Blog do Noblat
A não ser que o Supremo
Tribunal Federal entube mais essa, a decisão do ministro André Mendonça, da
Justiça, de negar-se a obedecer à ordem da ministra Carmen Lúcia de lhe enviar
o dossiê montado pela Secretaria de Operações Integradas sobre servidores
federais que se declararam antifascistas poderá detonar uma nova crise entre os
poderes Executivo e Judiciário.
[em que pese ter sido nomeado pelo presidente Bolsonaro - que, sendo o presidente da República Federativa do Brasil, possui a competência constitucional de nomear ministros do Supremo (apesar de muitos brasileiros não concordarem que o presidente da República possua tal atribuição = a ministra Cármen Lúcia está entre os que discordam dessa prerrogativa presidencial, ignorando o reconhecimento da mesma pelo plenário do Supremo) - certamente o ministro André Mendonça, da Justiça, conhece a legislação e sua posição tem o necessário respaldo legal.]
Nas últimas duas semanas,
Mendonça negou que houvesse dossiê, depois admitiu sua existência, mas afirmou
que o desconhecia, abriu uma sindicância para apurar tudo e, por fim, demitiu o
coronel reformado do Exército que dirigia o setor de inteligência da dita
Secretaria. Ali, o dossiê foi montado. Ora, se não havia dossiê, se nada de errado
aconteceu, por que a demissão? [O cargo exercido pelo oficial exonerado é cargo em comissão = ad nutum.]
O que Mendonça se recusa a
chamar de dossiê, por outro nome não deve ser chamado. É um conjunto de papéis
com nomes dos quase 600 servidores federais, e mais alguns que nem servidores
são, fotografias da maioria deles, dados pessoais e informes sobre suas
atividades acompanhadas por arapongas da Secretaria. Em resumo: informações
colhidas por espiões da vida alheia.
A propósito, Mendonça havia
dito que no Estado de Direito democrático nenhum grupo de pessoas pode ser monitorado
por pensar ou agir assim ou assado, desde que respeitem as leis e não ameacem a
segurança pública. [uma empresa privada pune com rigor qualquer funcionário que conspire contra a imagem do empregador - ainda que apenas por críticas em redes sociais.
Idêntico direito deve valer para o servidor público = o fato de ser pago pelo Estado, por nós = contribuintes, exige que o servidor público aja sempre de forma respeitosa com as instituições públicas, o que, obviamente, inclui a que o emprega. ]
Agora, ao negar-se a cumprir a ordem da ministra, diz que
nem mesmo o poder Judiciário tem o direito de acesso a determinadas informações
sigilosas.
Quem decide se o Judiciário
tem ou não esse direito é o Judiciário. Não é o governo. É dele a última
palavra como intérprete que é da Constituição. O Supremo saberá lidar com
informações sensíveis que possam pôr em risco a segurança do Estado. Cabe a Mendonça
obedecer à ordem que recebeu sem fazer marolas só para agradar ao seu chefe e
ganhar uma vaga de ministro do Supremo.
Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA