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sexta-feira, 29 de abril de 2022

A pior sofística tornou Lula reelegível - Sérgio Renato de Mello

Numa extensão temporal antes de Cristo (até 500 anos), Sócrates, Platão e Aristóteles, que dispensam apresentação, disputavam com os sofistas conhecimento, sabedoria, verdade e, por fim, virtude. Não que todos os sofistas buscavam isso. O que eles queriam mesmo era o pagamento pelas aulas que davam. Virtude e felicidade vinham em segundo plano ou disfarçadas pela retórica enganadora deles, como certos advogados e políticos de hoje, que relativizam em nome de um sonho, uma utopia, uma vida melhor. 

Alguns sofistas se destacaram. Eles pensavam alto, sim, como os filósofos. Era o trigo no meio do joio. Foi preciso que mentes mais elevadas surgissem para além do debate botequeiro, fantasioso, fraudulento e interesseiro. Só a reflexão individual desinteressada ou o diálogo humilde e cortês levava à virtude, bem pretendido naquela cultura.

Esta assombrosa realidade veio também para os julgamentos por atos delituosos daquela época. 

Certo da injustiça da acusação de ateísmo e sedução de jovens que pesava contra Sócrates e indignado com seu julgamento, Platão escreveu a seguinte carta:

"Outrora, na minha juventude, experimentei o que muitos jovens experimentam. Planejara, assim que alcançasse minha independência, começar imediatamente a participar dos assuntos públicos. Então aconteceram alguns incidentes com relação a esses assuntos. Como nossa Constituição do Estado estivesse sendo alvo de muitas críticas, ela estava sofrendo reformulações. Essa reformulação era conduzida por cinqüenta e um homens, que atuavam como seus autores […]. Ora, ocorria que alguns desses homens eram meus parentes ou conhecidos, e eles solicitaram que eu tomasse parte imediatamente nos negócios do Estado naquilo que me fosse pertinente. Como isso ocorresse na minha juventude, não causou espanto. Eu acreditava, no entanto, que eles administrariam o Estado de maneira que o conduzisse de uma situação de injustiça a uma forma de vida justa, de modo que aguardava sua deliberação com grande expectativa. Logo percebi, porém, que esses homens em pouco tempo faziam o antigo estado de coisas parecer uma idade de ouro. Entre outras coisas, enviaram Sócrates, um velho e caro amigo, que não hesito em declarar o homem mais justo daqueles que então viviam, acompanhado de outros, a um cidadão, com a intenção de levá-lo à força à execução ele [Sócrates] não lhes deu ouvidos, preferindo expor-se aos piores perigos a tornar-se cúmplice de ações criminosas. Em vista dessas coisas e de outras semelhantes e não menos importantes, indignei-me e afastei-me do mau regime de então.

Não muito tempo depois, porém, o mandato dos Trinta sofreu um duro golpe e, com ele, toda a Constituição do Estado. Senti então novamente, embora menos entusiasmado, o desejo de participar dos assuntos coletivos e políticos. Também aqui, em conseqüência da confusão, aconteceram coisas capazes de despertar a indignação […l. Infelizmente, algumas pessoas poderosas arrastaram diante dos tribunais nosso […] amigo Sócrates, levantando contra ele uma acusação das mais graves e no mínimo imerecida: alguns o acusaram de ateísmo, outros o consideraram culpado e executaram um homem que não quisera participar da detenção criminosa de um de seus amigos, outrora […] banido. A medida que voltava minha atenção para isso e para os homens que conduziam a política, e também para a boa educação e as leis, e quanto mais eu me entregava a essas observações e também avançava em idade, mais me parecia difícil a condução dos negócios do Estado; […] de tal modo que eu, antes cheio de ardor para trabalhar para o bem público, considerando tudo isso e vendo a comunidade sob todos os aspectos em completa desordem, acabei ficando aturdido e, apesar de não desistir de pensar […] num modo de melhorar a administração como um todo, esperando sempre o momento oportuno para agir, finalmente compreendi que todos os Estados atuais são mal governados [ I Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer a justiça nos assuntos públicos e individuais e que, portanto, as dificuldades do gênero humano não cessarão antes que a cooperação dos puros e autênticos sábios chegue ao poder ou que os chefes por aça divina, ponham-se de fato a filosofar" (disponível na excelente obra História da filosofia, de Christoph Helferick).

Sócrates insistia em perguntas que ele sabia sem respostas por amor a um método próprio dele, contrariando os sofistas, que, enganosamente, tinham respostas para tudo. Sócrates perguntava, fazia pensar, pensar, e depois não respondia. Não respondia não porque era ignorante. Não respondia porque a pergunta não tinha resposta. Conceitos importantes, como “virtude”, até hoje, são impossíveis de responder. Todavia, mesmo acabando em nada seus questionamentos, o Oráculo de Delfos o elegeu o homem mais sábio. Eu o chamo de O rei da aporia.

Por certo que isso irritava os sofistas e demais influentes da época.

Lendo a carta de Platão e analisando o julgamento de Sócrates lembro do julgamento da história do Brasil, envolvendo Lula.

No Brasil, em tempo de eleições presidenciais, a pergunta que desassossega corações e mentes é quem vencerá o certame. Pesquisas para lá de suspeitas apontam Lula na frente.

Se Sócrates usava a maiêutica (uma homenagem à sua mãe parteira) como arte de parir uma verdade, o judiciário brasileiro de mais de dois mil anos depois aborta uma falsidade, uma mentira. O STF tornou possível a elegibilidade de um condenado criminal, sem a etiqueta da culpa nos autos, mas com o certificado de corrupto na testa. Lula não é inocente nem aqui nem na China. Esta é a certeza que emana do coração de uma realidade clara e indiscutível.

No que o Supremo Tribunal Federal acreditou para anular o processo de Lula e trazê-lo ao mundo novamente? Peguei o costume socrático de perguntar sempre. Mas, aqui, acredito que temos a resposta, e ela não é nada convincente.

O STF, o moderador brasileiro por escolha própria, ou seja, sem voto, deve ter ouvido de algum oráculo por aí que os seus ministros são os homens mais sábios que existem e que Luis Inácio Lula da Silva é o melhor e fará realizar o sonho da utopia da felicidade (que, nos dias de hoje, equivale a impedir Bolsonaro de se reeleger). E eles acreditaram. A soltura de Lula é prova disso, pelo que constou do habeas corpus n. 193.726.

A mera anulação e soltura deu a impressão de que Lula não roubou o povo. Pura mentira. O povo tem esta representação do que aconteceu, uma ideia, uma imagem, é tudo, e é suficiente para desmistificar o Luladrão. 

Só restou ao povo brasileiro lamentar os “bons” advogados de Lula e os iluminados ministros do Supremo Tribunal Federal, todos unidos e crentes que Lula é a melhor solução para o Brasil. 
Lula é a medida de todas as coisas! Bradam eles, em imitação bem grosseira a Protágoras, o maior sofista contemporâneo das grandes mentes da antiguidade.

E, ainda, os sofistas podem contar com mais ajudantes nesta busca das “verdades”, a classe jornalista e certos “institutos de pesquisa”.

Se a conclusão das tais pesquisas estiver certa, uma verdade surge, enfim: a humanidade não evoluiu nada e a felicidade está cada vez mais longe de cada um de nós.

 Sérgio Renato de Mello  - O autor é Defensor Público de Santa Catarina


sexta-feira, 29 de março de 2019

Encantador de Burros

Teve pífia repercussão na mídia vinculada à “esquerdopatia” a condenação por danos morais do Promotor de Justiça Cassiano Roberto Conserino, no montante de 60 mil reais, conforme sentença da 3ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, por ter  este publicado no seu perfil do facebook que o ex-Presidente Lula seria um “encantador de burros”.

Com absoluta certeza essa sentença, embora aparentemente  “prestigiando” o ex-Presidente Lula, ao contrário do que seria de se esperar, teve que ser “abafada” no nascedouro  por essa  mesma mídia em virtude do medo que a sua eventual amplificação poderia resultar num “tiro pela culatra”, ou seja, suscitar uma ampla  discussão na opinião pública, que certamente concordaria e até reforçaria a afirmação do promotor condenado. Pessoalmente considero verdadeira a sua afirmação.

E também considero que o juiz errou “redondamente” ao prolatar a sua sentença. O promotor  nem mesmo  insinuou que Lula seria “burro”. “Burros” seriam os que acreditavam nas suas “baboseiras” políticas e votavam nele. Esse foi o sentido dado  a essa expressão pelo promotor no seu perfil do “face”. Lula seria só o “encantador” (de burros), não o “burro” propriamente dito.

Na verdade Lula pode ter todos os defeitos que se possa imaginar numa pessoa.. Mas “burro”, com certeza, ele não é. “Burro” é quem pensa que ele é “burro”. Se ele não fosse um “baita” esperto, jamais teria chegado à condição de um semideus na política, evidentemente para  os seus “burros”. Aristóteles (em “Política”) classificava as formas de governo em  PURAS e  IMPURAS. Dentro das formas PURAS, estariam a MONARQUIA (governo de um só),a  ARISTOCRACIA (governo dos melhores) e a DEMOCRACIA (governo do povo). Nas formas  IMPURAS, que seriam, respectivamente, formas corrompidas de cada uma das formas puras, se situariam a TIRANIA, a OLIGARQUIA e a DEMAGOGIA.

Mais tarde, o geógrafo e historiador grego  POLÍBIO (203 a.C-120 a.C) substituiu a “demagogia” preconizada por  Aristóteles, pela OCLOCRACIA, que seria a corrupção da “democracia” ,com uma série  de outros vícios somados à "demagogia”.Na visão de Políbio, a maior degeneração do SISTEMA ELEITORAL da democracia  estaria na ausência de virtudes democráticas, despolitização e ignorância  dos eleitores, sempre em proveito dos patifes que se infiltram na política para enganar o povo e só buscar o próprio interesse.
 
Segundo essa ótica, o Brasil estaria vivendo na democracia ou na oclocracia?
A “democracia” do Brasil de hoje tem muita a ver com a da Grécia Antiga do Séc. 5 a.C, que foi o período mais brilhante da civilização helênica, com as guerras vitoriosas contra os persas e as riquezas e terras conquistadas. Mas a superabundância da riqueza acarretou a CORRUPÇÃO DOS COSTUMES, o abalo das tradições morais e religiosas, e o surto da ambição e do oportunismo.

É nesse ambiente social  degenerado que surgiram os SOFISTAS, antigos mestres de música ,que se tornaram “professores” populares  de filosofia. Eram “homens venais e sem convicções,ávidos de riqueza e de glória que, nessa época de crise para o pensamento grego exploram, em benefício da própria vaidade e cupidez, o estado de espírito criado pelas especulações filosóficas e condições sociais  do tempo”. Os sofistas serviam-se das armas da razão para destruir a própria razão, e sobre as ruinas da verdade, erigir o próprio interesse em norma suprema de ação. Com essa “metodologia” procuravam convencer e corromper a juventude.

Dentre os sofistas merecem destaque  especial  Protágoras (480 a.c-411 a.C),para o qual “o homem é a medida de todas as coisas”, e Górgias(480 a.C-378 a.C), autor de “Do não ser”, onde garante  que “nada existe”. Para combater os males causados pela Escola Sofista, surge SÓCRATES  (469 a.C-399 a.C),com o objetivo de instruir a mocidade  e libertá-la da influência perniciosa sofista.

Mas Sócrates foi acusado pelos seus inimigos de corromper a mocidade. Foi condenado à morte e executado. Teve que beber “cicuta. O “crime” de Sócrates foi jamais ter abdicado de falar a verdade. Na Grécia sofista, falar a verdade era o maior dos crimes, mais grave que matar, estuprar ou roubar.

Portanto o motivo da  condenação do promotor Cassiano certamente teve muita  semelhança com a  condenação de Sócrates:” escrever a verdade”.

 
Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net