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domingo, 3 de julho de 2022

Uma ode à vida e às leis - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A anulação de Roe v. Wade é uma vitória não apenas para aqueles que são contra o aborto, mas para aqueles que têm Constituições como o único norte possível em uma nação

 Depois de quase 50 anos, a decisão da Suprema Corte Norte-Americana mais desonesta e destrutiva da história dos Estados Unidos finalmente foi derrubada. 
 O SCOTUS anulou na última sexta-feira Roe v. Wade, a esticadinha ativista da Corte de 1973 e, efetivamente, encerrou o reconhecimento do “direito constitucional” ao aborto, dando aos Estados o poder de permitir, limitar ou proibir completamente a prática. Uma vitória não apenas para aqueles que são contra o aborto, mas para aqueles que têm constituições como o único norte possível em uma nação séria.
Protestos após a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubar Roe v. Wade | Foto: Olga Fe/Shutterstock

Roe v. Wade foi uma daquelas decisões cuja defesa você nunca ouviu em seus próprios termos. Muitas pessoas querem o aborto legal, mas ninguém nunca explicou como exatamente a Constituição garante isso. 
A lei de 1973 promulgada por militantes na Suprema Corte Norte-Americana nunca passou, na verdade, de um documento político. Não era um parecer jurídico e, por isso, sua existência degradou e minou a legitimidade da SCOTUS, uma das instituições mais importantes do país. O objetivo das supremas cortes é simples: determinar se as leis que os políticos aprovam nas casas legislativas são consistentes com a Constituição. Só isso. Isso é tudo o que um Supremo Tribunal faz. Ou pelo menos deveria fazer, não é Alexandre?

Depois de quase meio século, os eleitores norte-americanos finalmente tiveram seus direitos restaurados

Por 50 anos, a Suprema Corte dos EUA lutou para justificar sua decisão em Roe v. Wade, mas era difícil defender o indefensável. Até a falecida juíza Ruth Bader Ginsburg, uma das juízas mais progressistas da história norte-americana, expressou sérias dúvidas quanto à legalidade da legislação. Em nenhum lugar do texto, estrutura e significado da Constituição pode ser encontrado umdireito de privacidade ao aborto”. Não é explícito nem implícito.  
Em Roe v. Wade, os juízes simplesmente inventaram um direito que não existe. E este foi um erro lamentável que não apenas tirou dos Estados, através de seus legisladores, o direito e a autonomia para decidir a questão, mas ceifou a vida de milhões de bebês nos ventres de suas mães.

 Protestos após a Suprema Corte dos EUA derrubar Roe v. Wade,  no dia 24 de junho de 2022 | Foto: Shutterstock

O que uma Suprema Corte não faz, o que não pode e nunca deve fazer é legislar, seja no Brasil, seja nos Estados Unidos
O ato de um tribunal constitucional fazer leis seria, por definição, antidemocrático. Nenhum dos juízes da Suprema Corte no Brasil ou nos Estados Unidos foi eleito por ninguém. 
Se os autoproclamados “defensores da democracia” se importassem, de fato, com a democracia e quisessem que seus princípios fossem protegidos, eles exigiriam que todas as leis fossem aprovadas apenas por legislaturas eleitas.  
Sou abertamente contra o aborto por questões éticas,cristãs e científicas, mas o ponto principal aqui é que não importa o que você pensa sobre o aborto ou qualquer outra questão específica: em uma democracia, os eleitores têm a palavra final sobre como são governados. Isso é o que significa democracia.
 
Depois de quase meio século, os eleitores norte-americanos finalmente tiveram seus direitos restaurados sobre a questão do aborto. Se eles apoiam, podem votar pela sua legalização. Se eles não apoiam, podem votar para proibi-lo. Simples e como o sistema deve funcionar não sendo uma monarquia ou uma tirania do judiciário. Então, qual é o argumento contra isso? Bem, não há um. 
A ira previsível dos ativistas que odeiam a vida e as leis é compreensível, mas exagerada
O aborto não é agora proibido em todo o país. 
Em alguns Estados, o aborto será permitido com poucas ou nenhuma restrição. 
Em outros lugares, ocorrerá exatamente o oposto. 
Se os cidadãos não gostarem das regras em seus respectivos Estados, eles são livres para alterá-las, expressando seu descontentamento nas urnas e elegendo novos representantes. É assim que a democracia funciona em uma república constitucional.
 
Foi preciso coragem para os membros da alta corte se manterem firmes diante das ameaças de violência e assédio que aumentaram de forma alarmante após o vazamento desprezível do documento da possível opinião há algumas semanas. Os protestos em frente às casas dos juízes foram uma tentativa ilegal de influenciá-los indevidamente com intimidação e ameaças. O procurador-geral da administração Biden, Merrick Garland, não tomou nenhuma medida para fazer cumprir a lei que torna crime obstruir um processo judicial em andamento. 
Os três juízes que se opuseram à decisão nem se preocuparam em apresentar um argumento legal a favor da manutenção de Roe v. Wade. Em vez disso, fizeram uma vergonhosa birra ad hominem. A certa altura, os três indicados pelo Partido Democrata, Kagan, Breyer e Sotomayor, avisaram que o perverso e diabólico Clarence Thomas, juiz conservador e negro, planeja, na verdade, proibir o casamento inter-racial. Clarence Thomas é casado com uma mulher branca.

Mas o ápice da hipocrisia foi a retórica da “autonomia corporal”, algo que, na verdade, somos fortemente a favor. Embora o contexto não se aplique ao aborto, já que estamos falando de duas vidas e dois corpos, os mesmos juízes que votaram a favor da manutenção do aborto por questões de “privacidade médica” votaram a favor de vacinas experimentais obrigatórias para milhões de norte-americanos, violando assim sua autonomia corporal. Os mesmos políticos e ativistas que hoje esperneiam sobre privacidade entre médicos e pacientes forçaram — durante dois longos anos — a publicidade de prontuários médicos de estudantes, funcionários e milhões de cidadãos norte-americanos durante a pandemia.

Se os norte-americanos querem criar um direito nacional ao aborto, eles podem fazê-lo redigindo, aprovando e ratificando uma emenda constitucional

E, claro, não houve surpresa alguma no fato de que o presidente Joe Biden rapidamente [confira aqui: Joe Biden revela plano de ação de aborto em 5 etapas para matar bebês “na maior extensão possível”.] tenha aproveitado a oportunidade para desencadear o frenesi político para obter ganhos partidários.  
Diante de câmeras e microfones nesta semana, ele afirmou que a reversão de Roe foi culpa do ex-presidente Donald Trump (Yes, indeed! Amem!), que cumpriu sua promessa de campanha e indicou três juízes conservadores e constitucionalistas para a corte, prometendo a volta ao respeito à Constituição norte-americana.
 Biden pediu a todos que votem nos democratas nas eleições de meio de mandato em novembro, os midterms, em que seu partido está enfrentando uma perda drástica de controle na Câmara e no Senado. 
 Biden, indignado, insistiu que a Suprema Corte “tirou um direito constitucional fundamental”, embora o tribunal tenha determinado que tal direito nunca existiu em nenhum lugar da Constituição. Mas, para um presidente que precisa de instruções escritas em cartões como “primeiro você vai até seu assento; depois você cumprimenta todos…”, explicar que um direito imaginário não pode ser anulado é pedir demais.

O ex-presidente Barack Obama também não perdeu a oportunidade de estar sob os holofotes. Com a retórica inflamada e o narcisismo latente de sempre, declarou com desdém que a decisão da Suprema Corte agora fará com que a lei seja relegada aos “caprichos de políticos e ideólogos” nos Estados. Obama, do alto de seu pedantismo, pode menosprezar o serviço público de pessoas eleitas pelo povo quanto quiser — ignorando que ele próprio foi uma dessas pessoas —, mas é assim que a democracia representativa funciona.

Se os norte-americanos querem criar um direito nacional ao aborto, eles podem fazê-lo redigindo, aprovando e ratificando uma emenda constitucional. Nada os impede, exceto a vontade de agir de acordo com suas convicções, trabalhando em alternativas dentro de seus Estados para aprovar leis que reflitam seus pontos de vista. Até lá, os cidadãos devem respeitar a decisão da Suprema Corte, que finalmente, embora tardiamente, restaurou os princípios constitucionais da nação mais livre do mundo. Home of the free because of the brave (O lar dos livres, por causa dos bravos).

Leia também “Um homem brilhante”

Ana Paula Henkel, colunista- Revista Oeste


sexta-feira, 29 de abril de 2022

A pior sofística tornou Lula reelegível - Sérgio Renato de Mello

Numa extensão temporal antes de Cristo (até 500 anos), Sócrates, Platão e Aristóteles, que dispensam apresentação, disputavam com os sofistas conhecimento, sabedoria, verdade e, por fim, virtude. Não que todos os sofistas buscavam isso. O que eles queriam mesmo era o pagamento pelas aulas que davam. Virtude e felicidade vinham em segundo plano ou disfarçadas pela retórica enganadora deles, como certos advogados e políticos de hoje, que relativizam em nome de um sonho, uma utopia, uma vida melhor. 

Alguns sofistas se destacaram. Eles pensavam alto, sim, como os filósofos. Era o trigo no meio do joio. Foi preciso que mentes mais elevadas surgissem para além do debate botequeiro, fantasioso, fraudulento e interesseiro. Só a reflexão individual desinteressada ou o diálogo humilde e cortês levava à virtude, bem pretendido naquela cultura.

Esta assombrosa realidade veio também para os julgamentos por atos delituosos daquela época. 

Certo da injustiça da acusação de ateísmo e sedução de jovens que pesava contra Sócrates e indignado com seu julgamento, Platão escreveu a seguinte carta:

"Outrora, na minha juventude, experimentei o que muitos jovens experimentam. Planejara, assim que alcançasse minha independência, começar imediatamente a participar dos assuntos públicos. Então aconteceram alguns incidentes com relação a esses assuntos. Como nossa Constituição do Estado estivesse sendo alvo de muitas críticas, ela estava sofrendo reformulações. Essa reformulação era conduzida por cinqüenta e um homens, que atuavam como seus autores […]. Ora, ocorria que alguns desses homens eram meus parentes ou conhecidos, e eles solicitaram que eu tomasse parte imediatamente nos negócios do Estado naquilo que me fosse pertinente. Como isso ocorresse na minha juventude, não causou espanto. Eu acreditava, no entanto, que eles administrariam o Estado de maneira que o conduzisse de uma situação de injustiça a uma forma de vida justa, de modo que aguardava sua deliberação com grande expectativa. Logo percebi, porém, que esses homens em pouco tempo faziam o antigo estado de coisas parecer uma idade de ouro. Entre outras coisas, enviaram Sócrates, um velho e caro amigo, que não hesito em declarar o homem mais justo daqueles que então viviam, acompanhado de outros, a um cidadão, com a intenção de levá-lo à força à execução ele [Sócrates] não lhes deu ouvidos, preferindo expor-se aos piores perigos a tornar-se cúmplice de ações criminosas. Em vista dessas coisas e de outras semelhantes e não menos importantes, indignei-me e afastei-me do mau regime de então.

Não muito tempo depois, porém, o mandato dos Trinta sofreu um duro golpe e, com ele, toda a Constituição do Estado. Senti então novamente, embora menos entusiasmado, o desejo de participar dos assuntos coletivos e políticos. Também aqui, em conseqüência da confusão, aconteceram coisas capazes de despertar a indignação […l. Infelizmente, algumas pessoas poderosas arrastaram diante dos tribunais nosso […] amigo Sócrates, levantando contra ele uma acusação das mais graves e no mínimo imerecida: alguns o acusaram de ateísmo, outros o consideraram culpado e executaram um homem que não quisera participar da detenção criminosa de um de seus amigos, outrora […] banido. A medida que voltava minha atenção para isso e para os homens que conduziam a política, e também para a boa educação e as leis, e quanto mais eu me entregava a essas observações e também avançava em idade, mais me parecia difícil a condução dos negócios do Estado; […] de tal modo que eu, antes cheio de ardor para trabalhar para o bem público, considerando tudo isso e vendo a comunidade sob todos os aspectos em completa desordem, acabei ficando aturdido e, apesar de não desistir de pensar […] num modo de melhorar a administração como um todo, esperando sempre o momento oportuno para agir, finalmente compreendi que todos os Estados atuais são mal governados [ I Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer a justiça nos assuntos públicos e individuais e que, portanto, as dificuldades do gênero humano não cessarão antes que a cooperação dos puros e autênticos sábios chegue ao poder ou que os chefes por aça divina, ponham-se de fato a filosofar" (disponível na excelente obra História da filosofia, de Christoph Helferick).

Sócrates insistia em perguntas que ele sabia sem respostas por amor a um método próprio dele, contrariando os sofistas, que, enganosamente, tinham respostas para tudo. Sócrates perguntava, fazia pensar, pensar, e depois não respondia. Não respondia não porque era ignorante. Não respondia porque a pergunta não tinha resposta. Conceitos importantes, como “virtude”, até hoje, são impossíveis de responder. Todavia, mesmo acabando em nada seus questionamentos, o Oráculo de Delfos o elegeu o homem mais sábio. Eu o chamo de O rei da aporia.

Por certo que isso irritava os sofistas e demais influentes da época.

Lendo a carta de Platão e analisando o julgamento de Sócrates lembro do julgamento da história do Brasil, envolvendo Lula.

No Brasil, em tempo de eleições presidenciais, a pergunta que desassossega corações e mentes é quem vencerá o certame. Pesquisas para lá de suspeitas apontam Lula na frente.

Se Sócrates usava a maiêutica (uma homenagem à sua mãe parteira) como arte de parir uma verdade, o judiciário brasileiro de mais de dois mil anos depois aborta uma falsidade, uma mentira. O STF tornou possível a elegibilidade de um condenado criminal, sem a etiqueta da culpa nos autos, mas com o certificado de corrupto na testa. Lula não é inocente nem aqui nem na China. Esta é a certeza que emana do coração de uma realidade clara e indiscutível.

No que o Supremo Tribunal Federal acreditou para anular o processo de Lula e trazê-lo ao mundo novamente? Peguei o costume socrático de perguntar sempre. Mas, aqui, acredito que temos a resposta, e ela não é nada convincente.

O STF, o moderador brasileiro por escolha própria, ou seja, sem voto, deve ter ouvido de algum oráculo por aí que os seus ministros são os homens mais sábios que existem e que Luis Inácio Lula da Silva é o melhor e fará realizar o sonho da utopia da felicidade (que, nos dias de hoje, equivale a impedir Bolsonaro de se reeleger). E eles acreditaram. A soltura de Lula é prova disso, pelo que constou do habeas corpus n. 193.726.

A mera anulação e soltura deu a impressão de que Lula não roubou o povo. Pura mentira. O povo tem esta representação do que aconteceu, uma ideia, uma imagem, é tudo, e é suficiente para desmistificar o Luladrão. 

Só restou ao povo brasileiro lamentar os “bons” advogados de Lula e os iluminados ministros do Supremo Tribunal Federal, todos unidos e crentes que Lula é a melhor solução para o Brasil. 
Lula é a medida de todas as coisas! Bradam eles, em imitação bem grosseira a Protágoras, o maior sofista contemporâneo das grandes mentes da antiguidade.

E, ainda, os sofistas podem contar com mais ajudantes nesta busca das “verdades”, a classe jornalista e certos “institutos de pesquisa”.

Se a conclusão das tais pesquisas estiver certa, uma verdade surge, enfim: a humanidade não evoluiu nada e a felicidade está cada vez mais longe de cada um de nós.

 Sérgio Renato de Mello  - O autor é Defensor Público de Santa Catarina


terça-feira, 14 de junho de 2016

O estupor que não existiu? o sexo grupal que saiu de controle?

Delegada vai pedir a anulação da prisão de dois suspeitos do estupro coletivo no Rio

Eles são investigados por divulgarem nas rede sociais o vídeo em que a vítima aparece desacordada e nua, o que não justifica a prisão temporária, segundo a delegada

A delegada Cristiana Onorato Bento, que investiga o caso de estupro da adolescente de 16 anos no Rio, disse nesta segunda-feira que pedirá a revogação da prisão temporária de dois suspeitos de participar do crime. De acordo com a titular da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), não foram descobertas provas contra Marcelo da Cruz Miranda Correa, de 18 anos, e Michel Brasil da Silva, de 20, em relação ao estupro.

Os dois suspeitos, que estão foragidos, são suspeitos de divulgar em redes sociais vídeos em que a vítima aparece desacordada e nua. "Isso [a revogação das prisões, no caso de a Justiça concordar com a delegada] não vai impedir que eles continuem sendo investigados e sejam condenados na esfera penal por espalhar esses vídeos. Mas este crime não justifica uma prisão temporária", disse ela.

A delegada afirmou que já tem provas suficientes para indiciar pelo crime de estupro os acusados Raí de Souza, de 22 anos; Raphael Belo, de 41 anos, e os traficantes Perninha e Moisés de Lucena, o Canário. Raí foi reconhecido pela bermuda que vestia em uma filmagem, feita em seu celular. Raphael fez a selfie com a adolescente nua e tocou em suas partes íntimas nas filmagens. Canário foi reconhecido pela vítima. Perninha, cujo nome não foi revelado pela delegada, teria sido o responsável pelas gravações. Policiais disseram já ter pistas de seu paradeiro.

Com Estadão Conteúdo