Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Platão. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Platão. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

“A Negação da Morte” faz 50 anos: Ernest Becker e o Projeto Imortalidade

A imortalidade — para Becker entendida como o desejo de um mundo perfeito — obriga o ser humano a planejar e executar grandes projetos e grandes aventuras, para deixar sua marca no mundo. Fazer isso inevitavelmente leva ao conflito. A maior parte do mal que fazemos a nós mesmos e à Terra resulta do conflito de projetos rivais de imortalidade. Se estivesse vivo hoje, Becker poderia notar que as tensões geradas pelo declínio da nossa civilização judaico-cristã e a ascendência pós-moderna (a nova ordem mundial e “o Grande Reset”) serviriam como um exemplo disso.
Os antigos perceberam que a consideração da nossa mortalidade é o início da sabedoria. Na 'Apologia de Sócrates', Platão enquadra a questão em termos simples:

"A morte é uma de duas coisas. Ou é a aniquilação, e os mortos têm apenas um sono sem sonhos, ou, como nos dizem, é realmente uma mudança — uma transferência da alma deste lugar para outro. Mas o que é, só Deus sabe."

A nota de rodapé pós-moderna à afirmação de Platão pode ser melhor resumida pela vida e obra do antropólogo cultural americano Ernest Becker. No seu livro 'A Negação da morte' (lançado no Brasil pela Editora Record), vencedor do Prémio Pulitzer de 1973, Becker sintetizou e expandiu uma longa tradição de filosofia existencial e psicologia humanística que identificou a morte — entendida como aniquilação — como “o verme no âmago” da psique humana. O seu livro também despertou um renovado interesse acadêmico no “medo da morte” como um motor fundamental da ação humana.

Segundo Becker, a tensão gerada pelo nosso instinto de autopreservação, por um lado, e a inevitabilidade da nossa morte, por outro, provoca uma crise profunda. Se não resolvermos esta crise e, em vez disso, reprimirmos os pensamentos de morte, o resultado será uma corrosiva “ansiedade de morte”. Esta “ansiedade da morte” leva algumas pessoas a um terror paralisante e outras a uma procura vigorosa de estratégias de sobrevivência. Neste contexto significa construir sistemas sociais cujo objetivo é superar o pavor da aniquilação pessoal, facilitando assim a nossa negação da morte.

Becker diz que buscamos uma imortalidade pessoal simbólica através de visões de mundo culturais que oferecem significado, soluções que oferecem esperança de uma existência além do aqui e agora. Estes “projetos de imortalidade” são uma forma de “lutar pelo heroísmo”, participando em atividades que nos levam a acreditar que somos algo mais do que o nosso corpo físico, alguém que não vai simplesmente desaparecer. A falha em negar a morte através de alguma conquista heróica leva a níveis debilitantes de estresse, ansiedade e, eventualmente, ao desespero. Becker escreve:

"Buscamos um substituto para a imortalidade sacrificando-nos para conquistar um império, para construir um templo, para escrever um livro, para estabelecer uma família, para acumular fortuna, para promover o progresso e a prosperidade, para criar uma sociedade da informação e um mercado livre global. Dado que a principal tarefa da vida humana é tornar-se heroico e transcender a morte, cada cultura deve fornecer aos seus membros um intrincado sistema simbólico que seja secretamente religioso. Isto significa que os conflitos ideológicos entre culturas são essencialmente batalhas entre projetos de imortalidade, guerras santas."


Já se passaram cinquenta anos desde a publicação do trabalho de Becker, e é inegável que muitos estudiosos contemporâneos construíram carreiras com base no desenvolvimento de sua premissa de que a motivação básica para o comportamento humano é a necessidade de controlar o terror que resulta da descoberta de que um dia deixará de ser.



Seis anos após a publicação de 'A Negação da Morte', o psiquiatra de Harvard Robert Jay Lifton publicou 'Broken Connections: On Death and the Continuity of Life' [Conexões perdidas: Sobre a Morte e a Continuidade da Vida, sem edição em português], sua tentativa de explorar o lugar da morte na imaginação humana. Ele descreveu seu propósito da seguinte forma:

"O espírito da obra é capturado numa parábola da reinterpretação judaica da história de Adão e Eva contada por Nahum Glatzer. De acordo com Glatzer, aquela descrição do homem e da mulher sendo expulsos do Jardim do Éden não era uma “queda”, mas uma “ascensão”. Significava “tornar-se humano”, isto é, “renunciar à imortalidade pelo conhecimento”. Pois tornar-se humano significava renunciar à ignorância da morte (o estado dos outros animais) e à expectativa de viver para sempre (uma prerrogativa exclusiva de Deus). “Conhecimento”, no nosso sentido, é a capacidade da imaginação simbolizadora de explorar a ideia de morte e relacioná-la com um princípio de continuidade da vida — isto é, a capacidade para a cultura. A parábola descreve, portanto, uma troca da imortalidade literal pela simbólica."

Este livro é o culminar do interesse acadêmico de Lifton pela morte, que começou com exames psicológicos de atos flagrantes de violência durante a Segunda Guerra Mundial — aqueles perpetrados por médicos nazistas em prisioneiros e pelo governo dos EUA na população de Hiroshima — eventualmente tentando conectar a guerra e violência com o medo subconsciente da morte. Lifton observou que uma “marca de morte” poderia ser encontrada nos sobreviventes dessas atrocidades, sugerindo que o testemunho repetido e de perto da morte e da destruição gerava imagens vívidas e indeléveis da morte em suas mentes, imagens que eles eram forçados a enfrentar a cada momento da morte. a vida deles.

O ilustre psiquiatra da Universidade de Stanford e ateu professo Irvin Yalom entendia a morte como uma obliteração existencial e a identificou como um dos quatro principais desafios que assombram a vida diária dos seres humanos. Os outros, afirmou ele, são o isolamento ou a solidão, a experiência da ausência de uma estrutura externa (uma experiência que chamou de “liberdade”) e um mundo de significado incerto. Yalom acreditava que a maior parte das doenças mentais resulta da incapacidade de gerir ou enfrentar um ou mais destes desafios, uma impotência que acabaria por levar à inação, à inautenticidade, ao medo da mudança, à estagnação e a um sentimento cada vez mais profundo de falta de sentido. Por outro lado, tentar extrair significado de uma existência terminal e sem sentido apresenta os seus próprios desafios: um beco sem saída que facilmente se transforma em niilismo e desespero.

