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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

O poder que é do povo é para opinar, divergindo e criticando

Alexandre Garcia

"O poder que é do povo é para opinar, divergindo e criticando. Para concordar, não é preciso ter poder. Com insegurança na Justiça, não há estado de justiça"

A Constituição afirma, no seu primeiro artigo, que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente. Repetindo: o povo exerce seu poder diretamente, ou por aqueles que ele elege, no Executivo e no Legislativo. 
É assim que temos vivido, ou o poder do povo, direto ou indireto, tem sido limitado por quem não foi eleito?  
O Poder Judiciário tem se mostrado acima aos poderes eleitos. Na História, o autoritarismo tem sido praticado pelo chefe do Executivo, acima o Legislativo e o Judiciário, com o pretexto de representar o povo. 
Aqui, hoje, o chefe do Executivo federal, que teve quase 58 milhões 
de votos para representar a nação, tem se curvado ante imposições do Supremo Tribunal Federal. 
 
O mesmo tem acontecido com o Senado e a Câmara, obedientes a determinações, muitas vezes, de um único juiz do Supremo. 
Em nome da ordem, ninguém se recusa a cumprir determinações do STF, à exceção do presidente do Senado, Renan Calheiros, em 6 de dezembro de 2016, quando recusou-se a deixar o cargo, como ordenava o ministro Marco Aurélio.
 
Essa introdução remete à queixa crônica de insegurança jurídica, como um dos maiores fatores do custo Brasil. Uma das causas é a excessiva judicialização de temas que deveriam ser resolvidos interna corporis no Legislativo e no Executivo, como se queixou o atual presidente do Supremo, Luis Fux, em seu discurso de posse. 
Virou moda a minoria apelar para o tapetão do Supremo. 
Em outros tempos, o relator devolvia ou jogava o recurso no arquivo, por ser assunto para o próprio parlamento resolver. Eram tempos em que o presidente não era Bolsonaro. Aí, entra o segundo fator, identificado por juristas como Ives Gandra e Modesto Carvalhosa: o ativismo judicial, ou a militância política.
 
Quando há algum vácuo na Constituição, o Supremo, em vez de exigir que o Congresso — que tem poderes constituintes — decida a questão, costuma ele próprio, que não teve um voto sequer para isso, se transformar em poder constituinte.  
Então, temos que o Supremo, sem estar relacionado no primeiro artigo da Constituição como representante do povo, já que não é eleito, tem poder constituinte e poder de interferir nos outros poderes, eleitos para representar o povo. É, portanto, de fato, o mais poderoso dos Poderes. Quando um jornalista pede asilo político no exterior, ninguém imagina que ele esteja sendo procurado pelo Judiciário e não pelo chefe do Executivo. [sem que o jornalista tenha sido condenado, sequer foi julgado  - função que cabe ao Poder Judiciário, desde que, obedecendo ao devido processo legal.]
Como sabemos, o Supremo não obedeceu o devido processo legal por ser, a um só tempo, vítima, investigador, acusador, juiz e executor, algo que só se via no absolutismo. Sob o pretexto de saúde pública, vimos o STF passar por cima de direitos fundamentais, até de deixar em segundo plano poderes do chefe da nação priorizando governadores e prefeitos. O Supremo já mudou a Constituição na área de costumes e agora tem nas mãos uma gigantesca questão fundiária que pode derrubar o mais precioso trunfo do Brasil: a vocação de alimentar o mundo.[o abuso de autoridade, a humilhação aos outros poderes, só vai cessar quando um dos humilhados, desautorizados, receber a ordem e seguir o exemplo do Calheiros: NÃO VOU OBEDECER, e  ignorar a ordem, decisão que certamente será revogada. 
O triste é que o cidadão a ser seguido como exemplo é um dos multiprocessados do Brasil. Só que neste caso, quem o seguir estará rigorosamente dentro das quatro linhas da Constituição.]

Nesses dias, alguns atos e ameaças no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fariam corar um Sobral Pinto
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) já reclamou da passividade do Senado diante disso e o senador Esperidião Amin (PP-SC) disse há dias que isso pode não acabar bem.  
Quando há exceção para o devido processo legal, há insegurança incompatível com as liberdades básicas, principalmente quando a liberdade de opinião é atingida. 
O poder que é do povo é para opinar, divergindo e criticando. Para concordar, não é preciso ter poder. Com insegurança na Justiça, não há estado de justiça.

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense