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sexta-feira, 1 de março de 2019

O malefício da dúvida

“A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso

O presidente Jair Bolsonaro, na entrevista coletiva que deu ontem a jornalistas em Brasília, sinalizou para o mercado que não está tão afinado com a proposta de nova Previdência enviada pelo governo ao Congresso como deveria. O pomo da discórdia é a proposta do chamado Benefício de Prestação Continuada (BPC) para os idosos carentes, que hoje é de um salário mínimo para aqueles que tem mais de 65 anos. Na proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, o benefício seria pago para idosos com mais de 70 anos, antecipada por um benefício de R$ 400 reais a partir dos 60 anos. Bolsonaro também admitiu reduzir de 62 para 60 anos a idade mínima para aposentadoria das mulheres, que a equipe queria que fosse igual à dos homens, 65 anos.

Como sempre acontece nessas situações, a Bolsa de São Paulo fechou em queda de 1,77%, influenciada também pela divulgação do PIB do ano passado, que cresceu apenas 1,1%, e pelo fato de que os indicadores econômicos dão sinais de desaceleração. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram, em valores correntes, que o PIB em 2018 totalizou R$ 6,8 trilhões, riqueza equivalente a de 2012. Ou seja, o país está estagnado há 7 anos. Não é culpa de Bolsonaro, mas o problema agora é do novo presidente.
Os números são frustrantes em relação ao desemprego, que mantém o patamar do começo de 2018 e teve uma queda do ritmo de geração de vagas. Também caíram as expectativas do comércio e dos serviços. O chamado “instinto animal” dos empresários, para usar uma expressão famosa do ex-ministro Delfim Neto, diante do atual cenário, continua recomendando mais cautela do que audácia na tomada das decisões, o que frustra um pouco as expectativas da equipe econômica. Na prática, o principal sinal de mudança precisa vir da política, com aprovação da reforma da Previdência.

A proposta de benefício continuado apresentado pela equipe econômica é realmente polêmica e estava na bandeja das negociações com o Congresso. Dificilmente seria aprovada, mas a declaração de Bolsonaro tirou o “bode” de sala antes da hora. Ou seja, o governo perdeu poder de barganha nas negociações da reforma de graça, antes mesmo de a comissão especial encarregada de examiná-la ser instalada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Populismo
Análise feita pelo economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente, ligado ao Senado, estima que a nova regra de concessão do BPC elevaria as despesas nos primeiros anos (aumento de R$ 2,1 bilhões em quatro anos), mas geraria economias crescentes no período seguinte (somando R$ 28,7 bilhões em 10 anos). “Para que a regra proposta, em 10 anos, fosse neutra em termos fiscais na comparação com a regra atual, o benefício mensal pago aos idosos entre 60 e 69 anos deveria ser de R$ 520,00”, calcula.

A proposta era vista como um ponto fraco da nova Previdência pela oposição, que logo construiu a narrativa de que o governo estava jogando o ônus da reforma sobre os ombros dos mais necessitados, os idosos carentes e portadores de deficiência. Bolsonaro não aguentou a pressão, ainda mais depois da divulgação de pesquisa na qual o índice de aprovação do governo estava abaixo de suas próprias expectativas. O presidente da República tem uma avaliação positiva de 57,5% da população, mas seu governo conta com a confiança de 38,9%, segundo o instituto MDA. A distância entre seu desempenho pessoal e o do governo é de 18,6%. Avaliaram o governo como regular 29% dos entrevistados; como ruim ou péssimo, 19%.

Político com quase 30 anos de experiência na Câmara, Bolsonaro sabe muitíssimo bem o que é uma causa perdida no parlamento, mas era de se esperar mais sangue-frio no tratamento do assunto, porque a forma como sinalizou o recuo, perante o mercado, reforça o perfil de um político populista, com dificuldades para enfrentar temas que possam afetar sua popularidade. Também mostra um tipo de negociador sem estratégia de chegada, o que não costuma ser bom para o governo no Congresso. Entra governo, sai governo, os agentes econômicos são os mesmos, têm interesses permanentes e costumam reagir de acordo com as expectativas criadas pela relação/governo. Como a base governista ainda não se estruturou para a reforma, declarações como as de ontem servem para organizar a oposição.

 Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

A força de Bolsonaro

Bolsonaro cobrou apoio do Congresso para aprovar a reforma da Previdência: “Nós contamos com o patriotismo e o entendimento do Parlamento”

[O percentual de aprovação de Bolsonaro cresceu em relação ao percentual de votos válidos que obteve no segundo turno das eleições 2018 - que foi de 55,13%, indicador seguro de que se as eleições fossem agora ele seria eleito.]

Dois meses após tomar posse e às vésperas do debate sobre a reforma da Previdência no Congresso, o presidente Jair Bolsonaro tem uma avaliação positiva de 57,5% da população e seu governo conta com a confiança de 38,9%, segundo pesquisa do instituto MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). A distância entre seu desempenho pessoal e o do governo, da ordem de 18,6%, corrobora as avaliações de que precisa descer do palanque e cuidar mais da gestão para atender as expectativas da população. Avaliaram o governo como regular 29% dos entrevistados; como ruim ou péssimo,19%.

Em palestra para empresários, em São Paulo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi ao xis da questão: “A sociedade pós-eleição gerou muita expectativa do governo do presidente Bolsonaro de que nós teríamos aí um novo país. Só que as mudanças não são tão rápidas em um país democrático”. A pesquisa mostra as prioridades da população: saúde (42,3%); segurança (34,3%); educação (31,6%); corrupção (29,2%); emprego (23,7%); economia (14,3%); combate à pobreza (13,3%); meio ambiente (1,5%); saneamento (1%); energia (0,9%); transporte (0,8%). São demandas objetivas, que não se encaixam no discurso de ordem ideológica.

Em compensação, Bolsonaro leva grande vantagem na comparação com os antecessores: para 55,4%, seu governo é melhor do que o de Michel Temer; para 55,9%, do que o de Dilma Rousseff. Lula e Dilma, porém, estavam melhor no começo de seus governos: 56,6% e 49,2%, respectivamente. Já o governo Temer tinha apenas 11,3%. O grande desafio do novo governo é corresponder ao otimismo popular gerado pelo resultado das eleições: 51,3% avaliam que o emprego vai melhorar; 51,2%, a saúde; 47,2% a educação; 53,3%, a segurança pública; e 48,3%, a corrupção. Todas essas tarefas do governo estão a cargos de ministros civis e dependem da aprovação da reforma da Previdência para ter mais recursos, com exceção do combate à corrupção. É aí que entra a política, como deixou claro Maia na conversa com empresários.

Patriotismo
Ontem, na posse do general Silva e Lula na presidência da Itaipu Binacional, Bolsonaro cobrou apoio do Congresso para aprovar a reforma da Previdência: “Nós contamos com o patriotismo e o entendimento do Parlamento para que nós possamos ter uma reforma da Previdência. Porque, caso contrário, economicamente o Brasil é um país fadado ao insucesso”, disse. A reforma precisa ser aprovada por pelo menos 308 dos 513 dos deputados, e por 49 dos 81 senadores e só vai começará a andar na Câmara quando o governo encaminhar ao Congresso as propostas relativas à Previdência dos militares, com os quais o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não chegou a um acordo.

O apoio ao governo Bolsonaro e à reforma da Previdência, entretanto, é robusto na Câmara. Segundo pesquisa da Arko Advice, 39,4% dos deputados avaliam como positivo o governo; 60,55% consideram a relação entre o Executivo e o Legislativo como ótima ou boa; 68,8% são favoráveis à reforma da Previdência; e 34% acham que será aprovada até junho. Mas a situação se complica quando se discutem os detalhes. A idade mínima de aposentadoria apresentada pelo governo — 62 anos para mulheres e 65 anos para os homens —, por exemplo, divide opiniões na Câmara: apenas 37,6% concordam com a proposta.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB