempo os ministros do Supremo foram capazes de assegurar a integridade da Lei de Acesso a Informação, impediram o lançamento de uma campanha genocida de volta ao trabalho, asseguraram a competência das autoridades estaduais e municipais no campo da saúde pública, autorizaram a abertura de investigação sobre eventual conduta ilícita do presidente e suspenderam a tramitação de ações judiciais que questionam a demarcação de terras indígenas, em face das ameaças da Covid-19, para ficar apenas em alguns exemplos.
Grande parte dessas decisões foram tomadas monocraticamente, o que é um problema antigo do tribunal, que deveria ser corrigido por uma mudança no regimento, como proposto pelo ministro Marco Aurélio. Não procede, no entanto, a acusação de ativismo. Esse é um adjetivo simplista, usado sobretudo por aqueles que querem atacar uma decisão judicial da qual discordam.
Como salientou o ex-ministro Sepúlveda Pertence, "o Supremo tem competência para uma série de intromissões em atos de outros Poderes. Não para substituir-se a eles, mas para conter ilegalidades e abusos. Se se resguardasse, numa visão extremamente contida dos poderes judiciais, o Supremo estaria se demitindo desse papel fundamental que a Constituição lhe atribui". E não é isso que precisamos neste momento.
Oscar Vilhena Vieira, professor, mestre em direito,  Universidade Columbia, e doutor em ciência política - Folha de S. Paulo

sábado, 15 de fevereiro de 2020

A militarização do Planalto – Editorial - O Estado de S. Paulo

Decisão de Jair Bolsonaro é compreensível. O problema é que ele parece disposto a fechar definitivamente as portas aos políticos, aquartelando-se no Planalto

O presidente Jair Bolsonaro anunciou o general Walter Braga Netto, chefe do Estado-Maior do Exército, como o novo ministro da Casa Civil. Quando a nomeação for efetivada, todos os Ministérios com gabinete no Palácio do Planalto estarão ocupados por militares.

É compreensível que Bolsonaro queira ter, como seus ministros mais próximos, pessoas com quem tenha maior afinidade. O presidente, como capitão reformado do Exército, decerto sente-se mais à vontade e confiante com assessores que foram seus companheiros de farda ou são egressos do mesmo ambiente em que se formou como militar. O problema é que, assim, Bolsonaro parece disposto a fechar definitivamente as portas aos políticos, aquartelando-se no Palácio do Planalto.

Nada disso pode ser considerado definitivo, em especial para um presidente que troca ministros e assessores com enorme facilidade, muitas vezes como consequência de rompantes inesperados e por motivos obscuros – em geral relacionados às idiossincrasias dos filhos. Poucos são os ministros de Bolsonaro que podem se dizer seguros no cargo, mesmo os que supostamente se ligam ao presidente pelo espírito de camaradagem dos quartéis – que o diga o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, demitido da Secretaria de Governo em junho do ano passado por interferência direta do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), um dos filhos do presidente. Esse caso, como vários outros, mostra que o único compromisso firme de Bolsonaro não é com a estabilidade da administração do País, mas sim com relações de parentesco. Nem mesmo um amigo de longa data do presidente, como o general Santos Cruz, resistiu à força dos laços familiares.

Enquanto durar, contudo, o “gabinete fardado” do Palácio do Planalto é um indicativo claro de que o presidente Bolsonaro resolveu retirar o gerenciamento de seu governo da órbita dos políticos. “Ficou completamente militarizado o meu terceiro andar”, brincou o presidente, em referência ao andar do Palácio do Planalto onde ficam o gabinete da Presidência da República e os de alguns de seus principais auxiliares. Agora, ministros militares ocupam toda a chamada “cozinha do Planalto” – a Casa Civil, a Secretaria de Governo, o Gabinete de Segurança Institucional e a Secretaria-Geral.

Uma das principais tarefas da Casa Civil é justamente coordenar os Ministérios, o que dá a seu titular o enorme poder de ser a voz do presidente no relacionamento com todo o primeiro escalão. Ao que parece, o presidente Bolsonaro acredita que um militar terá melhores condições de realizar esse trabalho. “Nada contra os civis”, apressou-se a dizer Bolsonaro, mas, segundo deu a entender, o futuro ministro, por ser general, conseguirá “coordenar os ministros, buscar soluções e antecipar os problemas que podem acontecer”. E o que não tem faltado neste governo, desde o primeiro dia, são problemas.

Ao se acercar somente de militares e colocar em função-chave na organização do governo um general com o perfil de Braga Netto ao chefiar a intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, em 2018, ele demonstrou elogiável discrição e foco na disciplina –, Bolsonaro sinaliza rédea mais curta em relação a seus ministros, em especial os que podem nutrir pretensões eleitorais, e uma interlocução ainda menor com os políticos e com o Congresso.

Sabe-se, desde sempre, que Bolsonaro desconfia até da própria sombra, imaginando-se cercado de “traíras” – a expressão é dele, para designar os que, em sua visão, se aproveitam da onda bolsonarista para auferir lucros eleitorais. Recentemente, disse que daria “cartão vermelho” a ministro que esteja “usando Ministério” como trampolim eleitoral. Coincidência ou não, pouco depois o ministro Onyx Lorenzoni, que ultimamente passou mais tempo cuidando de seu projeto de se tornar governador do Rio Grande do Sul do que das tarefas da Casa Civil, perdeu o cargo.

De seus ministros, Bolsonaro espera lealdade absoluta, bem de acordo com o espírito da caserna.
É o único critério que, para ele, realmente importa.
 
 Editorial - O Estado de S. Paulo 
 
 

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O Supremo encalacrou-se - Elio Gaspari

Folha de S. Paulo - O Globo

Egos inflados e idiossincrasias contribuem para colapso da colegialidade do tribunal


No caso da prisão depois da segunda instância, o STF está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo

Quem pode pagar advogado fica solto,quem não pode, rala [esta será  a JUSTIÇA BRASILEIRA - resultado da suprema INSEGURANÇA JURÍDICA, provocada pela suprema INDECISÃO do STF, se mudar o que decidiu em 2016 e soltar os condenados numa segunda instância.]

Pelo andar da carruagem o Supremo Tribunal Federal derrubará a prisão dos condenados numa segunda instância. Tradução: quem tem dinheiro para pagar advogados fica solto, quem não tem, rala. 

Uma banda do debate diz que deve ser assim porque isso é o que diz a Constituição. Não é. Se fosse, o mesmo Tribunal não teria decidido duas vezes que o condenado na segunda instância deve ficar preso

Acima da divergência entre os ministros está a perda da colegialidade dos onze escorpiões que vivem na garrafa da Corte. Quem chamou os juízes da Suprema Corte Americana de escorpiões engarrafados foi o grande Oliver Wendell Holmes, mas lá eles se cumprimentam com aperto de mão antes e depois de cada sessão. Aqui, em alguns casos, nem isso. 

O ministro Gilmar Mendes tem horror a comparações com o funcionamento da Corte Suprema, mas lá os nove ministros procuram harmonizar suas divergências. Quando um de seus juízes escreve o voto da maioria, ou a dissidência da minoria, circula seu texto entre os colegas e discute emendas ou supressões. Tudo isso é feito em sigilo, num trabalho que exige paciência e tolerância. Em raros casos, quando a Corte percebe que tomará uma decisão crucial, o presidente (cuja função é vitalícia) costura uma possível unanimidade. Às vezes consegue. 

No caso da prisão depois da segunda instância o Supremo está dividido à maneira dos jogos de futebol, com um time ganhando e outro perdendo. No balcão da lanchonete entende-se esse critério, o que não se entende é que o time derrotado em fevereiro e outubro de 2016 por 7x4 e 6x5 possa mudar o resultado num replay. Afinal, futebol é coisa séria. 

Apesar dos esforços de alguns ministros, tudo indica que se caminha para um choque de absolutos. Numa discussão de botequim ou numa reunião de condomínio surgiria uma voz moderadora propondo uma válvula. Por exemplo: o condenado na segunda instância poderia recorrer ao Superior Tribunal de Justiça, que deveria julgar o caso em até 120 dias. Esse mecanismo daria uma folga à turma que tem dinheiro para pagar advogado, mas anularia a fé exclusiva nas manobras procrastinatórias. Até agora, nada feito. 

A rejeição da válvula indica um colapso da colegialidade do tribunal. Para isso contribuíram, entre outros fatores, egos inflados, idiossincrasias e concepções. Há cortes cujos juízes têm carros e motoristas pagos pela Viúva, mas não se sabe de outra na qual seus veículos usem três chapas, uma de bronze (“sabe com quem está chegando”) outra com fundo branco (indicativa do serviço público) e a terceira, igual à dos contribuintes, sugerindo que os ilustres passageiros são pessoas comuns, ou impedindo que se saiba que não o são. 

