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sexta-feira, 1 de outubro de 2021

A insolência dos farsantes - Revista Oeste

Augusto Nunes

Os comandantes da CPI tentam provar que quem morreu de covid foi assassinado por um genocida

A trinca certamente faria bonito em algum filme sobre a máfia. Omar Aziz seria o chefão da famiglia, recomendam a expressão arrogante, a arroba que sobra na silhueta e os ternos mal-ajambrados que procuram escondê-la. Os óculos de primeiro da classe sugerem que Renan Calheiros iria bem como advogado e conselheiro do bando — mesmo que pareça nascido para interpretar um cangaceiro fashion, avisam os cabelos alisados à força e o implante que tenta inutilmente socorrer a cobertura capilar em retirada. Randolfe Rodrigues decerto brilharia no papel do filho do chefão sem chances de tornar-se herdeiro: ordens emitidas com voz de castrato, ainda mais se reforçadas por chiliques e faniquitos, não são cumpridas sequer por sabujos capazes de passar a vida ajoelhados no altar do líder ladrão.


Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros Foto: Montagem com Imagens Shutterstock/Divulgação
Randolfe Rodrigues, Omar Aziz e Renan Calheiros Foto: Montagem com Imagens Shutterstock/Divulgação
 
Para aflição do Brasil sensato, os três canastrões todos especializados em cenas de cafajestagem explícita — são senadores do País do Carnaval, estão satisfeitos com a vida mansa no Congresso e, no momento, atuam em tempo integral na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid. 
Presidente, Omar Aziz tem a cumplicidade majoritária de cinco dos 11 pais-da-pátria titulares
Relator, Renan Calheiros abriu os trabalhos com as conclusões já concluídas — e o parecer todo pronto, provavelmente encadernado. 
Vice-presidente, Randolfe Rodrigues é um esforçado ajudante de ordens dos generais de cordão carnavalesco. 
Em perfeita sintonia, o trio luta para provar que, diferentemente do que ocorreu no restante do planeta, não foi a pandemia de coronavírus que encurtou quase 600 mil vidas. Foram quatro surtos da variante JB.
Nessa linha de raciocínio, o primeiro surto obrigou cada nativo a engolir diariamente um barril de cloroquina. O segundo proibiu o uso de máscaras. O terceiro transformou a compra de vacinas em ameaça à soberania nacional. O quarto botou na cabeça dos nativos que é melhor morrer numa aglomeração provocada por Bolsonaro do que passar dos 90 anos sem beijos no rosto, abraços e apertos de mão
O Alto Comando da CPI tem reiterado nas últimas semanas que a luta continua. Azis, Renan e Randolfe seguem à caça da prova definitiva de que só no Brasil o vírus chinês pôde dispensar-se de matar os que morreram. O presidente genocida fez o serviço por ele.
Três farsantes insolentes às voltas com uma missão impossível — eis aí uma fórmula que decididamente não pode funcionar. 
Adicione-se a aproximação das eleições, a afobação dos candidatos a candidato da terceira via, a angústia dos que pretendem mais um mandato, a transmissão ao vivo das sessões por emissoras de TV e redes sociais, a polarização política, a nenhuma simpatia dos oradores pela língua portuguesa — e pronto: só podia dar no que deu. 
 
Pelo que fez e deixou de fazer, a CPI da Covid já assegurou um asterisco no capítulo brasileiro da história universal da infâmia. Nele será lembrado, por exemplo, que os filhotes degenerados do Inspetor Clouseau excluíram das investigações a roubalheira bilionária promovida por governos estaduais. Também se registrará que foi criada uma versão parlamentar para o velho “Você sabe com quem está falando?”, interrogação que escancara a arrogância de quem se julga condenado à perpétua impunidade. “Me respeite, sou um senador da República!”, exclamam agora os integrantes da CPI quando algum depoente diz ou faz qualquer coisa que a eles desagrade. [alguns senadores foram presos no exercício do mandato - não por decisão arbitrária de um magistrado,  e sim por fundamentada decisão; 
sempre temos a sensação de que o trio sob comento e seus apoiadores - drácula, o pioneiro barbalho e outros - terminarão a aventura da CPI Covidão presos.A ver. ]
 
Foi o que fez Simone Tebet, do PMDB de Mato Grosso do Sul, ao ser qualificada de “desequilibrada” por Wagner Rosário, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, a quem acabara de chamar de “menino mimado”. É o que vive fazendo Humberto Costa, o 'drácula' do PT pernambucano, ministro da Saúde do governo Lula até aparecer abraçado às criaturas do pântano drenado pela Operação Sanguessuga. Anos mais tarde, quando Costa entrou na mira da Lava Jato, essa anotação na capivara inspiraria o funcionário do Departamento de Propinas da Odebrecht que o estigmatizou com o codinome agora famoso: Drácula. 
O timbre da voz está meio decibel abaixo dos agudos alcançados por Randolfe. 
Quando gritam em dueto, produzem um som mais insuportável que os conselhos oferecidos aos depoentes por Omar Aziz. Um deles foi ouvido pelo empresário Otavio Fakhoury na sessão deste 30 de setembro: “Tire o ódio do seu coração, rapaz. Você é um negacionista que matou milhares de pessoas. O amor vai fazer você sentir-se muito melhor”.

Um senador é, essencialmente, um funcionário público — e muito bem pago

Nem sempre. O amor ao dinheiro anexou o ex-governador do Amazonas à fila de investigados no Supremo Tribunal Federal, tripulando um desvio de verbas destinadas à saúde que somaram R$ 260 milhões.  
Envolvidos no mesmo caso de polícia, foram presos a mulher e dois irmãos do agora conselheiro. 
Também contém riscos a paixão por menores de idade. Em julho, Artur Virgílio Neto afirmou que Aziz só escapou de uma CPI da Pedofilia instaurada pela Assembleia Legislativa graças à interferência do ex-senador e ex-prefeito de Manaus. “A pedido de sua mãe, respeitável e querida senhora, livrei-o de uma dura condenação penal e da desmoralização completa”, contou Virgílio. 
Pelo que diz na CPI, o presidente é pai extremoso, marido amantíssimo e filho exemplar. 
A folha corrida berra o contrário.
 
Na melhor das hipóteses, Aziz está alguns metros menos distante que Renan Calheiros dessa adjetivação superlativa. 
As relações com a filha que teve com uma amante impedem o relator de frequentar clubes de pais extremosos ou associações de maridos amantíssimos
Tampouco pode considerar-se exemplar um filho que tira o sono da mãe com encrencas empilhadas no STF. 
Dez inquéritos em tramitação atestam que Renan ainda é o recordista na modalidade bandidagem com direito a foro privilegiado. 
Outros três correm em sigilo ou sob segredo de Justiça. 
A marca seria ainda mais impressionante se o reincidente compulsivo não tivesse conseguido arquivar dez inquéritos por falta de provas, por decurso de prazo ou por amizade incestuosa entre réu e juiz. 
Mas também Renan, quando contestado, recita o mantra: “Me respeite, sou senador da República!”. Se lhe parece conveniente, troca “senador” por “relator”.
 
“E daí?”, poderia retrucar a vítima do comentário debochado, da molecagem humilhante, da grosseria odiosa ou de outras canalhices verbais.  
Um senador é, essencialmente, um funcionário público — e muito bem pago. O ocupante do cargo tem direito a R$ 165.000 por mês. Mas só é tributado o salário, hoje próximo de R$ 34.000. “Você é que me deve respeito: sou um dos pagadores de impostos que bancam o dinheirão que você recebe”, precisa ouvir o prepotente que cobra submissão de quem financia o vidaço que leva. Assim mesmo: você, não, “Vossa Excelência”. Agraciar anões morais com tratamentos cerimoniosos é como dar bom-dia a cavalo. 
Ou enxergar uma dupla de estadistas no vigarista engaiolado por ladroagem e na cavalgadura incapaz de pronunciar de improviso uma única frase com começo, meio e fim.

Leia também “Dilma merece ser vice de Lula”

Augusto Nunes, colunista -  Revista Oeste 

 

sábado, 18 de julho de 2020

FOI A SOCIEDADE QUE MUDOU OU O STF QUE SE EXTRAVIOU? Percival Puggina

“Não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério da Saúde. Não é aceitável que se tenha esse vazio. Pode até se dizer: a estratégia é tirar o protagonismo do governo federal, é atribuir a responsabilidade a estados e municípios. Se for essa a intenção, é preciso se fazer alguma coisa. Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas.” (...) “É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”. (Ministro Gilmar Mendes) 
[J.R Guzzo, define bem o extravio do STF: ... "Denunciou os cúmplices, mas não citou quem seriam os autores do crime
talvez vez seja mais uma inovação que o STF oferece ao direito penal brasileiro  o delito que só tem cúmplices."] 

Seria necessário ter problemas neurológicos para que, mesmo sem capacidade de leitura e interpretação, os sentidos não bastassem para identificar nessas palavras o ânimo agressivo e o assumido viés político do ministro. Conforme demonstrei em artigo anterior, Gilmar Mendes não é o único a explicitar esse “ponto de vista”. Outros colegas seus, em recentes declarações, deixam vazar o mesmo pendor, o mesmo estado de espírito e se comprimem sobre o mesmo ponto de vista em relação ao Poder Executivo. Todos esses casos são típicos de um fenômeno em curso no Brasil, afetando a harmonia e a ordem na sociedade. [Com o indispensável pedido de vênia, lembramos que este ponto de vista não é contra o Poder Executivo e sim contra o cidadão JAIR BOLSONARO, que alcançou o mais alto cargo da República Federativa do Brasil, sem ser indicado, porém com o respaldo de quase 60.000.000 de votos, votos que expressam a vontade da maioria dos que forma o verdadeiro patrão: = os brasileiros.]

Refiro-me a algo muito escasso entre nós, que se pode definir como adequação consciente do agir ao ser. Sim, o que direi a seguir, se aplica, também, ao presidente da República. Todo professor, por exemplo, deve ter a consciência da importância do ser professor, não pode assumir-se como “trabalhador em Educação”, nem agir como militante de causas políticas e, muito menos ainda, despejar sobre seus alunos as ditas narrativas com que o conhecimento é empestado e a realidade dissimulada. Todo religioso deve identificar-se como tal, no vestir, no falar e no agir; não pode fazer do altar palanque de comício, nem da liturgia mero pacote de instrumentos para cumprir, naquele impróprio cenário, objetivos inerentes a seu fervor político ou ideológico. Todo detentor de mandato eletivo deve ter consciência da dignidade inerente à representação da sociedade, sabendo que esta pode elevar-se com ele, ou com ele soçobrar. Testemunhei tempos em que tudo isso era intuitivo. Depois, presenciei parlamentares sequestrando plenários, arrancando papéis das mãos do presidente da Casa, instalados como farofeiros na mesa da presidência... E assisti o processo pelo qual a negociação própria dos parlamentos deslocou-se de sua essência deliberativa para ingressar, pragmaticamente, no mundo dos negócios.

Um magistrado, e de modo especial um ministro do STF, deve ter a compostura de magistrado, não deve ser alguém em busca de notoriedade e de protagonismo político. Deve falar pouco, preferivelmente nos autos; trabalhar muito, preferivelmente no Brasil e em sua atividade. Uma vida pessoal discreta, igualmente lhe cai bem.
Diferentemente, o ministro Gilmar Mendes e seus colegas se creem pedagogos gerais da República e de seus cidadãos. Assumem-se como fornecedores do bem em forma de texto autografado (o que já seria uma pretensão abusiva), e também em forma de palpites grosseiros, formulados com as razões do fígado, a custo zero para uma imprensa ávida pelos bocadinhos de intriga que isso possa gerar. 
Como surpreender-se alguém com o somatório de desgostos que causam aos cidadãos? 
Será meramente casual o fato de nunca antes haver o STF experimentado tais antagonismos na sociedade? 
Foi a sociedade que mudou ou o STF que se extraviou? 
Nenhum dos 11 ministros se pergunta: “Por que esse sentimento em relação a nós, agora quando eu estou aqui?”. Alô?

Percival Puggina (75), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.



quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O altar da salvação nacional

A gravidade da crise política, institucional e moral que atinge o País pode ser medida pela extravagância das soluções que diferentes setores da sociedade começam a defender para superá-la

A gravidade da crise política, institucional e moral que atinge o País pode ser medida pela extravagância das soluções que diferentes setores da sociedade começam a defender para superá-la. Em comum, essas ideias exalam profundo desprezo pelos políticos, que seriam, na visão de seus proponentes, o cerne da corrupção nacional. Ou seja: retire-se a política dos políticos, entregando-a a instituições supostamente acima de qualquer suspeita, dispensadas de aval eleitoral em razão de sua alegada legitimidade intrínseca, e então, como consequência lógica, restaura-se a moralidade. Tudo isso, note-se, em nome da salvação da democracia e da Constituição, justamente as grandes vítimas dessa cruzada que se pretende saneadora.

Os dois artigos da página A2 de hoje – que chegaram num mesmo dia à Redação – são exemplos desses argumentos, que têm florescido graças ao ambiente insalubre do brejal em que se transformou a atividade política. É por essa razão que decidimos publicá-los: para que sirvam como ilustração do pensamento que, ao que tudo indica, tem o potencial de vicejar dentro das instituições às quais se referem – o Judiciário e as Forças Armadas – e também entre os cidadãos desencantados com os políticos.

O artigo intitulado O Judiciário e o discurso do golpe, por exemplo, considera natural a judicialização da política, isto é, a ação de magistrados em seara que deveria estar reservada apenas aos representantes eleitos pelo voto direto. De acordo com esse raciocínio, a representação política no Brasil perdeu seu sentido em razão da corrupção e do descolamento em relação aos anseios da sociedade. Logo, não restou ao Judiciário outra coisa a fazer senão assumir o papel do Parlamento – e isso, na concepção exposta no artigo, não seria usurpação de poder alheio, e sim cumprimento do dever. A legitimidade da judicialização da política estaria assentada na presunção de que, ante o vácuo deixado pela desmoralização do mundo político, se tornou incumbência irrenunciável dos magistrados assumir o papel de intérpretes dos interesses da sociedade.

Do mesmo modo, o artigo Intervenção, legalidade, legitimidade e estabilidade pretende demonstrar que a atual crise não pode ser resolvida pelos próprios políticos, pois a maioria estaria comprometida somente em salvar-se, razão pela qual as Forças Armadas teriam total legitimidade para intervir, mesmo sem amparo legal. Segundo essa concepção, nem o Legislativo nem o Executivo teriam mais condições de continuar seu trabalho, carcomidos que estão pela corrupção e a perda de credibilidade, restando aos militares assumir esse papel, a exemplo do que aconteceu em 1964. As Forças Armadas, segundo se depreende do texto, não agiriam dessa forma por gosto, e sim pelo dever de defender a Pátria e restaurar a lei e a ordem.

O pensamento expresso por esses dois artigos, que nem de longe é ocasional ou isolado, é fruto da desorientação causada pela sensação de que nenhum político presta, criada especialmente pelo messianismo de alguns dos próceres da luta contra a corrupção no Judiciário e no Ministério Público. É também sequela do empobrecimento da atividade política, sobretudo graças ao presidencialismo de cooptação implantado pelos governos lulopetistas.

Sem lideranças políticas claras e diante de tantos escândalos, parece a muitos cidadãos que só lhes resta depositar sua confiança em quem, justamente por não depender de voto, se propõe a assumir a tarefa de mediar os interesses da sociedade de maneira isenta, justa e moralmente incontestável. Trata-se necessariamente de solução autoritária, uma vez que não há como recorrer de decisões nem dos altos magistrados nem, muito menos, dos chefes militares.

Deve-se, portanto, tomar cuidado com o que se deseja: malgrado o País esteja farto dos políticos, razão pela qual se tornam sedutoras as propostas de superação da crise que deles prescindam, é somente por meio da atividade política – exercida por representantes eleitos pelo voto direto – que a democracia verdadeiramente se manifesta e, assim, as crises são superadas, sem que nenhuma liberdade seja sacrificada no altar da salvação nacional.


Fonte: Editorial - O Estado de S. Paulo