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domingo, 28 de março de 2021

Homem ao mar - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Depois do amigo dos filhos na Saúde, Bolsonaro quer seu próprio amigo almirante no Itamaraty

[os inimigos do Brasil esquecem que a Constituição, por eles tão louvada quando fornece algum caminho para aporrinhar o presidente, atribui ao Presidente da República competência para nomear e demitir ministros.
A mídia, anti Bolsonaro ou não, aceita ou aceita!!!.]

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, é um dos enviados do Planalto para sondar os parlamentares sobre duas saídas para a crise aguda na política externa: a ida do almirante da ativa Flávio Rocha para o Itamaraty e a remoção do chanceler Ernesto Araújo para uma embaixada vistosa – algo que depende da aprovação do Senado.

Quanto a Rocha, os políticos não dizem sim nem não, pois desconhecem as credenciais dele e estão mais empenhados em tirar Ernesto Araújo do que em fazer o sucessor. Rocha fala cinco línguas, é um dos raros pragmáticos e de bom senso no governo e, além de interagir com setores sensíveis do empresariado nacional, já vem assumindo missões no exterior em nome do presidente Jair Bolsonaro, inclusive na China. Mas um militar no Itamaraty? [e daí? os militares são brasileiros, cidadãos.] 

Já quanto ao prêmio de consolação para Ernesto Araújo, pelos péssimos serviços prestados à Nação, políticos de variados matizes, até do Centrão, têm dito um sonoro não a Fábio Faria e a quem mais venha com essa conversa. A presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu, resume, “sem frescura e mimimi”, como gosta Bolsonaro diante da pandemia: “Isso, não!”

Assim como o Senado matou na origem a pretensão tragicômica do deputado e hamburgueiro Eduardo Bolsonaro para ser embaixador em Washington, está na fase do “quem avisa amigo é”: se o presidente insistir no nome de Araújo para países relevantes, como EUA, ou aprazíveis, como França, eles – presidente e chanceler – vão correr sério risco de derrota.

Como nomear Araújo para os EUA, depois da sabujice para Donald Trump e da implicância com Joe Biden? 
E para a China, depois das caneladas ideológicas e nada diplomáticas contra o maior parceiro comercial do Brasil? 
E para a Índia, depois de votar com Trump contra um projeto sobre vacinas de interesse dos emergentes? 
E para Alemanha, França ou Noruega, com Araújo desdenhando o “ambientalismo” como meio do comunismo para destruir o Ocidente?

Sobrariam Hungria e Polônia, alvos de Trump e Steve Bannon para uma revolução mundial da extrema-direita terraplanista, ou a Turquia de Erdogan, quem sabe Coreia do Norte ou Venezuela? Mas, se Ernesto Araújo acha bacana o Brasil ser pária internacional, não deve gostar tanto de ser pária ele próprio.

O fato é que o Congresso aderiu à multicolorida frente nacional contra uma política externa nociva aos interesses nacionais. Na reunião sobre a pandemia no Planalto e, horas depois, na cadeira de presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira mirou Ernesto Araújo: atacar a maior potência do planeta e os maiores produtores de vacinas e medicamentos do mundo, não dá. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, bateu na mesma tecla – e no mesmo alvo – dois dias seguidos.

Bolsonaro se encontrou com Lira na quinta-feira e, na sexta, saiu da comemoração dos 30 anos do Mercosul, às pressas, para se reunir com Pacheco e repetir o ritual da demissão do general Eduardo Pazuello da Saúde: elogios e manifestações de amizade à “vítima”, enquanto as articulações correm soltas para encontrar o substituto.

O Centrão não cobiça o Itamaraty, prefere a rica Agricultura numa dança de cadeiras. Mas, assim como a Saúde foi para um cardiologista amigo dos filhos do presidente, o provável é que o Itamaraty vá para um amigo do próprio Bolsonaro. Não imposto pelo Centrão, por Lira e Pacheco, muito menos por diplomatas. Uma escolha “in pectore”, como seria o almirante Rocha.

É assim que os paus-mandados de Bolsonaro vão sendo jogados ao mar. Ou o timoneiro Bolsonaro não manda mais nada no próprio barco, ou governo, ou finge que virou um outro Bolsonaro para salvar o pescoço, mas pronto para dar o bote na hora certa. Que bote? Vá se saber...

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S.Paulo 


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

A militarização do Planalto - Nas entrelinhas

“Os militares no governo têm revelado mais bom senso diante das crises e conflitos do que a ala ideológica e religiosa que cerca o presidente Jair Bolsonaro


A queda do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, era pedra cantada. A surpresa é a sua substituição por mais um oficial de quatro estrelas da ativa, o que significará a completa militarização do Palácio do Planalto. O presidente Jair Bolsonaro convidou para o cargo o general Braga Neto, chefe do Estado-Maior do Exército e ex-interventor na segurança do Rio de Janeiro, função que exerceu com discrição e habilidade política. Caso não aceite o convite, o nome mais cotado para o cargo é o do almirante de esquadra Flávio Rocha, atual comandante do 1º Distrito Naval, recém-promovido a quatro estrelas, que já havia sido convidado para uma assessoria especial da Presidência.

Aliado de primeira hora na campanha presidencial, Onyx deverá ser deslocado para o Ministério da Cidadania, no lugar do emedebista Osmar Terra. A troca de guarda na Casa Civil era esperada, mas não ocorreu ainda por causa da relação de amizade entre ambos. A pasta foi completamente esvaziada, principalmente depois da perda do Programa de Privatizações e Investimentos (PPI). A gota d’água foi o desempenho de Onyx na negociação com o Congresso, na qual o governo acabou cedendo R$ 30 bilhões em emendas impositivas do relator e das comissões, que foram vetadas por Bolsonaro —o Palácio do Planalto teve que negociar um acordo com os partidos da sua própria base para recuperar R$ 11 bilhões, por causa da derrubada dos vetos.

A substituição de Onyx pelo general Braga Neto pode melhorar o funcionamento interno do governo. Essa será a sua missão principal. A doutrina de organização vigente no Exército se baseia na cooperação e coordenação entre suas unidades, mas nunca superou completamente as tendências autárquicas de suas grandes unidades, e da própria Força em relação à Marinha e à Aeronáutica. O outro lado da moeda é a “militarização” dos processos decisórios, confinados a círculos restritos e de cima para baixo, o que vem se traduzindo na exclusão da sociedade civil e dos demais níveis de governo dos fóruns de discussão e deliberação sobre políticas públicas, mesmo em questões nas quais esse tipo de concepção induzem ao erro. [a discussão, às vezes, é necessária e útil - mas, discutir demais, ouvir muito pitaco, atrapalha mais do que ajuda.]

O Estado brasileiro precisa ser enxugado, é verdade, mas seu caráter democrático está consagrado pela Constituição de 1988.  
[alguma coisa ser 'consagrada' na Carta Magna não implica ser viável ou a melhor solução.
Especialmente quando temos a 'constitução cidadã', especializada em conceder direitos sem a contrapartida dos deveres e gerar despesas sem produzir riquezas.]  É um “Estado ampliado”, em razão da autonomia de muitos de seus órgãos e da participação colegiada da alta burocracia e de representantes da sociedade nas decisões. Nos governos do PSDB e do PT, pela própria natureza social-democrata desses partidos, esses fóruns e organismos foram, num primeiro momento, normatizados e consolidados. Num segundo, porém, foram instrumentos de aparelhamento partidário, cooptação de lideranças e abdução de interesses que, a rigor, deveriam ser negociados no âmbito do Congresso, e não nos gabinetes da Esplanada.

Burocracia
Agora, há um movimento inverso, cujo desfecho não está suficientemente claro. Mas caminha numa direção de completo apartamento do processo decisório do governo de instâncias de participação da sociedade e representação subnacional — como governos estaduais e municipais —, ainda que alguns desses fórum subnacionais sejam poderosíssimos, como é o caso do conselho de secretários de Fazenda. O outro lado da moeda será a reorganização autônoma da sociedade civil e o fortalecimento do poder de negociação do Congresso, para onde convergirão todas as demandas e reivindicações dos governadores e prefeitos — além de entidades da sociedade civil. Resta saber como o governo lidará com isso.


A presença de militares no governo por si só não significa a “militarização” das políticas públicas, o que não teria a menor chance de dar certo. Mas essa tendência existe, sobretudo quando as concepções dos militares sobre certos assuntos, como a Amazônia, por exemplo, convergem com grandes interesses econômicos (como no caso da mineração) ou de natureza ideológica e religiosa (caso da política indigenista). Entretanto, é inegável que os militares no governo têm revelado mais bom senso diante das crises e conflitos do que a ala ideológica e religiosa que cerca o presidente Jair Bolsonaro.

Uma outra questão é a relação dos militares com os servidores civis, que têm cultura completamente distinta e mais experiência na gestão da máquina pública. A cooperação entre ambos pode dar mais eficiência à máquina do governo, mas os conflitos e tensões serão inevitáveis em razão dessas diferenças. Todos os estudos sobre a burocracia mostram que a sua eficiência depende da confiança e da observação das normas. E que o “espírito de corpo” dos servidores, sobretudo em funções essenciais do Estado, reage às mudanças de rotina quando impostas sem discussão e negociação.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense