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domingo, 1 de abril de 2018

Situação precária

Devido ao fisiologismo político e à ação de corporações sindicais, empresa ficou inviável
Os Correios já foram sinônimo de eficiência, mas, com o passar do tempo e de governos, a empresa não manteve o padrão e, principalmente, não conseguiu enfrentar com êxito a revolução tecnológica de que resultou a internet. As mudanças abalaram parte importante de seus negócios, com o advento do e-mail, imbatível substituto das cartas, mas, em contrapartida, criariam o e-commerce e um enorme fluxo de mercadorias. Em vão, para a estatal.

Como é da visão de mundo de certa esquerda, estatais precisam ser preservadas a qualquer custo, por se tratarem de “patrimônio do povo”. Assim, tudo que ameace monopólios estatais precisa ser combatido.  É um engano. Está provado pela própria Petrobras, virtualmente quebrada quando ficou sob o jugo lulopetista, que a saqueou pela corrupção e a forçou seguir um modelo nacional-populista tecnicamente inconsistente. Revertido o monopólio que no governo Dilma tentou-se instituir na operação no pré-sal, e finalizada uma política nacional-populista na compra de equipamento para projetos de exploração nesta área, a empresa renasceu.

Se a revolução tecnológica digital esmagou os “velhos” Correios, ao criar o negócio do e-commerce também instituiu um dinâmico segmento de entrega de mercadorias. Mas os Correios não conseguiram aproveitar, por padecerem dos males decorrentes do aparelhamento de que tem sido vítima. A partir de 2003, já no primeiro governo Lula e devido ao seu projeto de conseguir apoio parlamentar por meio do troca-troca do fisiologismo, os Correios foram transacionados neste balcão de ofertas e procuras.

Já é parte da crônica política o protagonismo dos Correios na denúncia do mensalão feita em 2005 pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), ilustrada pela cena de corrupção explícita, em que um alto funcionário da empresa, indicado por Jefferson, embolsa um maço de notas. Maurício Marinho, o flagrado, era indicação do deputado, que, se sentindo ameaçado pelo ainda poderoso José Dirceu, chefe da Casa Civil, no primeiro governo Lula, denunciou o esquema do mensalão, gerenciado por Dirceu.
Empresa centenária, além de padecer do aparelhamento partidário, enfrenta a corrosão de corporações sindicais que, como praxe, impedem a modernização. 

A estatal tem acumulado prejuízos anuais bilionários — a estimativa para o ano passado é de R$ 1,7 bilhão, tendo ficado acima dos R$ 2 bilhões em exercícios anteriores. Trata-se de uma enorme máquina, com mais de 110 mil funcionários, sem condições de prestar bons serviços, caso não passe por um choque de gestão. Uma impossibilidade, diante do uso clientelista e fisiológico que partidos fazem da empresa e dos sindicatos e suas greves.

Simboliza a situação dos Correios recente incêndio no Centro de Entrega de Encomendas (CEE) de Jacarepaguá, no Rio, em que foram destruídos o prédio, seis veículos de entrega e nove mil encomendas.

Editorial - O Globo

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Mentalidades

Corrupção petista, de caráter político revolucionário, inscreve-se na tradição patrimonialista para dela tirar proveito

O Brasil vive um processo particularmente complexo de transição de uma mentalidade patrimonialista, “aprimorada” em seu caráter bolchevique graças aos governos petistas, para uma mentalidade moderna, própria de um Estado em que começa a vigorar o império da lei. 

Ou seja, estamos presenciando uma difícil transição do governo de uma classe política acostumada a manipular leis e instituições, como se estas devessem estar a seu serviço e proveito, para um governo ancorado em instituições, cujo validade transcende à ação direta dos políticos.

As gravações do ex-senador Sérgio Machado com os senadores Renan Calheiros, Romero Jucá e José Sarney são, neste sentido, particularmente ilustrativas. Com efeito, elas exibem intenções e tentativas de manipulação das leis e instituições, como se ações junto a ministros e juízes fossem de natureza, por si sós, a alterarem todo um processo judicial. De fato, estavam e estão acostumados a um tipo de comportamento que se espelha em uma concepção patrimonialista, como se a coisa pública não estivesse a serviço da coletividade, mas de seu proveito próprio e pessoal.

Não se trata, aqui, somente da questão de se tal comportamento configura ou não um crime determinado como obstrução de Justiça, mas de um tipo de atitude que se pauta, como se fosse seu direito próprio, em considerar leis e instituições como se pudessem ser modificadas a seu bel-prazer. Mais especificamente, habituaram-se à impunidade como se as leis a eles não se aplicassem. Espantam-se com o que está acontecendo, pois não perceberam que o país está mudando, e esta mudança está fortemente ancorada em uma sociedade que está dando um basta a esta mentalidade.

Caberia aqui uma observação relativa ao suposto “patrimonialismo” petista. Lê-se frequentemente, inclusive em intelectuais de esquerda, que o PT teria incorrido nas práticas dos partidos políticos tradicionais, como se, em sua pureza, ele tivesse sido seduzido pelo atraso. Os petistas procuram se desresponsabilizar do que fizeram, dizendo ter feito somente mais do mesmo. Igualam-se para se eximirem de sua própria culpa. Tal posicionamento tem ainda o objetivo de manter a pureza da ideia de esquerda, como se esta pudesse simplesmente ser recuperada sem nada reconhecer de feito próprio.

Ora, a corrupção petista é fruto do aparelhamento partidário do Estado, com o intuito de, progressivamente, levar a cabo uma transformação socialista da sociedade brasileira. Ela é bolchevique. Para eles, esse aparelhamento e a sua corrupção seriam meros meios de uma progressiva mudança revolucionária. Ou seja, a corrupção, para além dos benefícios pessoais, seria um instrumento de captura da sociedade e de controle, para isto, de seus meios de comunicação privados. Nesta perspectiva, a corrupção petista, de caráter político revolucionário, inscreve-se na tradição patrimonialista para dela tirar proveito. A corrupção e o aparelhamento partidário do Estado pertencem à própria ideia de esquerda, fazem parte de sua essência.

O que é particularmente interessante no cenário político atual é a clivagem estabelecida entre a sociedade e a classe política. A primeira se caracteriza por valores não patrimonialistas, exigindo de seus representantes um comportamento condizente com a proteção pública dos recursos públicos. Não mais admite que os recursos da saúde, da educação, do saneamento, da habitação, entre outros, sejam drenados pela corrupção, desviados de seus objetivos específicos.

Ela abomina o fisiologismo, a barganha de cargos e todo esse espetáculo explícito de negociação ou de negociatas de posições, emendas e outras benesses em detrimento do bem público. Para isto, foi às ruas e criou as condições do impeachment. A sociedade brasileira não se deixou corromper, e talvez seja este o nosso maior ativo, um patrimônio propriamente nacional. Ela clama, portanto, por um novo Estado, livre do patrimonialismo histórico brasileiro e de sua vertente petista. Ela já efetuou uma mudança de mentalidade, que não ocorreu ainda na classe política, que dela fica a reboque.

A operação Lava-Jato, por sua vez, é a expressão desta nova mentalidade que já opera no nível propriamente estatal. Ela começa a fazer valer o governo das leis e instituições, resgatando a ideia propriamente republicana de coisa pública. Sua tradução mais imediata é a punição de poderosos, daqueles que viviam à margem da lei, desrespeitando as instituições e considerando a coisa pública como se fosse privada. 

A impunidade, graças a ela, está sendo progressivamente abolida, trazendo agentes políticos e empresariais às suas respectivas culpas e responsabilidades. Tudo isto, evidentemente, surpreende, precisamente por revelar o surgimento de uma nova mentalidade em um setor da burocracia estatal, no caso no Judiciário, no Ministério Público e na Polícia Federal.

A sociedade se sente na Lava-Jato representada. Na verdade, esta não teria condições de ser bem-sucedida se não contasse com esse imenso apoio social. O país se modernizou socialmente. Goza de uma ampla liberdade de expressão, com jornais independentes, investigativos e de opinião, em linhas gerais em defesa do avanço da democracia. Para todos os efeitos, não se trata de um movimento social dirigido contra um partido determinado, mas de afirmação de novos valores e princípios, voltando-se contra qualquer partido que não seguir esses novos valores. Ontem o PT foi o foco principal, hoje é o PMDB, talvez amanhã seja o PSDB ou qualquer outro partido. A moralidade pública tornou-se um princípio da sociedade, e esta exige que a classe política se paute por este novo padrão político.

A ética na política é atualmente um bandeira social. Exige a prudência que a classe política e o novo governo entrem em sintonia com uma sociedade portadora de uma nova mentalidade.

Fonte: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul