Alexandre Garcia
"O poder que é do povo é para opinar, divergindo e criticando. Para concordar, não é preciso ter poder. Com insegurança na Justiça, não há estado de justiça"
A Constituição afirma, no seu primeiro artigo, que todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes
eleitos ou diretamente. Repetindo: o povo exerce seu poder diretamente,
ou por aqueles que ele elege, no Executivo e no Legislativo.
É assim que
temos vivido, ou o poder do povo, direto ou indireto, tem sido limitado
por quem não foi eleito?
O Poder Judiciário
tem se mostrado acima aos poderes eleitos. Na História, o autoritarismo
tem sido praticado pelo chefe do Executivo, acima o Legislativo e o
Judiciário, com o pretexto de representar o povo.
Aqui, hoje, o chefe do
Executivo federal, que teve quase 58 milhões
de votos para representar a
nação, tem se curvado ante imposições do Supremo Tribunal Federal.
O
mesmo tem acontecido com o Senado e a Câmara, obedientes a
determinações, muitas vezes, de um único juiz do Supremo.
Em nome da
ordem, ninguém se recusa a cumprir determinações do STF, à exceção do
presidente do Senado, Renan Calheiros, em 6 de dezembro de 2016, quando
recusou-se a deixar o cargo, como ordenava o ministro Marco Aurélio.
Essa introdução remete à queixa crônica de insegurança
jurídica, como um dos maiores fatores do custo Brasil. Uma das causas é a
excessiva judicialização de temas que deveriam ser resolvidos interna
corporis no Legislativo e no Executivo, como se queixou o atual
presidente do Supremo, Luis Fux, em seu discurso de posse.
Virou moda a
minoria apelar para o tapetão do Supremo.
Em outros tempos, o relator
devolvia ou jogava o recurso no arquivo, por ser assunto para o próprio
parlamento resolver. Eram tempos em que o presidente não era Bolsonaro.
Aí, entra o segundo fator, identificado por juristas como Ives Gandra e
Modesto Carvalhosa: o ativismo judicial, ou a militância política.
Quando há algum vácuo na Constituição, o Supremo, em
vez de exigir que o Congresso — que tem poderes constituintes — decida a
questão, costuma ele próprio, que não teve um voto sequer para isso, se
transformar em poder constituinte.
Então, temos que o Supremo, sem
estar relacionado no primeiro artigo da Constituição como representante
do povo, já que não é eleito, tem poder constituinte e poder de
interferir nos outros poderes, eleitos para representar o povo. É,
portanto, de fato, o mais poderoso dos Poderes. Quando um jornalista
pede asilo político no exterior, ninguém imagina que ele esteja sendo
procurado pelo Judiciário e não pelo chefe do Executivo. [sem que o jornalista tenha sido condenado, sequer foi julgado - função que cabe ao Poder Judiciário, desde que, obedecendo ao devido processo legal.]
Como sabemos, o Supremo não obedeceu o devido processo
legal por ser, a um só tempo, vítima, investigador, acusador, juiz e
executor, algo que só se via no absolutismo. Sob o pretexto de saúde
pública, vimos o STF passar por cima de direitos fundamentais, até de
deixar em segundo plano poderes do chefe da nação priorizando
governadores e prefeitos. O Supremo já mudou a Constituição na área de
costumes e agora tem nas mãos uma gigantesca questão fundiária que pode
derrubar o mais precioso trunfo do Brasil: a vocação de alimentar o
mundo.[o abuso de autoridade, a humilhação aos outros poderes, só vai cessar quando um dos humilhados, desautorizados, receber a ordem e seguir o exemplo do Calheiros: NÃO VOU OBEDECER, e ignorar a ordem, decisão que certamente será revogada.
O triste é que o cidadão a ser seguido como exemplo é um dos multiprocessados do Brasil. Só que neste caso, quem o seguir estará rigorosamente dentro das quatro linhas da Constituição.]
Nesses dias, alguns atos e ameaças no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), fariam corar um Sobral Pinto.
O senador Eduardo Girão
(Podemos-CE) já reclamou da passividade do Senado diante disso e o
senador Esperidião Amin (PP-SC) disse há dias que isso pode não acabar
bem.
Quando há exceção para o devido processo legal, há insegurança
incompatível com as liberdades básicas, principalmente quando a
liberdade de opinião é atingida.
O poder que é do povo é para opinar,
divergindo e criticando. Para concordar, não é preciso ter poder. Com
insegurança na Justiça, não há estado de justiça.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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