"Para 364 deputados, a casa deixa de ser o asilo inviolável do indivíduo. A polícia entrou às 23 horas na residência do deputado. Portanto, pode entrar também na nossa casa, portando o recém-inventado paradoxal ‘mandado de prisão em flagrante’"
Tenho pena do venezuelano que fugiu de seu país porque lá prendem
jornalista e deputado.
Aqui, o refugiado encontra isso de novo,
inclusive, um Legislativo que endossa atos assim.
E, agora, deputados
fingem que a culpa é da Constituição e falam em aperfeiçoar o artigo 53
(os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por suas
opiniões, palavras e votos), para que não sejam os próximos a serem
presos por palavras. Não creio que o artigo precise de alguma mudança.
Está muito claro, na Constituição Cidadã, ao alcance de qualquer
alfabetizado ler e entender. [ilustre colunista! a mudança suprime o trecho quaisquer de, parece mínima, mas deixa espaço para censurar o teor da mensagem - fosse válida a 'constituição cidadã', em sua integralidade, para os apoiadores do presidente Bolsonaro, toda a fala do deputado DANIEL SILVEIRA, apesar do conteúdo desrespeitoso, que a torna chula,deseducada, grosseira, inoportuna, não constituiria crime, o quaisquer de da redação vigente assim estabelece.
Só que a Câmara para reduzir a imunidade parlamentar pretende retirar o trecho - o temor faz os deputados legislarem contra eles mesmo.]
A sessão da Câmara, na sexta-feira, começou errada. A
relatora encaminhou a votação como se estivesse julgando o conteúdo
desrespeitoso da fala do deputado Daniel. O conteúdo vai ser julgado
pela Comissão de Ética e Decoro. [sendo recorrente: ao nosso entendimento o quaisquer de coloca conteúdo considerado desrespeitoso sob o amparo d estabelecido no 'caput' do artigo 53, CF.] O plenário estava reunido para julgar a
legalidade da prisão do deputado.
E 364 deputados, ao aprovarem a
prisão, negaram o que está no art. 53 da Constituição.
Essa imunidade é
tão importante que permanece até no estado de sítio.
Ainda assim, os 364
abriram mão, unilateralmente, de sua inviolabilidade por opiniões,
palavras e votos, que não é deles, mas dos eleitores que representam. [o que apavorou os deputados foi o medo da escolha de Sofia - que tiveram que fazer.
- Libertando o deputado DANIEL SILVEIRA ofenderiam o Supremo Tribunal Federal, conduta desaconselhável para os que tem 'rabo preso' naquela Corte;
- Mantendo o deputado DANIEL SILVEIRA preso, fortaleceram a tendência absolutista do STF, o que poderá custar caro a eles e a milhões de brasileiros.]
Ao mesmo tempo, negaram o inciso XI do artigo 5º, que é
cláusula pétrea.
Para 364 deputados, a casa deixa de ser o asilo
inviolável do indivíduo.
A polícia entrou às 23 horas na residência do
deputado. [a Constituição Federal só autoriza o ingresso na casa de um cidadão, durante a noite, em situações excepcionais, devendo a interpretação permissiva do ingresso ser estabelecida de forma restritiva, até para conter situação de risco de fuga.
Art. 293 CPP - Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu
entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a
entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido
imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia,
entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o
executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará
guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que
amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão."]
Portanto, pode entrar também na nossa casa, portando o
recém-inventado paradoxal “mandado de prisão em flagrante”. [já denominado de “flagrante perenemente possível”] Os 364
concordaram que pode haver um flagrante enquanto as palavras prescritas
estiverem nas redes sociais.
Os 364 negaram mais uma alínea da cláusula pétrea, a
XLIV, que estabelece como crime inafiançável a ação de grupo armado
contra a ordem democrática.
Concordaram, pois, que a palavra é arma,
para justificar prisão em flagrante, negando, com o art. 53, o art. 220,
pelo qual a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, não sofrerá
qualquer restrição — embora exista um jornalista preso por isso. Por
fim, os 364 negaram o art. 127 da Constituição, concordando que um
inquérito não precisa de Ministério Público e que o próprio ofendido
pode investigar, denunciar e julgar o ofensor. Enfim, os 364 deputados
concordaram com os 11 juízes do Supremo — e podem preocupar refugiados
venezuelanos.
Alexandre Garcia, jornalista - Correio Braziliense