A Operação Lava-Jato perdeu a túnica de vestal que cobria o juiz Sergio Moro e o trabalho de seus procuradores, mas sua essência persiste: ela botou na cadeia gente que praticava crimes na certeza da impunidade. Revogada a segunda instância, restabelece-se o sistema que, há dez anos, num passe de mágica, esfarelou a Operação Castelo de Areia.
À época, o STJ blindou a empreiteira Camargo Correa e o Supremo ratificou a decisão. Passou o tempo, mudaram os modos e a Camargo foi a primeira vaca sagrada a colaborar com o governo. Hoje ela trabalha com outro compasso.


 
 
 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Base em desalinho - Nas entrelinhas

Correio Braziliense

Bolsonaro teme perder a bandeira da ética, mas de fato armou um cerco à Lava-Jato, com a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República”


O presidente Jair Bolsonaro reassume o cargo hoje, embora não esteja plenamente recuperado da cirurgia para correção de uma hérnia no abdômen, realizada no dia 8 de setembro, em São Paulo. Sua volta coincide com muitas especulações sobre mudanças na equipe de governo, cujo objetivo seria melhorar a relação com o Congresso e reestruturar a sua base parlamentar. Na próxima sexta-feira, a equipe médica deverá reavaliar Bolsonaro em Brasília. A viagem a Nova York, onde o presidente discursará pela primeira vez na assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU), está mantida. Por recomendação médica, porém, foi adiada de domingo para segunda. Seu discurso está previsto para terça-feira.

Cabe ao representante do Brasil abrir os debates da assembleia geral. Bolsonaro tem previsão de seguir depois para o Texas, onde se encontrará com representantes do setor industrial, empresários e militares americanos. O retorno ao Brasil somente deverá ocorrer na quarta. Até lá, a reforma da Previdência estará aprovada pelo Senado, que ontem encerrou o prazo para apresentação de emendas. Entretanto, isso não significa que a base do governo esteja articulada no Congresso, pelo contrário. Está a maior bagunça. Cindiu-se profundamente por causa da Lava-Jato e do caso Queiroz. 
Vamos por partes:
A visita do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e de sua esposa, Rosângela Moro, a Bolsonaro no hospital, no fim de semana, serviu para desanuviar um pouco a relação entre ambos, mas nos bastidores, a tensão entre os defensores da Lava-Jato e os aliados do clã Bolsonaro continua. A turma da Lava-Jato tenta emplacar a CPI para investigar o Judiciário no Senado, mas enfrenta a resistência da maioria dos líderes partidários e do Palácio do Planalto. A tensão é tanta que o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), pediu a saída de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) da legenda. É mais fácil, porém, a migração do senador paulista para o Podemos.

Flávio Bolsonaro é protagonista do racha político do clã presidencial com o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Ontem, anunciou o rompimento da bancada de 12 deputados estaduais do PSL com o governador fluminense. O estopim da crise foi entrevistas à imprensa de Witzel criticando o governo Bolsonaro. Witzel tem declarada disposição de se candidatar a presidente da República. O mal-estar existe desde quando o governador fluminense disse a Bolsonaro que gostaria de conhecer a suite presidencial do Palácio da Alvorada, porque pretendia ocupá-la, quando fosse eleito presidente da República. Bolsonaro não deixou. Essa mesma conversa Witzel teve com o então governador Fernando Pezão (MDB), ao visitar o Palácio Guanabara, fato que entrou para o folclore político de Brasília porque o ex-governador fluminense, que hoje está preso, contou pra todo mundo.

Esplanada
Idiossincrasias à parte, o choque é mais profundo. Bolsonaro acredita que existe uma conspiração no Rio de Janeiro para derrubá-lo do cargo, na qual Witzel estaria envolvido, por causa das suas supostas relações e as de seus filhos com a milícia fluminense. O principal alvo da investigação é Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual. Por causa desse caso, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, suspendeu todas as investigações da Polícia Federal (PF) que utilizavam dados da Comissão de Controle de Operações Financeiras (Coaf) sem autorização judicial, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro. Supostamente, as interferências de Bolsonaro na PF e na Receita no Rio de Janeiro teriam o mesmo motivo.


A agenda ética do Congresso também divide a base do governo, irremediavelmente. Bolsonaro teme perder a bandeira da ética, mas de fato armou um cerco à Lava-Jato, principalmente com a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República. Ontem, o relator da indicação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, senador Eduardo Braga (MDB-AM), anunciou seu parecer favorável à aprovação do nome de Aras. A única exigência é de que entregue a carteira da OAB e deixe sua banca de advocacia.

Para enfrentar as dificuldades, fala-se na volta do ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, para a Câmara, onde assumiria a liderança do governo. Caso ocorra a mudança, quem mais se fortalece é o general Luiz Eduardo Ramos, secretário de Governo. Um dos nomes aventados par substituir Lorenzoni é o do ex-deputado Rogério Marinho, que foi o principal articulador do governo na reforma da Previdência. Também se fala na volta do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), para a Câmara, como o mesmo propósito. Para seu lugar iria o ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RS). O clã Bolsonaro estaria por trás das mudanças.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB
 

sábado, 6 de julho de 2019

Ruptura, para quê?

Bolsonaro foi eleito por circunstâncias que não lhe dá carta branca para governar só para seguidores originais

Uma ação disruptiva pressupõe substituição de processos ou procedimentos em direção ao futuro. Num momento em que a democracia representativa está em xeque no mundo ocidental, temos um governo de ruptura que sabe o que quer mudar ou destruir, mas não sabe o que colocar no lugar. Bolsonaro foi eleito por um conjunto de circunstâncias que não lhe dá carta branca para governar apenas para os seus seguidores originais. Não há estelionato eleitoral, é verdade, mas também não é razoável que o presidente eleito possa fazer o que lhe dá na cabeça.

Apesar de continuar insistindo em temas polêmicos, como, desta vez, o trabalho infantil, pelo menos ele já sabe que há limites para suas idiossincrasias. Por isso, advertiu que não pretende apresentar nenhuma mudança na legislação brasileira, que o proíbe. O Congresso, o Judiciário e a opinião pública seriam obstáculos intransponíveis.

O presidente talvez tenha tido o seu primeiro mês de sucessos com a assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e aprovação da proposta de emenda constitucional da reforma da Previdência na Comissão Especial. Atos, no entanto, que foram limitados pelo protagonismo da Câmara, no caso da reforma, ou pelas regras internacionais a que o governo tem que se submeter, quando adere ao acordo com os países europeus. Um governo que pretende se unir cada vez mais ao Ocidente, contra o que considera uma conspiração internacionalista de esquerda, terá que respeitar regras desse mesmo globalismo, seja com relação ao clima, seja à própria democracia.

A simples menção ao trabalho infantil, por exemplo, cria um mal-entendido desnecessário. Mais uma vez, Bolsonaro demonstra que não entende o peso de suas palavras. O aumento de produtividade na agricultura é dos maiores sucessos econômicos mundiais, à base de muito investimento em tecnologia e criatividade. Não pode ser colocado em dúvida devido ao pensamento retrógrado e extemporâneo do presidente da República.

Um governo que quer parear-se às democracias ocidentais não pode normalizar, pela boca de seu presidente, uma ação criminosa que dá vantagem competitiva no comércio internacional, fortemente questionada, à China, capitalismo de Estado que está sendo obrigado a abrir mão dessas más práticas por ter aderido à organizações internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

O que o presidente passou na infância, colhendo milho e carregando cachos de bananas nas costas aos 10 anos, é uma triste realidade ainda hoje no Brasil, e ele, como presidente, deveria dedicar-se a mudar essa situação de carência extrema, e não transformá-la em uma situação normal. O trabalho enobrece, diz Bolsonaro. Mas o trabalho infantil avilta. A proteção à criança e aos direitos humanos [desde que direitos humanos para HUMANOS DIREITOS]  deveria vir em primeiro lugar para o presidente.

A visão do presidente a respeito de certas questões da democracia é simplificadora, quando não perigosa. Ao anunciar que levará o ministro Sergio Moro à final da Copa América amanhã, disse que o povo mostrará quem tem razão, referindo-se à divulgação dos diálogos do hoje ministro da Justiça com os procuradores da Lava-Jato. Provavelmente, o presidente e seu ministro serão aplaudidos. Bolsonaro transforma o Maracanã num moderno Coliseu, onde o povo decide a sorte do gladiador. A consulta direta ao povo, com que sonha Bolsonaro, é dos aspectos mais distorcidos da democracia. O que parece ser uma atitude democrática transforma-se em manipulação populista. Da mesma forma, plebiscitos podem ser utilizados com objetivos políticos, dependendo de quando forem convocados e organizados.

Não há nada de estranho que a chamada “democracia direta” tenha sido o principal mecanismo político de atuação dos governos bolivarianos da região, que Bolsonaro combate tanto. Os populismos se aproximam.O fim das intermediações do Congresso, próprias dos sistemas democráticos, é sonho de consumo de presidentes autoritários, de direita ou de esquerda. Este é o tipo de ação basicamente antidemocrática, pois uma coisa é criticar a atuação do Congresso e exigir mudanças na sua ação política para aproximar-se de seus representados, o povo. Outra muito diferente é querer ultrapassar o Poder Legislativo e outras instituições fazendo uma ligação direta com o eleitorado através de um governo plebiscitário.
 
 
 
 

quinta-feira, 16 de maio de 2019

A aula do STJ aos justiceiros

Não tem sido difícil encontrar, nos últimos tempos, excessos nas decisões da Justiça.

Não tem sido difícil encontrar, nos últimos tempos, excessos nas decisões da Justiça. Sob o pretexto de combater a corrupção e a criminalidade, alguns juízes têm ido muito além do que a lei permite e, com interpretações que se afastam da razoabilidade e da técnica jurídica, pretendem impor suas idiossincrasias justiceiras. A esses que se arrogam o direito de fazer justiça por seus próprios métodos – e não pelos caminhos legais –, a 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu, no julgamento do habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Michel Temer, uma verdadeira aula de Direito. A decisão de terça-feira passada, que suspendeu a prisão preventiva de Temer e do Coronel Lima, não apenas cessou uma flagrante ilegalidade. Ela reafirmou importantes garantias e liberdades de um Estado Democrático de Direito.

Acompanhando o voto do relator, ministro Antonio Saldanha Palheiro, os integrantes da 6.ª Turma do STJ reconheceram que a prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena. Não é porque uma pessoa está sendo investigada por um crime grave que ela deva ir para a prisão. “Não se discute a gravidade das condutas investigadas, porém o que está em questão não é a antecipação da pena, mas a verificação da necessidade de medidas cautelares, em especial a prisão preventiva”, afirmou a ministra Laurita Vaz.

Esse respeito aos tempos do processo penal é parte essencial de uma Justiça isenta, que busca a verdade dos fatos e, portanto, respeita a presunção de inocência. Como lembrou o ministro Nefi Cordeiro, presidente da 6.ª Turma, “manter solto durante o processo não é impunidade, como socialmente pode parecer. É uma garantia, somente afastada por comprovados riscos legais”. A lei prevê os casos em que a Justiça pode determinar a prisão preventiva, como, por exemplo, o risco concreto e contemporâneo da destruição de provas.

Os ministros entenderam que os fatos apurados, que teriam ocorrido quando Michel Temer ocupava a Vice-Presidência da República, são “razoavelmente antigos” para justificar a prisão preventiva. “Não foi tratado nenhum fato concreto recente do paciente para ocultar ou destruir provas”, afirmou o relator, Antonio Saldanha Palheiro. “Sem essa contemporaneidade, a prisão cautelar se torna uma verdadeira antecipação de pena”, disse.

No julgamento, recordou-se que uma delação, tomada isoladamente, não pode servir de fundamento para a prisão de uma pessoa. O depoimento de um delator “é mero meio de obtenção de prova”, disse o relator. Esquecido com frequência, esse ponto tem dado causa a abusos toma-se por verdade o relato do delator – e a investigações frágeisautoridades contentam-se com o que foi afirmado na delação. Para que o processo penal possa revelar o que de fato ocorreu, é preciso que a delação seja ponto de partida da investigação criminal, e não a sua conclusão.

Ao suspender a prisão preventiva, a 6.ª Turma do STJ impôs a Michel Temer e ao Coronel Lima medidas cautelares alternativas à prisão, como a proibição de manter contato com outros investigados, mudar de endereço, ausentar-se do País ou ocupar cargo público ou de direção partidária. Assim, o STJ reafirmava outra verdade habitualmente ignorada nos tempos atuais: a prisão preventiva não é o único meio previsto pela lei para proteger a instrução criminal, havendo outras medidas menos gravosas.
[com o devido respeito ao STJ  e também ao autor da matéria do Estadão, cabem dois reparos:
- a leitura conjunta dos artigos 282, 312 e 319 do CPP deixa claro que medidas cautelares só são aplicáveis quando em substituição a prisão preventiva - mais gravosa que as cautelares;
 
os ministros do STJ foram unânimes no reconhecimento da inexistência de fundamentos para decretar a preventiva, o que elide a aplicação das medidas cautelares - a propósito, o ministro Nefi Cordeiro não vê razões para aplicação de medidas cautelares, concordando com o entendimento diversos dos demais integrantes da Turma, apenas pelo principio da colegialidade - clique aqui, para a integra do seu voto.
 
Outra prática que tem se tornado recorrente, no mínimo é a impressão que sua aplicação frequente transmite, é o uso da prisão preventiva com características de pena de caráter perpétuo - se sabe quando começa e se desconhece quanto termina;
é uma prisão perpétua à brasileira - sendo que a Carta Magna proíbe a pena com características de prisão perpétua. ]

Por isso, antes de decretar a prisão preventiva, o juiz deve analisar adequadamente a possibilidade de aplicar as outras medidas cautelares diferentes da prisão. Sem essa rigorosa análise, o decreto de prisão é ilegal – infelizmente, tal prática é assustadoramente comum. “Não se pode falar em mera conveniência da restrição de liberdade, mas em efetiva necessidade da medida cautelar mais grave”, lembrou o ministro Rogerio Schietti Cruz.

O STJ é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o País. Que a lição de terça-feira passada, dada pela 6.ª Turma, não seja ignorada pelas demais instâncias do Judiciário. Sem lei, não há liberdade.
 


terça-feira, 25 de dezembro de 2018

O real peso do Brasil

Atitudes intempestivas, movidas não por uma sólida política de Estado, mas por idiossincrasias dos ocupantes temporários do poder, podem danificar a imagem do Brasil

O multilateralismo está gravado na tradição diplomática brasileira desde o início do século 20, pouco depois da instauração da República. De acordo com o espírito republicano, o Brasil passou a advogar a igualdade entre as nações e o respeito ao Direito Internacional como premissas para o entendimento entre os países. O multilateralismo isola os Estados delinquentes ou belicosos e, no âmbito das organizações internacionais, garante condições para que todos os Estados-membros, em algum momento, se beneficiem desse arranjo, mesmo que haja profundas assimetrias entre eles.

O mesmo não acontece nas relações bilaterais, em que geralmente as assimetrias ditam os termos das negociações. Logo cedo, o Brasil republicano notou que não tinha poder suficiente para impor-se em relação às grandes potências e, em alguma medida, nem mesmo em relação a alguns de seus vizinhos sul-americanos. Pode-se dizer, portanto, que a opção pelo multilateralismo foi natural para o Brasil. "Não somos um País poderoso o bastante a ponto de chutar o balde quando alguma regra internacional não nos beneficia", disse o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, em entrevista ao Estado. Ele se referia especificamente à anunciada intenção do futuro governo de Jair Bolsonaro de mudar a Embaixada do Brasil em Israel da cidade de Tel-Aviv, reconhecida internacionalmente como capital israelense, para Jerusalém, disputada por Israel e pelos palestinos como capital. A mudança serviria para demonstrar alinhamento do Brasil aos Estados Unidos, cujo governo também moveu sua embaixada em Israel para Jerusalém, desafiando a comunidade internacional. [alinhamento do Brasil aos Estados Unidos é aceitável, se e quando apresentar vantagens para o Brasil;
a mudança da embaixada, apenas para atender mero capricho de Trump e de Israel em NADA, ABSOLUTAMENTE NADA, atende aos interesses do Brasil, só trazendo prejuízos comerciais.
Se tiver de escolher entre Israel ou os parceiros comerciais árabes, Bolsonaro terá uma única alternativa que favorecerá o Brasil: escolher os parceiros árabes.] Para o chanceler Aloysio Nunes, a mudança da Embaixada do Brasil em Israel, se acontecer, nada acrescentará ao interesse nacional, e as consequências negativas irão muito além dos problemas que o País terá com parceiros comerciais árabes. Trata-se de arranhar a imagem de "respeito do Brasil à lei internacional", imagem essa que há mais de um século garante que o País seja ouvido nas grandes questões internacionais.

O chanceler Aloysio Nunes argumenta que, ao contrário do que parecem acreditar seu futuro sucessor, Ernesto Araújo, e o presidente eleito Jair Bolsonaro, "a cooperação (internacional) não contradiz a soberania do País" e que, "em alguns temas, os interesses do País são mais eficientemente tutelados quando há cooperação com outros países”. Ele citou o caso específico do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular, ao qual o Brasil aderiu, mas que será “denunciado" esse foi o termo usado por Bolsonaro – pelo próximo governo. "A pauta do combate à imigração pode ser dos Estados Unidos, da França, da Itália, da Hungria, mas não é pauta brasileira", disse o chanceler Aloysio Nunes. [não se trata de adotar por adotar a pauta dos Estados Unidos ou qualquer outra nação e, sim, de considerar que um país com mais de 12.000.000 de desempregados não pode adotar uma política de que transfere empregos dos brasileiros para estrangeiros.
E, partindo desse principio adotar as medidas necessários para conter qualquer fluxo migratório, estilo venezuelano, haitiano, para o Brasil - até que nossa Pátria tenha condições de receber  migrantes, sem prejudicar os brasileiros.
Entre receber e privilegiar emigrantes, em prejuízo dos seus naturais, qualquer país optará por não receber estrangeiros.] Ou seja, o Brasil, ao reproduzir o discurso xenofóbico do presidente americano, Donald Trump, e da direita europeia, terá muito mais perdas, do ponto de vista diplomático, do que eventuais ganhos políticos a partir desse alinhamento.

Apesar disso, o chanceler Aloysio Nunes entende que o próximo governo tem total legitimidade para implantar uma política externa condizente com os valores defendidos por Bolsonaro na campanha eleitoral – valores esses que representam "uma cultura política diferente daquela que predominou da redemocratização para cá". "A eleição do presidente Bolsonaro foi triunfal, essa é que é a verdade. É uma vitória incontestável, que não representa apenas uma rejeição ao PT", disse o ministro.

Ainda assim, o chanceler lembrou que o Brasil precisa "ser conduzido com prudência", de acordo "com a Constituição, as leis, o bom senso e a altivez". [as leis são feitas para melhorar para os brasileiros, não o contrário.] Atitudes intempestivas, movidas não por uma sólida política de Estado, mas por idiossincrasias dos ocupantes temporários do poder, podem danificar a imagem do Brasil. Hostilizar organismos multilaterais, abandonar pactos globais, seguir cegamente o governo americano e romper relações com países como Cuba e Venezuela são atitudes que farão o Brasil perder a importância conquistada no concerto internacional, sem nenhum ganho que compense tamanho prejuízo. [qual a importância da manutenção de relações com Cuba? Venezuela? e alguns outros?]

Editorial - O Estado de S. Paulo

 

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Por um pacto nacional

É preciso que haja sabedoria suficiente para que a escolha do eleitor, qualquer que seja ela, seja o prenúncio da concórdia nacional e da retomada do crescimento sustentável

Uma campanha eleitoral é, por definição, o momento em que distintos modelos políticos e visões de mundo são confrontados, muitas vezes de forma ruidosa, na expectativa de convencer o eleitor a sufragar uma dentre as diversas propostas apresentadas. Logo, numa campanha não se pode esperar um clima de harmonia e concórdia, e, às vezes, até mesmo os limites da civilidade, no calor dos discursos, são ultrapassados. Esse embate tem sido especialmente virulento nestas eleições, levando muitos a considerar que, qualquer que seja o desfecho, as consequências serão apocalípticas e as divisões político-ideológicas, insuperáveis. 

Mas a verdade é que os candidatos e seus eleitores chegaram ontem ao dia decisivo do primeiro turno da eleição presidencial ante o imperativo de, uma vez fechadas as urnas e conhecidos os resultados, aceitarem o veredicto eleitoral. Esse é o pressuposto de uma disputa democrática - vence quem tem mais votos. A partir da aceitação do resultado, estarão dadas as condições para que se alcance alguma forma de convergência em torno de interesses comuns. É isso o que se espera do próximo governo e também dos partidos que lhe farão oposição. 

Para os que duvidam dessa possibilidade de entendimento, tendo em vista o grau de animosidade que grassou na campanha, em especial nas redes sociais, é preciso lembrar da experiência de muitos países que conseguiram superar divergências políticas que, em alguns casos, levaram até mesmo à guerra civil. O Brasil, a despeito da hostilidade manifestada por diversos grupos de simpatizantes dos principais candidatos a presidente, está a léguas de experimentar o grau de ódio que poderia levar a um conflito mais sério; logo, o diálogo é perfeitamente possível. 

Será no campo político e institucional, e não na confusão nas ruas, que as diferentes ideias para o País deverão ser expostas, negociadas e submetidas ao escrutínio democrático. Não há outro caminho, razão pela qual se espera que o próximo governo tenha a grandeza de respeitar a oposição, tão legitimamente eleita quanto o presidente; e que os partidos de oposição, por sua vez, aceitem as derrotas que os colocaram nessa condição. Pode parecer óbvio - como, de fato, é -, mas não é possível imaginar qualquer outro caminho para a pacificação do Brasil que não passe pelo comezinho respeito às decisões soberanas do Congresso, alcançadas por meio do voto. 

Não se espera que adversários deixem de sê-lo de uma hora para outra. No entanto, é preciso que as lideranças políticas, tanto do governo como da oposição, tenham em mente que o Brasil, dada a terrível conjuntura econômica e social, corre sério risco de se tornar ingovernável - e, aí sim, estará criado o ambiente que inviabiliza a democracia. Se não é isso o que se deseja, então o primeiro passo, depois das eleições, será abandonar a retórica incendiária, que tem envenenado o debate nacional, e procurar os interesses em comum - que certamente existem, a despeito das aparências. 

