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quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Ficção - Alexandre de Moraes dá a Lula 48 horas para explicar “essa história de golpe aí”* - Gazeta do Povo

Vozes -   Paulo Polzonoff Jr

 

Alexandre de Moraes: “Qualé, mermão?!”| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ministro plenipotenciário do STF e presidente ad aeternum do TSE, Alexandre de Moraes, deu prazo de 48 horas para o ex-parça Lula explicar “essa história de golpe aí”. Para quem não sabe, em duas oportunidades, dos dois lados do rio da Prata, Lula se referiu ao impeachment de Dilma Rousseff como golpe e ao ex-presidente e ex-poente da literatura Michel Temer como golpista

Foi Temer quem, num lapso ou por distração, indicou Moraes ao STF.

Fontes próximas ao imperador disseram que ele passou a tarde de ontem (25) andando de um lado para o outro em seu gabinete, desviando-se de um Randolfe aqui e um Rodrigues ali, pensando em que atitude tomar diante desse ataque flagrante às instituições democráticas. “Eu jamais esperava isso do Lula. Pô, eu votei no Lula pragmático, no Lula pacificador, no Lula social-democrata”, teria dito ele em meio às suas reflexões peripatéticas. Mas também pode ser que as fontes tenham ouvido errado.

No ofício (ou seria ofídio?) em que cobra (!) uma resposta da jararaca (!) que ajudou a eleger, Alexandre de Moraes ressalta seu papel de herói na defesa da democracia. “Qualé, mermão?”, começa ele, inexplicavelmente carioca. “Eu tô aqui prendendo até velho e criança. Tem bolsonarista saindo pelo ladrão (sem ofensa) na Papuda. E você me vem com uma punhalada dessas pelas costas? Fala para o Zanin ou o Dino que eu quero uma explicação sobre essa história de golpe aí na minha mesa em 48 horas. Senão...”, continua ele, enigmático, ma non troppo.

Segundo João Rumores, assessor de imprensa do cafezinho do STF, o clima na corte é de apoio discreto a Alexandre de Moraes. “O Lewandas [Ricardo Lewandowski, ministro do STF que presidiu o golpe, digo, impeachment de Dilma Rousseff] tá rindo por dentro. Ao saber do imbróglio todo, o Toffoli ligou para o seu coach, codinome Daniel. E o caçulinha, como é o nome dele mesmo, ah, sim, o Mendonça está até agora tentando sentar na mesa dos ministros mais populares”, disse. E eu lá tenho por que duvidar do Rumores?

Já Michel Temer... Ah, o presidente das mesóclises está enfurecido com Lula, com Dilma e, se duvidar, até com a Marcela. “Estar-me-ei pronuncian-do-me em breve. Por enquanto, fiquemos com as imortais palavras de Virgílio: Hoc Lula futui jaguar cum brevi baculo”, disse ele em nota divulgada a uma imprensa que quer mais é ver o circo pegar fogo mesmo. Fora do alcance dos microfones, contudo, Temer confidenciou a alguns repórteres que passavam pela rua e ao vendedor de cachorro-quente que estava ali por perto que está mesmo furibundo da vida. “Píííííí que pariu! Eu tô pííííí com esse pííííí! Golpista é a pííííí! Agora me vê um duplo com bastante purê e batata-palha, por favor”, esbravejou e depois pediu Temer.

O PT, contudo, prepara uma agressiva campanha de apoio às palavras revisionistas de Lula. A SECOM já contratou uma agência de publicidade para criar a campanha “Meu Governo, Minha História”, que pretende divulgar fake news, mas fake news do bem, até que todo mundo responda por reflexo que o impeachment de Dilma foi golpe, o impeachment de Dilma foi golpe, o impeachment de Dilma foi golpe, o impeachment...

Procurada por esta reportagem fictícia, a assessoria de imprensa da Presidência pediu desculpas, mas disse que não poderia se pronunciar agora porque estava ocupada num treinamente para aprender a usar a linguagem neutra sem ofender qualquer uma das letras que compõem aquela sigla lá. “Mas pergunta para uma dessas agências de checagem da verdade oficial que eu tenho certeza de que elas dirão foi golpe mesmo. Se não conseguir, me fala que eu te passo o contato da Petra Costa”, disse uma funcionárie que, depois de décadas trabalhando num sindicato qualquer, agora se identifica como jornalista. Digo, jornaliste.

* Do começo ao fim, ou mesmo antes de começar e depois do fim, este texto é uma grande mentira. Ou ficção, como se costumava dizer antigamente. Publico essas coisas porque ainda acredito no poder do Artigo 5o da Constituição. Ainda.


Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 31 de março de 2018

O dia do juízo final

Vamos saber dentro em pouco se o Luis XVI dos trópicos, nosso vulgo Lula, será finalmente preso pelos crimes que cometeu ou se seguirá livre, leve e solto, com o beneplácito do Supremo check-in, que acomoda o séquito de poderosos da Corte no paraíso da impunidade, quaisquer que sejam os delitos praticados por seus membros. A referência ao monarca absolutista francês não é gratuita. Foi levantada inicialmente pela própria defesa do líder petista que, em um arroubo de erudição, misturou alhos e bugalhos comparando o Luis de lá e o de cá para salvaguardar a liberdade de seu cliente. Por vias tortas, deu certo. O Tribunal encantou-se com a retórica. Imaginando-se talvez no clima do iluminismo europeu, produziu uma jabuticaba jurídica. A sentença do “congelamento” temporário da condenação de Lula ainda pesa por esses dias como a mais depravada decisão de que se tem notícia na Corte para acobertar os abusos de quadrilheiros públicos e notórios.  
Foto Andre Dusek

Ao menos nesse pormenor o STF contraria os princípios ensinados pelo pensador iluminista Montesquieu que em sua obra maior, “O Espírito das Leis”, pregou que o Judiciário deve ser percebido como apolítico, um garantidor da estabilidade. O Supremo não atendeu nem a uma coisa, nem a outra. Com a invencionice de um HC provisório – dá para definir assim – gerou instabilidade legal em cascata e reforçou os sinais de que pauta julgamentos pelo peso político que cada um deles carrega. O caso Lula atropelou trâmites, rompeu a jurisprudência em vigor e mostrou um comportamento impensável dos senhores ministros: eis o Judiciário que legisla, ferindo a regra basilar de separação dos poderes. O mais triste é perceber que a avacalhação legal não encontra sequer respaldo na história. Revisitando a experiência civilizatória que pôs a pique o reinado de Versalhes, o Luis francês foi decapitado para consagrar a democracia moderna e os ventos de liberdade que influenciaram o mundo. O Luis tupiniquim, um arrivista aproveitador das burras do Estado, ganhou de presente de Páscoa por seus feitos uma escapada, ao menos preliminar, da vida crua dos condenados. 

Resta saber se a alforria vai perdurar “ad aeternum”. A benevolência suprema parece atender com presteza aos apelos de certas figuras de nossa República. Pena que nem todos os brasileiros tenham acesso a essa Justiça. Em jogo, no caso Lula, uma verdadeira anistia por crimes que quatro juízes, em duas instâncias, unanimemente, julgaram terem sido cometidos pelo réu. Receberá Lula novo salvo-conduto para continuar a delinquir? Segue o script e, inevitavelmente, entra na ordem do dia, mais uma vez, nesta quarta-feira, 4, o momento do juízo final. Irão os senhores togados do Supremo confirmar ao País que, sim, o crime compensa na esfera dos abonados para quem as ações são meras peças protelatórias sem causa ou efeito , dando início a um festival de HCs apelatórios dos encarcerados que pedirão igualdade de tratamento?  

Ou, definitivamente, os senhores magistrados darão fim à anarquia dos recursos em cascata que seguem em tramitação, por anos a fio, até que o crime prescreva? A depender da estirpe da banca e da qualidade dos advogados, a não prisão após a segunda instância uma esquisitice jurídica que só teve guarida por aqui representará o vale-tudo para marginais de alta patente, espécie de indulto de Páscoa. O tribunal do STF ainda pode piorar o quadro com um estratagema deplorável em meio à tensão que o País vive à espera do veredicto: um pedido de vistas providencial, lançado por um dos magistrados simpáticos à causa petista, que adiaria o resultado. Seria ardiloso demais, porém é o que se cogita a boca pequena em um ambiente legal notoriamente supercamarada. Ao contrário do que sustentou a presidente Cármen Lúcia, o Supremo se apequenou. O decano Celso de Mello já avisou que fará um “voto longo”, talvez para rebuscar com um palavrório enigmático sua predisposição pró-réu

O colega de turma, Gilmar Mendes, que defendeu ardorosamente, não faz muito tempo, a prisão em segunda instância – lembrando ser o Brasil o único a não exercê-la – pode, daqui para frente, caso mude de opinião, como tudo indica, se mostrar como um ambidestro intelectual que adapta suas convicções e interpretações às demandas de ocasião. Nada mais injusto que isso. É preciso coerência, estabilidade de decisões, tudo que o STF não tem apresentado por esses dias. Se o Tribunal desta feita aceitar o habeas corpus de Lula, o Brasil volta a ser coberto pelo manto da impunidade para a vergonha, descrença e tristeza de seus cidadãos de bem, confirmando a sina de que a Justiça sempre tarda e falha.

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três IstoÉ