Tal como Becker e Lifton, a psicoterapia existencial de Yalom está enraizada no trabalho dos filósofos existenciais do século XIX, Kierkegaard e Nietzsche, pais de um movimento que se rebelou contra a tradição de procurar ordem e estrutura no mundo. Eles sugeriram que, como humanos, cabe a nós encontrar significado num universo que é em grande parte sem sentido, abraçar a nossa existência sem sentido e usar a nossa vontade para escolher e cumprir o nosso próprio propósito.

Em 1986, três psicólogos sociais americanos — Tom Pyszcznski, Sheldon Solomon e Jeff Greenberg — publicaram a sua “teoria da gestão do terrorismo” inspirada no trabalho de Becker e Yalom. Eles postularam que uma consciência reprimida da morte e o medo da aniquilação são as causas profundas da maioria dos conflitos sociais atuais. Sua teoria inspirou uma ampla corrente de pesquisa empírica nas ciências sociais e na psicologia que continua até hoje. O apoio empírico à “teoria da gestão do terrorismo” a partir de experiências realizadas durante a década de 1990 ofereceu dados concretos em apoio às ideias de Becker. Centenas de estudos e milhares de artigos foram publicados desde 1986, muitos propondo que a religião é simplesmente uma forma de adotar uma visão de mundo cultural que aspira alcançar a imortalidade simbólica. As culturas, que geralmente se baseiam em reivindicações religiosas, coletivizam o medo e a solidão individuais num exercício comunitário. O medo da “obliteração existencial” leva-nos a inventar Deus e um além como forma de lidar com o nosso inevitável desaparecimento.

Ernest Becker começou sua carreira acadêmica como ateu professo, mas não era inimigo mortal da religião. Tal como Platão, ele sugeriu que a razão e a ciência não podem dar-nos as respostas que procuramos quando confrontamos a morte. Ele concluiu 'A Negação da Morte' afirmando que por trás do anseio humano, por trás do nosso medo da aniquilação, havia uma força motriz: um mistério que não poderia ser ordenadamente ordenado e racionalizado pela ciência e pelo secularismo.

Um ano depois, em sua obra 'Spectrum of Loneliness' (sem edição no Brasil), Becker escreveu: “A existência de alguém é uma questão que deve ser respondida. E a resposta nunca pode vir de si mesmo. Uma vida só pode ser validada por algum tipo de ‘além’ que a explica e no qual está imersa.” Publicada no ano da sua morte, a obra parece pontuar o curso da transformação pessoal de Becker, de ateu a crente.

A vida de Becker terminou em 6 de março de 1974, aos 49 anos, mas não antes de ele poder dar uma entrevista no leito de morte ao filósofo e acadêmico Sam Keen para a revista Psychology Today. Becker iniciou a conversa dizendo: “Bem, agora estou no extremo e você pode ver como um filósofo morre”. Ele passou a professar explicitamente sua crença em Deus:

"Eu gostaria de insistir que meu despertar para o divino teve a ver com a perda da armadura do caráter. Para a criança, o processo de crescimento envolve um mascaramento de sentimentos e ansiedades pela criação de armaduras de caráter. Como a criança se sente impotente e muito vulnerável, ela tem de reforçar o seu poder ligando-se a outra fonte de poder. Eu vejo isso em termos de circuito elétrico. Pai, mãe ou a ideologia cultural tornam-se sua fonte de poder inconsciente. Todos nós vivemos por poderes delegados. Somos totalmente dependentes de outras pessoas. No colapso da personalidade, o que se revela à pessoa é que ela não é ela mesma."

Trinta e dois anos depois da entrevista com Becker, Keen reconheceu o poderoso impacto que essa conversa no leito de morte teve sobre ele. “Nunca deixei de me emocionar com isso(...) Ele era um homem que pensava com tudo dentro dele, tudo dentro dele. Não havia nada de diletante nele, não havia nada de jogador acadêmico”, lembrou. “Ele pensou com a vida.”

Assim, parece que para Becker — e esperamos que para todos nós — o fim da vida pode envolver uma verdadeira iluminação: uma percepção clara de que a morte pode não ser o fim e, na verdade, pode ser o começo. A experiência de morte de Becker envolveu uma recuperação da inocência perdida, um “crescimento” para se tornar uma criança. Ele descobriu que a inocência é recuperada ao abandonarmos a armadura protetora que criamos para nós mesmos através do medo e da ansiedade, provocada, talvez, por uma incapacidade de reconhecer a nossa vulnerabilidade radical e a dependência total dos outros.

Ao aceitar o fato de que não pertencemos a nós mesmos, que não somos “nossa própria pessoa”, podemos descobrir que a responsabilidade pela nossa dignidade, tanto na vida como na morte, pertence a Deus e aos outros, tal como acontece com as nossas próprias escolhas. O reconhecimento da vulnerabilidade e da dependência humanas pode muito bem ser o antídoto para o medo e a ansiedade que estão na origem da negação moderna da morte.

  “O fim da vida pode envolver uma verdadeira iluminação: uma percepção clara de que a morte pode não ser o fim e, na verdade, pode ser o começo.

Jose A. Bufill é um médico oncologista com 30 anos de experiência cuidando de pacientes com câncer e educando profissionais médicos em níveis de graduação e pós-graduação. Seu interesse de pesquisa é em genética clínica do câncer. Seus artigos de opinião apareceram em meios de comunicação americanos e internacionais, incluindo o USA Today, o Chicago Tribune, o Philadelphia Inquirer e outros. Bufill é o fundador e presidente da Bur Oak Foundation, uma iniciativa educacional que apoia a Universidade de Michigan por meio de bolsas interdisciplinares que exploram o que significa ser humano.

Jose A. Bufill, médico oncologista - Gazeta do Povo - Ideias 



domingo, 29 de outubro de 2023

O preço da omissão - Percival Puggina

        Faça o teste: pense em um bem não material pelo qual você tenha apreço e verifique se ele não é combatido por esquerdistas e comunistas, ou seja, por gente de mentalidade revolucionária que se diz “progressista”. Depois, pense em algo útil à ascensão social dos mais necessitados e me diga: as mesmas facções políticas que combatem seus valores e seus bens culturais e espirituais, não atacam tudo que proporciona prosperidade material e desenvolvimento social – liberdade, empreendedorismo, combate às drogas e à criminalidade, abertura de horizontes?

Você sempre os verá em salas de aula à moda Paulo Freire, olhos postos no coletivo, na instrução de militantes da classe ou da causa, sejam elas quais forem. Por isso, o Programa Nacional de Educação está convocando para 28 a 30 de janeiro, em Brasília, a conferência “Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para garantia da Educação como direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”.

Fala sério! “Política de Estado”? “Justiça social”? “Desenvolvimento socioambiental”? E as nossas crianças e jovens? E sua formação? 
E o desenvolvimento proveitoso das potencialidades individuais para o bem deles mesmos, de suas comunidades e do país? 
Perceberam o quanto isso é atirar o futuro aos cães, para colocar todo o aparelho educacional a serviço do palavrório ideológico e dos interesses de um partido político e seus anexos? 
Quanto isso é igual ao que acontece em Cuba!

Platão dizia que a mentira é mãe de todos os vícios, mas deveria abrir espaço para apontar a omissão dos cidadãos como vício da tolerância perante os males proporcionados pelo Estado.

Pensando sobre o tamanho de nossa omissão, dei-me conta, outro dia, de ser ela uma das causas para que tantos congressistas, uma vez eleitos, saltem olimpicamente sobre os compromissos assumidos perante os eleitores e se bandeiem para a porta do Tesouro Nacional. Representantes de eleitores omissos, omissos serão, ora essa!

O Brasil tem 150 milhões de eleitores. 
Mesmo em nossas mais impressionantes manifestações levadas a cabo entre 2019 e 2022, quando cerca de seis milhões de cidadãos saíram às ruas e praças do país, 144 milhões assumiram que aquilo não lhes dizia respeito. 
Para cada patriota de verde e amarelo, outros 96 ficaram em casa assistindo futebol. 
No pleito de 30 de outubro do ano passado, 32 milhões de eleitores se abstiveram, 3,9 milhões anularam o voto e 1,7 milhão votou em branco.

A inércia que observamos no Congresso não é diferente da que vejo na sociedade. Por isso, a tarefa mais urgente das organizações liberais e conservadoras em formação no país deve ser a conscientização sobre as sinistras evidências dos males em curso. E a definição, em cada comunidade, das formas legítimas de ação social, política e cultural.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Início do fim - Luiz Philippe de Orleans e Bragança

Vozes - Gazeta do Povo

 
Ruínas da antiga civilização grega, em Atenas.| Foto: Martin Cigler/Wikimedia Commons

Há diversas maneiras de contar a história. Uns seguem o caminho da sequência de fatos, outros, das narrativas anacrônicas de conflito de classes, e um terceiro grupo prefere as teorias de ciclos
Este último grupo, menos conhecido, é dos mais antigos. 
Desde Platão, vários autores descrevem a história das civilizações analisando ciclos. O desafio é explicar como eles se repetem para que sejam considerados como tal, e não mera suposição.

A despeito do tempo de vida de cada observador, curto demais para o acompanhar o longo período de um ciclo, Oswald Spengler, em seu livro "O Declínio do Ocidente", de 1918, conseguiu prever, ao analisar ciclos históricos de longuíssimo prazo, situações políticas que acontecem nos tempos atuais. Igualmente, meu livro, “Por que o Brasil é um país atrasado?", no capítulo “Sucessão de Oligarquias”, menciona o Kyklos de Platão, que foi aprimorado por Políbio, e um ciclo menor, brasileiro, que se formou durante as tentativas de se estabelecer repúblicas ao longo do século 20, e que só resultaram na alternância de poder entre governos populistas e oligárquicos.

Há um padrão que se repete no início e no final das cinco grandes etapas históricas nos últimos 2.500 anos e pode servir de prelúdio para nosso futuro. Entendê-lo é relevante para compreender o momento atual e o caminho a tomar.  Em síntese, o início de cada ciclo é virtuoso e o fim, repleto de vícios:

Primeiro Ciclo: O início do primeiro ciclo é caracterizado pela formação da cultura grega no Peloponeso e da cultura etrusca na península itálica por volta do século 10 a.C. Foram criadas as primeiras cidades-estado e também surgiram os primeiros reis e tiranos. O final dessa etapa ocorre 400 anos depois, no século 6 a.C, tanto em Atenas quanto na península itálica.  
Os atenienses se revoltaram contra a tirania de Iságoras, um magistrado corrupto e imoral, que servia mais aos Espartanos que aos Atenienses, e instauraram a democracia. 
Em Roma, os fazendeiros se levantam contra os monarcas etruscos que, hedonistas e entorpecidos por sua superioridade cultural, abusavam de seu poder.  Os fazendeiros romanos revoltosos de então criam uma república.
 
Segundo Ciclo: A República Romana, formada inicialmente por fazendeiros que, contrários a qualquer concentração de poder, formaram um senado de patrícios com dois cônsules eleitos anualmente. O sistema era firmemente calcado em valores marciais, sendo que quase todos os senadores haviam lutado nas batalhas contra os reis etruscos. A República Romana cresceu e incorporou Atenas e demais cidades do Peloponeso, além de vastos territórios na península itálica e Europa. Entretanto, 400 anos depois, o senado já não era mais o mesmo. 
Os patrícios se tornaram a minoria e a maioria era de senadores corruptos e distantes dos valores que formaram a república. Os senadores negavam pagamento aos exércitos e não se importavam com o bem comum; usando seu status e poder em benefício próprio.  Levantes populares e tentativas de golpe se tornaram constantes e a república se tornou oclocracia (governo de facções).

    Em síntese, o início de cada ciclo é virtuoso e o fim, repleto de vícios

Terceiro Ciclo: Eis que em 27 a.C surge um líder para restabelecer os valores da República Romana: Otaviano. Ele se transforma no Primeiro Imperador Romano por aclamação das diversas facções. Por ironia, ele era um “imperador republicano”, que não se considerava imperador, mas sim o primeiro cidadão ou “princeps” – incutindo este título como valor primordial do Império Romano.  Ele inicia um ciclo virtuoso restabelecendo a estabilidade, a separação de poderes entre senado e imperador e a integridade das instituições. Adicionalmente, acabou com o patrimonialismo, moralizou o senado, extirpou os agentes corruptores, iniciou grandes obras e campanhas militares unificando o império e estabelecendo diretrizes de conduta dentro do sistema imperial que perduraram por vários séculos.
Ao final desse ciclo, houve a ascensão do Cristianismo e seu efeito subversivo do modelo imperial romano. O status quo era calcado firmemente nos deuses romanos e rituais que unificavam e amarravam o sistema de confiança, historicamente reforçado em torno do senado, dos cônsules e dos imperadores romanos, da Pax Romana e da lei e civilização romana como um todo.  
Uma vez que o cristianismo substituiu os valores de base dos romanos no século 4 d.C., toda a organização romana entrou em colapso; enfraqueceu-se, corrompeu-se e dividiu-se. Os poderes institucionais passaram a apelar por líderes tirânicos; antíteses dos valores institucionalizados por Otaviano. Foi no período do “Dominato”, conceito oposto ao de “Princeps”,  que se caracterizou a tirania do imperador Diocleciano, o último imperador que precedeu a divisão do império, a perseguição aos cristãos e a invasão dos bárbaros germânicos, causando o fim do Império Romano Ocidental.
 
Quarto Ciclo: Do declínio do terceiro ciclo emerge uma onda criadora, uma nova primavera civilizacional: a dos reinos cristãos. Era o século 5 d.C, início da Idade Média. Nessa era que durou mais de mil anos surgem os mitos e valores cristãos, os reis, seus títulos e territórios abençoados pela Igreja, a expansão da cristandade e das grandes conquistas de territórios além-mar e o nascimento dos Impérios. Em contrapartida, ao final desse ciclo, novos valores foram introduzidos por meio da burguesia e de levantes populares. 
A revolução Gloriosa, na Inglaterra, no século 17 e as revoluções norte-americana e francesa no século 18 vieram para materializar ideias nascidas nos séculos anteriores, antagônicas àquelas formadoras das monarquias tradicionais: a representação por voto popular, e não por unção divina ou por herança. Um governo estabelecido por leis escritas e aceitas, e não por costumes e tradições. A substituição da fé e das crenças por lógica e raciocínio.

É evidente que essas revoluções minaram os valores cristãos do antigo regime, entretanto, a decadência total do Reinos Cristãos foi protagonizada por Napoleão, um usurpador jacobino que tiranizou toda a Europa, invadiu reinados, aprisionou reis e coroou-se imperador usando os mesmos rituais cristãos reservados a famílias reais fundadoras. Napoleão falsificou sua legitimidade fazendo com que todas as instituições e sociedades europeias aceitassem seus títulos, e de seus familiares, como se sempre tivessem pertencidos a nobreza. Os reinados cristãos ocidentais que sobreviveram nunca mais foram os mesmos.

Quinto Ciclo: Nessa etapa, o modelo republicano surge legitimado por constituições, pela separação e limitação de poderes, pela proteção dos direitos dos cidadãos e pela representação democrática pelo voto. No cerne dos fundamentos da república surge a figura do cidadão; indivíduo livre, nato com direitos universais, que elege os melhores dentre seus pares para representá-lo. Nesse início virtuoso, observou-se a expansão da propriedade privada, das instituições públicas, do direito, do livre mercado e do comércio global.  Há a valorização da nação, do bem comum e da civilização com o despertar da cidadania.

Hoje estamos no final desse ciclo. 
Vemos a petrificação das sociedades pela burocracia, o surgimento de grandes metrópoles e sistemas tecnológicos de controle; baixa fertilidade, antagonismo entre a vida rural e a urbana, crises políticas e desconfiança da tecnologia e dos sistemas políticos. Cidadãos foram convertidos em massa consumidora. Representantes da sociedade se transformaram em tiranos. Mais uma vez, assim como Napoleão marcou o fim do antigo regime, o deboche está cada vez mais evidente marcando o final do 5º ciclo: a eleição de criminosos corruptos no comando absoluto de cidadãos.

O Brasil recentemente elegeu seu equivalente a Isagoras de Atenas, Diocleciano de Roma ou Napoleão da Europa. Isso marca o fim da nossa 7ª república.  Mas esse fato não é isolado, pois ocorre o mesmo em todo sistema político que compartilha da mesma história descrita acima: na América Latina, assim como na América do Norte e Europa, esse padrão se repete: um títere tirânico e corrupto é eleito para controlar os cidadãos e servir a interesses externos. Biden, Macron, Trudeau e vários líderes da atualidade validam esse padrão.

Estamos no final desse 5º ciclo e início de um outro, mas qual será a nova etapa? Já vemos brotando algumas opções: de um lado, uma tirania tecnocrática, anônima, liderada por fantoches visíveis que controlam todas as sociedades através da tecnologia. Essa possibilidade já está em curso com diferentes graus de avanço em vários países.

Entretanto, há outro movimento que também cresce: a revolta da cidadania contra a tecnologia, contra os sistemas políticos, contra a supressão da família, da fé, da nação e das liberdades.  Essa antítese cresce à medida que a tirania tecnológica avança.  Como um teórico da conspiração certa vez afirmou, “à medida que nos aproximarmos da singularidade, do comando central absoluto, atingiremos também o ponto de maior resistência e antagonismo ao regime totalitário, o que pode engatilhar uma grande diáspora, um novo ‘big bang’ anti-totalitário, pela liberdade”.


De volta ao nosso Brasil, acreditarei mais nessa última possibilidade quando voltar a ver a mobilização do povo nas ruas e nas redes sociais, agindo contra a criação dos pilares da nova ditadura.  
Só uma sociedade organizada consegue derrubar a tirania e encurtar o período de decadência total, como pode ser verificado ao longo da história. Mas para que isso aconteça precisamos de mais cidadãos com consciência do momento em que vivemos.  
Henry Kissinger, em entrevista sobre como evitar ou encurtar as etapas negativas dos ciclos, disse:  “para reverter uma tendência é necessário mais que uma proclamação; é importante compreender qual é a tendência para que se consiga revertê-la.”  Eu sei o que está por vir se a sociedade não se organizar e voltar se mobilizar, e você?

Veja Também:

    Perdido na política externa

    Armadilha: 15 razões para rejeitar a reforma tributária do governo

    O “calabouço” do mal

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Luiz Philippe Orleans e Bragança, deputado federal - coluna na Gazeta do Povo - VOZES

 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Nada fora da lei, nada contra a lei! - Percival Puggina

Certas reações da imprensa e de algumas instituições públicas e privadas ao manifesto que a Sociedade de Engenharia do RS (SERGS) dirigiu ao Presidente da República mostram o grau de subserviência ao arbítrio que se instalou em nosso país. Certas pessoas não só se acomodaram ao cabresto como parecem fazer questão de colocá-lo nos demais. E juram estar movidos pela melhor das intenções. Platão, há alguns dias, já havia abordado o tema.  

Essa reação talvez seja a melhor evidência das razões que levaram a SERGS a se manifestar. Apenas quatro anos bastaram para que se rotinizassem e normalizassem as imposições do arbítrio! Entre elas, a proibição do uso de certas palavras e a simples menção a certos temas de relevância social e política, a severa aplicação de sanções, os discursos excessivos e ameaçadores. Por medo ou gosto, tantos cidadãos entraram passivamente na caverna e se acomodaram a uma vida entre as sombras!

A SERGS deixou claro que, em respeito a seus 93 anos de defesa da democracia e do estado de direito, não entrou e não quer entrar ali. Os redatores do manifesto e aqueles que o aprovaram não entregam tão facilmente sua liberdade de expressão, mesmo que as afirmações feitas desagradem a alguns ou a muitos. As coisas são assim em povos livres! Entre eles não existe compromisso algum com a omissão. Aliás, numa terra de homens livres, Rodrigo Pacheco não é herói.

No manifesto, que, note-se bem, é dirigido ao presidente da República, não chamando rebelião alguma, li dez vezes a palavra Constituição e seus derivados, evidenciando que os entendimentos defendidos e propostos ficam sob o crivo do chefe de estado e de governo, e submissos à letra da Carta de 1988. Nada fora da lei e nada contra a lei, vale para todos! Simples exercício da liberdade.

São pesadas e fortes as palavras com que o texto do manifesto define a realidade? 
Acaso são cordiais as palavras daqueles que desviaram de seu leito o fluxo da Justiça? 
Acaso são gentis e respeitosas as decisões que tomam e as restrições que impõem aos direitos dos cidadãos?

Na atual circunstância histórica e psicossocial, na corte do Grande Irmão orwelliano, invocar a dignidade humana e o valor da liberdade é muito malvisto. E esse é o mal que vejo.

 Percival Puggina


terça-feira, 2 de agosto de 2022

É preciso votar - Des. Rogério Medeiros Garcia de Lima

O Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição de 1988 consagra o “sistema representativo” (artigo 1º, parágrafo único).  
Como não podemos reunir milhares de pessoas em assembleias populares, os cidadãos outorgam uma “procuração” para representantes governarem e produzirem leis em seu lugar. O voto é o instrumento do “contrato social” a que se referiu o filósofo genebrino Jean Jacques Rousseau.  

Recorrentemente, os meios de comunicação social noticiam desvios de conduta em todas as esferas de poder e unidades federativas. A repetição interminável de ações criminosas na vida pública traz a descrença no regime democrático. É lamentável.

No entanto, não contribui para o desenvolvimento da democracia o não comparecimento dos eleitores às urnas. 
Muito menos contribui o seu comparecimento para anular o voto ou votar em branco. 
O ideal é escolher, entre tantos candidatos, aquele cuja biografia recomenda a investidura em mandato político. 
Apesar da tão propalada decepção dos brasileiros com a política, é possível encontrar pessoas de bem em seu meio.

Platão defendia a dedicação das pessoas virtuosas à vida pública. Caso elas se afastem da política, o espaço passará a ser ocupado por indivíduos de má índole (Gaston Bouthol, in Sociologia da política. Lisboa: Livraria Bertrand, trad. Djalma Forjaz Neto, 1976, p. 20).

Ao se abster de votar ou anular o voto, o cidadão brasileiro corre sério risco de entregar a direção dos destinos da comunidade a pessoas menos qualificadas. Se está saturado com o comportamento de alguns maus políticos, deve puni-los nas urnas. Pode, ao mesmo tempo, escolher os mais aptos para gerir os interesses legítimos da população. A nossa democracia está em crise. A Justiça brasileira é morosa e ineficiente. Tem adotado medidas repressivas e decisões em descompasso com as expectativas da Nação.

Porém não basta xingar maus políticos e o Poder Judiciário. Muitos dos que reprovam duramente os corruptos e seus aliados, são os mesmos que elegem candidatos almejando benesses pessoais. Diversos homens públicos são aplaudidos pelo slogan “rouba, mas faz”. Esses eleitores não idealizam os representantes que administrarão e elaborarão leis em nome da comunidade, mas os “amigões do peito” que vão resolver seus problemas e lhes conceder vantagens, ainda que ilegais (Rogério Medeiros Garcia de Lima, Ética para principiantes, jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 28.06.2007).

Cidadania é um caminho de mão dupla...

De resto, preocupa a intervenção indevida de personalidades estrangeiras nas eleições vindouras do nosso País.

Os atores hollywoodianos, Leonardo Di Caprio e Mark Ruffalo estimularam, pelas redes sociais, o voto dos jovens eleitores brasileiros com idade entre 16 e 18 anos, cujo alistamento não é obrigatório (artigo 14, § 1º, inciso II, letra “c”, da Constituição da República).

Em 5 de maio passado, um dia após o fim do prazo para o alistamento eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) anunciou que, no total, 2,04 milhões de novos eleitores, nessa faixa de idade, registraram-se para votar em 2022. Esse número, ainda parcial, já é 47,2% maior do que a adesão registrada em 2018:

Letícia Bahia, diretora executiva da Girl Up Brasil, o braço nacional de uma organização criada nos EUA em 2010 para oferecer subsídios para elaboração de políticas públicas para adolescentes à Organização das Nações Unidas, (afirmou) que ‘este ano, a questão do voto jovem ganhou uma conotação muito eleitoral pela tendência do eleitor dessa faixa etária de ter um voto mais progressista’”.

Fico a imaginar qual seria a reação da esquerda e da mídia se alguma personalidade estrangeira estimulasse o voto do eleitorado de direita...

Diante dessas interferências, a democracia exige, em nome da paridade de armas, que o eleitorado adulto também seja alvo de campanhas em favor do comparecimento à votação nas eleições de 2022.Especialmente, eleitoras e eleitores com idade igual ou superior a 70 anos, cujo voto é facultativo (artigo 14, § 1º, inciso II, letra “b”, da Constituição da República).

 A propósito, alertou o experiente jornalista Alexandre Garcia (Constituição do Chile é aviso para quem resolve não ir votar, Gazeta do Povo, Curitiba/PR, 04.07.2022):

“Ontem, no Chile, foi entregue ao presidente, um jovem de 35 anos, solteiro, a nova Constituição, aprovada pela assembleia constituinte de 156 integrantes. Essa Constituição prevê aborto, fim do Senado (que tem 200 anos), diminuição do poder da polícia e mais direitos sociais. Os constituintes que fizeram essa Constituição foram eleitos por 36% dos eleitores. E, agora, os eleitores estão dizendo nas pesquisas que querem antecipar o referendo de 4 de setembro sobre a Constituição, que não aprovam. Apenas 25% a 33% concordam com essa nova Constituição, a maioria discorda.

Mas o que estava fazendo essa maioria quando a assembleia constituinte foi eleita em maio do ano passado? Ficou em casa? Pois é: assim como na Colômbia, onde 18 milhões ficaram em casa e 11 milhões elegeram o presidente. É uma lição que a gente precisa aprender. Por lá, eles têm voto facultativo; aqui é obrigatório, mas depois de 70 anos não precisa votar e os demais que não votarem têm uma sanção leve. Fica a lição: se você abrir mão do seu poder de votar, não pode se queixar depois se for eleito alguém errado, alguém que vá destruir a sua família e deixar um péssimo futuro para seus filhos, netos e bisnetos”. Se você abrir mão do seu poder de votar, não pode se queixar depois se for eleito alguém errado, alguém que vá destruir sua família e deixar um péssimo futuro para seus filhos, netos e bisnetos.”

*       Rogério Medeiros Garcia de Lima é desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor universitário.

**      Publicado na edição 306 do Jornal Inconfidência (31/07/2022).

 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

O STF fiel “governista” de quem o nomeou? - Sérgio Alves de Oliveira

Formalmente, perante o seu regime constitucional, o Brasil teria aderido à tripartição dos poderes, preconizada desde a Antiguidade por Platão,  depois pelo seu discípulo, Aristóteles, porém  ordenada cientificamente mais tarde pelo filósofo francês  Montesquieu (1689-1755).

O primeiro Poder seria o encarregado de fazer as leis (Poder Legislativo), o segundo  colocaria em prática essas leis, na administração da coisa pública (Poder Executivo), e um terceiro se encarregaria  de julgar as demandas jurídicas da sociedade (Poder Judiciário). Nessa tripartição de poderes estaria a balança dos “freios e contrapesos” do Estado Soberano,  evitando-se os absolutismos, as tiranias e as ditaduras, em face da concentração dos poderes.

Ditos poderes, na visão de Montesquieu, deveriam ser INDEPENDENTES e HARMÔNICOS. 

 Mas as “adaptações” constitucionais feitas no Brasil na aplicação da Teoria dos Três Poderes Constitucionais, de Platão,Aristóteles ,e Montesquieu, acabaram jogando no ralo toda a “harmonia”,”equilíbrio” e “independência” entre os Três Poderes.

Fizeram uma “manobra” constitucional estabelecendo nas respectivas “Cartas” um flagrante “conluio” entre os Poderes Executivo e Legislativo, totalmente à revelia do Poder Judiciário, de modo que os juízes do Supremo Tribunal Federal,e de todos os outros Tribunais Superiores, fossem “escolhidos”por critérios subjetivos e nem sempre muito claros, pelo Presidente da República, chefe do Poder Executivo, porém mediante o “aval”, a “concordância”, do Poder Legislativo.   

Portanto evidentemente nenhum candidato a “ministro” de Tribunal Superior será indicado pelo Presidente da República,sem “prévio” sinal de aprovação do Legislativo. No fundo,portanto,há um “acordo” antecipado entre o Executivo e o Legislativo.  Ninguém mais duvida das extremas ideologizações e partidarizações  dos membros dos tribunais superiores no Brasil,que podem ser considerados “cargos-de-confiança” de quem os indicou e aprovou.

Da composição dos onze Ministros do STF, hoje em dia, nove deles vieram de indicações de governos manifestamente da esquerda, os quais permanentemente estão “boicotando” e “sabotando” o Governo de Jair Bolsonaro, pelo “crime” de ser um político conservador.

Mas o Presidente Bolsonaro,ao invés de usar da influência e da força do seu cargo, inclusive como “Comandante Supremo das Forças Armadas”, para tentar “acabar” com esse sistema corrompido de escolha dos juízes das mais altas cortes do país, simplesmente entra no mesmo “jogo” dos “outros” , e passa a indicar ministros da “sua” confiança, na abertura de qualquer vaga.

Mas a esquerda que passou a governar desde 1985, após  o término  do Regime Militar, teve 30 (trinta) longos anos para nomear os “seus” atuais e remanescentes  nove (9)ministros do STF, ao passo que Bolsonaro só tem ali dois ministros (de “relativa”) confiança. O “placar”, portanto,ainda é de nove a dois (9X2) pró-esquerda.

Portanto, o grande problema dos tribunais superiores no Brasil é a  extrema “fidelidade” dos seus votos a quem os nomeou, E pelo sistema de mandato “vitalício” dos ministros, até a aposentadoria por idade, aos 75 anos,a mudança de forças ideológicas e políticas  no Supremo, por exemplo, pode durar quase um século,dependendo das “alternâncias” partidárias e ideológicas na deturpada política brasileira de escolha dos membros dos seus tribunais superiores.

Mas Bolsonaro nem tentou mudar nada. Mas ele precisaria no mínimo de mais 20 ou 30 anos de governo se quisesse  igualar ou superar a força esquerdista reinante  no STF nos dias de hoje. Portanto,pelos “manuais” vigentes do sistema, os brasileiros podem perder totalmente a esperança de dias melhores na Política e na Justiça.

As “provas” que estamos jogando na “cara” do sistema que mantém toda essa “lambança” política e jurídica, deixando o Poder Judiciário como seu “refém”, resumem-se no recente episódio da confirmação da cassação do Deputado Estadual pelo Paraná, Fernando Francischini, pelo STF, onde os dois Ministros indicados pelo Presidente Bolsonaro, ”coincidentemente” Nunes Marques e André Mendonça,foram os votos vencidos,atendendo desejo de Bolsonaro.

Essa situação,por outro lado,demonstra claramente que no Brasil não há “Justiça”,e sim somente “interesses” em jogo,interpretados para lá ou para cá,livremente,conforme as conveniências. Os julgamentos da Justiça,dentro de uma constituição,uma legislação,uma jurisprudência e uma doutrina jurídica muito confusa,que para mim constituem muito mais um “estado-(anti)democrático-de-(anti)direito,do que o contrário,podem acontecer  da mesma forma que um parecer jurídico “encomendado”,”pago” pela sua conclusão,conforme o interesse “encomendado”.

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo


sábado, 28 de maio de 2022

Imbecis do mundo, uni-vos! - Revista Oeste

 Flávio Gordon

Graças à internet, o cidadão comum deixou de ser apenas olhos e ouvidos, adquirindo uma boca, pela qual passou a emitir opiniões inconvenientes aos outrora monopolistas do mercado de ideias 


Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock 
 
“É possível que nenhum de nós saiba nada do que é bom e belo, mas, enquanto ele julga saber algo, eu, como nada sei, nada julgo saber. E nisto parece-me que sou um pouco mais sábio que ele, por não julgar saber as coisas que não sei”

Platão, Apologia de Sócrates

“A internet deu voz aos imbecis”resmungou Alexandre de Moraes, ganhando os holofotes midiáticos com sua pose de bastião da democracia. Embora carregando as marcas distintivas de nossa República lagosteira, no geral constituída por material humano de quinta categoria, a fala apenas manifesta em escala nacional um fenômeno que é de ordem global. Recorrendo ao título da obra clássica do historiador norte-americano Christopher Lasch, poderíamos caracterizá-lo como uma “revolta das elites”, hoje voltada especialmente contra a democratização do debate público propiciada pelas redes sociais.

Antes acostumados a controlar a opinião pública por meio de uma imprensa amestrada e incrivelmente homogênea em termos político-ideológicos —, no mundo todo os representantes daquelas elites política, financeira e cultural crisparam-se de pânico reacionário ante o contato direto com um público. Se antes ele lhes servia apenas como objeto de uma retórica demagógica, agora virava sujeito concreto de interlocução, dispensando a função mediadora (donde media, em inglês; médias, em francês; mídia, em português etc.) tradicionalmente exercida pelo velho jornalismo.

Os barões da opinião pública
Graças à internet, o cidadão comum deixou de ser apenas olhos e ouvidos passivos, adquirindo uma boca, pela qual passou a emitir opiniões inconvenientes aos outrora monopolistas do mercado de ideias. 
O que era antes uma cômoda relação Eu-Isso para citar a clássica oposição do filósofo Martim Buber virou uma desconfortável relação Eu-Tu, carregada de tensão e imprevisibilidade. E com isso os barões da opinião pública não souberam lidar.

Uma anedota facilitará a compreensão do leitor sobre a mentalidade do clubinho. Há muitos e muitos anos, numa galáxia temporal distante, pré-internet, lembro-me de assistir a uma entrevista de bastidor na qual um jornalista veterano dizia a um colega: “Só maluco escreve para as Cartas dos Leitores”. Num tempo em que a seção de Cartas dos Leitores era o único canal de comunicação entre as redações e o público, que então podia ser facilmente domesticado pela editoria, esse tipo de deboche com os missivistas era quase uma tradição profissional no jornalismo. Daí que, na referida entrevista, ambos os jornalistas, mutuamente estimulados pelo senso corporativo de superioridade, tenham se permitido gargalhar da piadinha interna. Compreende-se que, hoje, o seu humor tenha mudado para pior, uma vez que os “malucos” já não se limitam a escrever cartas fatalmente destinadas à lixeira, mas confrontam o jornalista — e o acadêmico, e o político, e o magistrado — diretamente em seu perfil na rede social, tal como selvagens (maus selvagens!) a invadir um salão aristocrata.

Pois bem. Ao longo de décadas, aquela democracia de faz de conta, fundada sobre um debate público postiço e manietado, refletia-se não raro em eleições com cartas marcadas, nas quais as opções de voto consistiam numa versão “hard e numa versãosoft de uma só cultura política previamente estabelecida, ambas as versões rivalizando à superfície do mesmo establishment profundo. No Brasil, por exemplo, o eleitor passou duas décadas tendo de escolher entre petistas e tucanos, naquilo que o professor Olavo de Carvalho batizou de "estratégia das tesouras”, o mecanismo pelo qual socialistas marxistas e socialistas fabianos — hoje finalmente fundidos na chapa “Caipirinha de Chuchu” — repartiram os espólios da assim chamada Nova República.

A gota d’água para as elites globais
Tudo mudou a partir de 2016, quando a descentralização do mercado de informação e opinião deu sinais claros de repercussão no terreno da disputa política, trazendo para dentro da “festa de democracia” um “bando de deploráveis” egressos de “guetos pré-iluministas”, que deveriam ter sido mantidos do lado de fora. Isso foi a gota d’água para as elites globais, que, vendo dificultado o trabalho de edição da opinião pública, buscavam agora uma via direta de controle, uma forma de “editar um país inteiro”, objetivo que finalmente viria a ser alcançado em 2020, com a pandemia de covid-19.

Mas ali, em 2016, fenômenos como o Brexit e a eleição de Donald Trump para a Presidência dos EUA deixaram claro que o “consórcio” midiático já não controlava totalmente o fluxo de informações, pois nem mesmo uma das maiores campanhas de propaganda e infowar de que se tem notícia foi capaz de convencer a maioria da população britânica e norte-americana a votar conforme a vontade política dos donos do poder. Perplexa e ressentida com a insubmissão do cidadão comum às suas orientações, a classe falante pró-establishment reagiu muito mal, com um elitismo quase caricato. Primeiro, execrou a massa de novos atores recém-chegados ao debate público. Em seguida, como a demofobia escancarada não pegasse bem, amaldiçoou a internet livre, o próprio meio pelo qual, à revelia dos tradicionais mediadores (ou gatekeepers) da informação, essa massa lograra ascender à posição de sujeito das próprias opiniões. Na alma das elites globais, fervilhava um intenso sentimento de vingança contra 2016, o verdadeiro ano que não terminou.

Da demofobia saltou-se diretamente à demagogia condescendente, e o povo, antes objeto de ódio, passou a ser descrito como vítima passiva — de desinformação, de fake news, de discurso de ódio. Nesse sentido, uma fórmula foi consagrada no jornalismo de opinião: o apoio ao Brexit e a políticos como Trump havia sido um “grito” do povo contra o statu quo. Sim, um grito — no sentido de algo produzido de maneira inarticulada, à guisa de interjeição, como resposta mecânica a uma situação aflitiva. Enquanto o representante da elite iluminada se exprime de maneira articulada e autoconsciente, o povo emite um ruído, que lhe brota da garganta quase que à revelia. Quando vota, o membro do establishment fala. Já o povo, grita. Ou — quem sabe? — urra, guincha, grasna, bale… Produz, enfim, um som que é da ordem da natureza, não da cultura.

Hoje, já não há dúvidas de que essas agências de fact-checking, longe de instituições ideologicamente neutras, são agentes políticos de destaque no cenário global

A primeira reação, demofóbica, é ilustrada pela literatura produzida por intelectuais orgânicos do establishment global em reação aos acontecimentos do fatídico ano de 2016. Destacam-se nesse material o livro Contra a Democracia, do filósofo norte-americano Jason Brennan, e o artigo “Chegou a hora de as elites se erguerem contra as massas ignorantes”, do jornalista James Traub, cujos títulos são autoexplicativos.

No lugar de uma democracia “em crise” — marcada por “decisões estúpidas” como o Brexit e a eleição de Trump —, Brennan propunha a instauração de uma epistocracia, o governo dos “bem informados”. Traub, por sua vez, afirmava que a grande divisão política do futuro não se daria entre a esquerda e a direita, mas entre “os sãos” e “os raivosos descerebrados”, ou entre “o partido dos que aceitam a realidade” e o “partido dos que a negam”. As análises de Brennan e Traub são documentos históricos relevantes, por dizer às claras aquilo que a maioria do establishment sentia naquele momento, mas que raramente admitia em público.

Intelligentsia enfurecida
A segunda reação,
demagógica e condescendente, começou a se organizar em 17 de novembro daquele mesmo ano, em imediata resposta à vitória de Trump, cuja eleição foi atribuída à disseminação de “fake news” — um argumento que seria repetido no Brasil para explicar a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro, que contrariou expectativas e enfureceu a intelligentsia
Foi então que duas dezenas de agências de fact-checking, com sede em diversos países, enviaram a Mark Zuckerberg uma carta aberta propondo uma parceria para “encontrar e desmontar informações falsas” na internet. Sem qualquer legitimidade para tanto, os signatários — dentre os quais as agências brasileiras Lupa, Aos Fatos e Pública-Truco — apresentavam-se como guardiões do “debate público sadio”. Afinal de contas, aquele animal irracional que “gritara” contra o statu quo por meio do voto em Trump precisava ser protegido de si mesmo, já que o excesso de liberdade nas redes poderia feri-lo.

Todas as agências signatárias da carta a Zuckerberg integravam uma Rede Internacional de Fact-Checking (“International Fact-Checking Network”), sediada no Poynter Institute, entidade sem fins lucrativos dedicada formalmente a aprimorar (e, informalmente, a homogeneizar e instrumentalizar) a prática jornalística ao redor do mundo. O grosso do financiamento do Poynter Institute provinha basicamente de duas grandes fundações “filantrópicas”: a Omidyar Network, de Pierre Omidyar, idealizador do eBay, e a Open Society, do megainvestidor George Soros. Em junho de 2017, por exemplo, as duas juntas haviam doado um total de US$ 1,3 milhão ao Poynter, com o fim declarado de incrementar as ações da Rede Internacional de Fact-Checking.

Um dos nós da Rede Internacional de Fact-Checking era o site PolitiFact, responsável por “checar” os discursos de campanha de Trump e, com isso, criar a narrativa segundo a qual quase todas as declarações do candidato republicano consistiam em “fake news”. Embora fosse mencionado de maneira neutra no noticiário brasileiro — como se checasse imparcialmente todo tipo de discurso político —, o PolitiFact jamais foi algo além de uma ferramenta de agitprop manejada por Soros e Omidyar, dois ferrenhos inimigos de Donald Trump, que fizeram de tudo para impedir a sua eleição e, num segundo momento, para boicotar-lhe o governo (ver aqui e aqui).

Hoje, já não há dúvidas de que essas agências de fact-checking, longe de instituições ideologicamente neutras, são, ao contrário, agentes políticos de destaque no cenário global contemporâneo. Em coordenação com os conglomerados tradicionais de mídia, com as big techs e com o establishment político globalista, integram uma vasta reação epistocrata à livre circulação de ideias nas redes, com efeitos palpáveis. Páginas e perfis de indivíduos e grupos posicionados no campo não esquerdista do espectro político têm o seu alcance reduzido, quando não são sumariamente banidos em processos kafkianos, nos quais não se concede ao acusado direito de defesa, nem sequer informações claras sobre o crimideia cometido. Postagens “subversivas” somem misteriosamente, graças ao mecanismo conhecido como “shadow banning”, o bloqueio do conteúdo postado por um usuário que, sem se dar conta de ter sido bloqueado, não entende por que, de um dia para o outro, as curtidas em seus posts despencam da casa dos milhares para a das dezenas. E assim por diante.

Ministério da Verdade anabolizado
Essa é a realidade atual de milhões de “imbecis” usuários das redes, cuja liberdade de expressão se tornou uma ameaça concreta aos monopolistas da palavra, diretores desse Ministério da Verdade anabolizado. O ódio incontido de Alexandres de Moraes e que tais advém da percepção recalcada de que, num debate franco e descentralizado, eles não teriam a menor chance de moldar a opinião pública à sua imagem e semelhança, pois ninguém os leva a sério. Carentes de boas ideais e bons valores, destituídos de qualquer mérito próprio senão o de bem se adaptar às panelinhas do poder, resta-lhes o exercício do mais puro autoritarismo, sempre presente ali onde falta autoridade legítima. O que a sua pulsão censora nos revela é um profundo e, aliás, plenamente justificado — complexo de inferioridade moral e intelectual.

Por fim, vale recordar a etimologia de “imbecil”, cuja semântica não é necessariamente negativa. A palavra vem do latim imbecillus, formada pelo prefixo de negação in– (“sem”) mais o vocábulo bacillum, diminutivo de baculum (“bastão, cajado”). Etimologicamente, portanto, imbecil significa “sem bastão”, com o sentido original de algo frágil, débil, carente de apoio.

Vista de outro ângulo, contudo, essa carência bem pode significar falta de necessidade, transmutando a fragilidade em fortaleza, a dependência em autossuficiência. Nesse sentido, um “imbecil” seria alguém que, para se manter de pé, com a espinha ereta, não depende de apoio externo, dispensando bastões, cajados e muletas — bastões como os mediadores da informação, cajados como os checadores de fatos, muletas como os editores da sociedade. Para vendedores de apoio, a perspectiva de uma tal imbecilidade é decerto perturbadora. Para o restante de nós, pode ser libertadora.

Sejamos, pois, imbecis! Imbecis do mundo, uni-vos! Nada tendes a perder senão as muletas! E que os epistocratas nos perdoem a impertinência de, não lhes obedecendo, ousar andar com as próprias pernas e pensar com os próprios miolos. Os cães ladram, mas a caravana fala…

Leia também “A negação da democracia”

Flávio Gordon, colunista - Revista Oeste