O maior desses interesses é, com certeza, o compromisso político, sem o qual não haverá a superação da grave crise econômica e a retomada do desenvolvimento. Para isso - repetimos - não há outro caminho que não seja o entendimento geral em torno de reformas profundas, que já tardam. Para que esse compromisso seja celebrado, será necessária uma dose considerável de disposição democrática de todos os atores políticos, que devem finalmente colocar os interesses do País acima de suas idiossincrasias.  

Mas apenas isso não basta. Será preciso também que o próximo presidente exerça com responsabilidade o mandato que os eleitores depositarem em suas mãos. Numa democracia, saber ganhar é tão importante quanto saber perder. Embora seja pilar da soberania popular, o voto direto não dá ao presidente eleito poder ilimitado nem o dispensa da negociação no Congresso. Na história recente, dois presidentes que agiram dessa forma imprudente, atirando gasolina ao fogo da crise, sofreram impeachment, desfecho sempre traumático para o País. Por esse motivo, é preciso que, em meio a tanta crispação, haja sabedoria suficiente para que a escolha do eleitor, a ser feita hoje, qualquer que seja ela, seja o prenúncio da concórdia nacional e da retomada firme do crescimento sustentável.

 Editorial - O Estado de S. Paulo

 

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Inepta e inconstitucional

A Câmara dos Deputados deu mais um passo para que o País se veja livre o mais rápido possível das idiossincrasias do anterior procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na terça-feira passada, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, parecer recomendando que o plenário da Casa não autorize a abertura de processo contra o presidente da República, Michel Temer, e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. “A denúncia não preenche os requisitos constitucionais e legais”, disse o relator.

Ao analisar a peça acusatória, Bonifácio de Andrada constata que ela “atinge momentos históricos bem pretéritos”, com menções a atos que teriam ocorrido há mais de 15 anos. O relator lembra, então, a desconformidade da denúncia com a Constituição de 1988, que estabelece que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, § 4.º). “Tudo o que se menciona antes da posse do presidente da República, todas as acusações levantadas contra ele, em datas anteriores ao seu governo, não deve ser objeto de análise e julgamento, porque a Constituição é clara ao dizer que o presidente não pode ser responsabilizado por fatos estranhos ao exercício de seu mandato”, afirmou o relator.

Além do desrespeito ao texto constitucional, Bonifácio de Andrada alerta para a ausência de provas na segunda denúncia de Rodrigo Janot contra Michel Temer. “A tentativa de envolver Ministros de Estado e o Presidente da República num somatório de afirmações acusatórias não encontra respaldo nas várias páginas da denúncia e nem tão pouco na legislação aplicável a partir do texto constitucional”, diz o deputado mineiro.  O parecer nota, por exemplo, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) oferece denúncia pelo crime de organização criminosa e, ao mesmo tempo, cita diversos outros crimes, “mas não para puni-los, e sim apenas como exemplos de atividades criminosas atribuídas à organização criminosa”. Ora, isso seria a admissão de que a PGR tem conhecimento de crimes contra os quais intencionalmente não apresenta denúncia. O relatório questiona: “O acusador diz existir uma ampla acusação de organização criminosa, mas não pede a condenação pelos crimes que teriam sido praticados por ela? Tal fato demonstra a fraqueza da denúncia”.

A confirmar a inépcia da denúncia, o relator lembra que uma das acusações de Rodrigo Janot contra o presidente da República é que ele “fez nomeações e organizou o seu Ministério” no momento em que assumiu o governo federal. Bonifácio de Andrada adverte o absurdo dessa colocação. “O Ministério Público desejaria que o presidente da República assumisse o governo sem ministros ou então, colocasse personalidades desconhecidas e de pouca valia ou, sobretudo, de desconhecimento do próprio presidente da República”.

Além de ser um contrassenso, tal acusação deixa evidente como Rodrigo Janot tem pouco apreço pela Constituição. A ação que ele diz ser criminosa – nomear e exonerar ministros de Estado – está prevista na Carta de 1988, em seu art. 84, I, como a primeira competência privativa do presidente da República.  A respeito desse desvirtuamento dos fatos a favor da tese do Ministério Público – de que toda a política e todos os partidos estariam podres –, Daniel Gueber, advogado de Eliseu Padilha, lembrou que, na denúncia, “foi considerado indício de crime o telefonema entre líderes partidários. Mas me causa espanto que esses telefonemas tenham sido usados para provar qualquer coisa senão que os líderes estão trabalhando”.

Cabe agora à Comissão de Constituição e Justiça votar o relatório de Bonifácio de Andrada, que depois seguirá para apreciação do plenário da Câmara. Merece toda a diligência possível a rejeição definitiva da segunda denúncia. É prejuízo demais deixar o País atravancado por causa de uma denúncia inepta.


Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo