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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Um algoz da economia: o ativismo judicial - Revista Oeste

Ubiratan Jorge Iorio

Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Ilustração: Montagem Revista Oeste/Shutterstock

Quando levamos uma xícara de café quente à boca, a precaução, ativada pela lembrança de alguma queimadura pretérita na língua, nos ensina a começar por um pequeno sorvo, para sentirmos se continuamos a beber ou esperamos um pouco. Antes de entrarmos em uma piscina, é sempre aconselhável checarmos a temperatura da água, para evitarmos sensações desagradáveis. Da mesma forma, a prudência nos recomenda colocarmos agasalhos na mala que vamos levar em uma viagem para a Serra Gaúcha.

Esse comportamento defensivo, quase sempre intuitivo, está presente na maior parte dos atos econômicos e manifesta-se tão mais fortemente quanto maior for a sua importância. Não precisamos de nenhuma cautela quando compramos um pãozinho, mas temos de tomar algum cuidado quando encomendamos uma adega pela internet, e necessitamos ter muita atenção antes de uma transação imobiliária. Todas as decisões relevantes, portanto, exigem cuidados em busca de menos incerteza e mais segurança.

À vista disso, riscos fazem parte da rotina das escolhas econômicas, e a teoria nos ensina que há três tipos de reações diante do perigo que representam, a saber: aversão, apego e neutralidade. Sabemos que a maioria dos indivíduos se enquadra na tipificação de avessos ao risco, o que significa que, para uma pessoa-padrão, buscar um mínimo de segurança para evitar ou minimizar riscos é um hábito tido como aconselhável.

A economia funciona pelas ações contínuas de bilhões de indivíduos tentando atingir objetivos específicos. Contudo, o fato de cada pessoa almejar fins exclusivamente seus e, portanto, diferentes daqueles perseguidos pelas demais não impede a existência de um núcleo de propósitos comuns, pois, se não fosse assim, viver em sociedade não faria muito sentido. O que caracteriza uma sociedade livre, aberta, virtuosa e próspera é, em muitos aspectos, a garantia dessa coexistência entre os objetivos de cada indivíduo e os fins comuns. Teoricamente, o que pode assegurar esse sincronismo é a lei, que existe para garantir regras fixas para o jogo e a segurança, com vistas a minimizar os riscos.

Cooperação social
Economia e Direito
são, portanto, indissociáveis, e não podemos nos esquecer de que uma das finalidades da lei é precisamente amparar as transações econômicas, especialmente decisões de investimento, que são escolhas de longo prazo e de grande relevância para o crescimento sustentado. Quando não há lei, ou quando sua função é pervertida, as atividades econômicas transformam-se em jogos de soma zero — ou seja, caracterizados por conflitos — e termina prevalecendo o caos social, ou, em linguagem menos rebuscada, a lei de Murici, aquela que manda a cooperação para a “cucuia” e ordena que cada um cuide apenas de si.

Infelizmente, temos assistido, no Brasil e em todo o mundo, a um fenômeno que até poucos anos atrás escapava à percepção da população, mas que atualmente é parte obrigatória em nossas conversas do dia a dia. Trata-se de uma ocorrência com repercussões importantes sobre o ordenamento social — vale dizer, econômico, político, jurídico e, em última instância, ético e moral — que, infelizmente, tem sido propositalmente omitida pelo grande “consórcio da desinformação” em que se transformou a imprensa tradicional. É a politização do Judiciário, de efeitos negativos sobre a democracia, a economia, a política e, portanto, a própria sociedade, porque, entre outras consequências maléficas, destrói a maioria das forças responsáveis pela cooperação social e pela estabilidade institucional.

A causa desse processo de politização é o relativismo moral niilista, que lançou uma deliberada nuvem cinzenta sobre a fronteira ética demarcatória entre o certo e o errado e que se espraiou a partir da segunda metade do século 19, durante o século 20 e continua bastante presente em todos os campos da ação humana. Do Direito à Economia, da Política à Sociologia, da Psicologia à Antropologia, das Artes à Cultura, fazendo emergir o fatal conceit, aquela pretensão fatal tão bem apontada por Hayek: a crença cega de que soluções políticas” são superiores às geradas de forma espontânea em cada um dos subsistemas que compõem as sociedades. É uma crendice perigosíssima, haja vista que gerou práticas e instituições que levaram aos grandes males do século passado, como o nazismo, o socialismo, o fascismo e o comunismo.

Os males do ativismo jurídico
No campo jurídico
, o relativismo de adornos marxistas armou-se com o escudo da Doutrina do Direito Alternativo ou Relativo ou Paralelo e com a espada perigosíssima do ativismo judicial. A pedra angular desses princípios é que, como a lei não esgota o Direito, os juízes devem assumir posturas “críticas” diante dela, o que os autoriza a deixarem de aplicá-la, caso considerem-na “injusta”. De fato, como nem todas as normas são justas, a lei não esgota o Direito, mas isso não é argumento para que juízes assumam as funções de deuses de togas e se postem acima delas, por mais nobres que possam ser as suas intenções. Na verdade, tal silogismo nada mais é do que um embuste ideológico disfarçado.

Não é por acaso que a politização do Judiciário pode ser encontrada tanto na Alemanha de Hitler quanto na antiga União Soviética e, ainda hoje, em todos os países que optaram por sistemas totalitários, como o socialismo. Uma rápida olhada para a América Latina atual dirime qualquer dúvida. O Brasil precisa neutralizar esse mal, pelo aperfeiçoamento das instituições, antes que seja tarde. É a nossa liberdade que está em jogo.

A política econômica do governo já garantiu, apenas com as privatizações, R$ 200 bilhões, bem como mais de R$ 800 bilhões de investimentos privados nos próximos anos

É assustador quando uma doutrina sustenta que um juiz está acima da lei e que pode submetê-la a suas preferências ideológicas ou partidárias, ou mesmo a seus instintos tirânicos. O principal pretexto é que seria dever do Direito realizar “transformações sociais”, uma vez que a lei seria produzida pelos que estão no poder e, portanto, refletiria os interesses de uma classe dominante, em detrimento dos “marginalizados”.  
Essa aberração repudia os princípios consagrados de neutralidade da lei e de imparcialidade do juiz: 
- a lei não seria neutra porque se originaria do poder dominante, e o juiz não deveria ser imparcial, porque seria seu dever julgar os fatos subjetivamente e posicionar-se tendo em vista os objetivos “sociais” — entenda-se, “revolucionários”. 
Isso lhe aumenta os poderes e lhe permite questionar e até mesmo repelir o conjunto de normas legais vigentes.
 O magistrado entra dessa forma diretamente na “luta de classes”, abandonando a postura de imparcialidade, que o “aprisionaria” dentro do estrito cumprimento da lei. Não é, portanto, de estranhar quando um magistrado alinhado a essa corrente atribui a si, com extrema arrogância, o papel de corretor de erros “históricos”, para justificar decisões que frequentemente agridem princípios morais elementares.[se considerando imbuído do supremo dever de empurrar a história e classificando como inimigo os que possam criar obstáculos a sua missão 'sagrada'.]

Direito supralegal

O ativismo judicial
manifesta uma visão política e ideológica do Direito, supralegal e inteiramente comprometida com o socialismo e com tendências tirânicas, incompatível com a garantia das liberdades individuais e da verdadeira democracia. Primeiro, porque, ao abraçar o conceito marxista de “lutas de classes”, retira do Direito o seu atributo de ciência normativa. Segundo, porque o juiz não pode substituir o legislador e nem o presidente. Terceiro, porque se uma determinada lei é “injusta”, o correto é que o Legislativo a revogue e não que um juiz a modifique a bel-prazer [ou a suspenda.]. Quarto, porque nada justifica a defesa de que juízes não precisam ser imparciais. Quinto, porque lhes confere poderes exorbitantes, dotando-os de um livre-arbítrio que pode ser despótico e calamitoso. Sexto, porque, como cada cabeça é uma sentença, abre as portas para jurisprudências contraditórias, ou seja, para aumentar a insegurança jurídica. Sétimo, porque agride o princípio do devido processo legal, ou seja, a garantia de que ninguém pode ser atingido em seus bens e direitos sem o competente processo que respeite princípios constitucionais diretivos, como o da legalidade, o da isonomia e o do contraditório.

É uma doutrina moldada para justificar a idiossincrasia da esquerda, tão bem identificada pelo filósofo Roger Scruton, que é julgar o sucesso de alguns pelo fracasso de outros, o que fornece sempre uma vítima a ser “resgatada”. Assim foi, no século 19, com o proletariado; nos anos 1960, com a juventude; depois, com as mulheres; e, sucessivamente, com os negros, os homossexuais, os índios, os animais, o planeta. 

Qual será o próximo refém a ser salvo por esses justiceiros sociais, sem que precisem atender a ditames processuais, prazos e normas, tudo em nome de uma aludida e sempre nebulosa “justiça social”?

Consequências econômicas do ativismo judicial
O ativismo exacerbado que podemos observar em várias decisões do STF,
cuja missão — sempre é de bom alvitre lembrar é zelar pela Constituição, diminui o espaço de atuação institucional dos demais Poderes. Também subverte a Suprema Corte, transformando-a inaceitavelmente na depositária única de todas as demandas da sociedade e, o que ainda é pior, na formuladora de todas as soluções. Adicionalmente, a formação técnica dos magistrados está muito longe de capacitá-los a exarar decisões econômicas, administrativas e políticas.
Há algum tempo o Brasil vem assistindo — atônito — a magistrados sem conhecimentos de economia e de gestão, sem a representatividade política que só o voto lhes poderia conferir e livres de responsabilidade no que concerne às alocações de recursos estabelecidas nos orçamentos, tomando decisões que competem constitucionalmente ao Legislativo e ao Executivo
Essa prática de intromissão nos demais Poderes, cada vez mais recorrente, tisna o papel insubstituível de bastião último da democracia, que só o Judiciário pode cumprir.
Os efeitos do ativismo judicial sobre a economia são desastrosos. E não se trata apenas de interferir indevidamente em privatizações, preços, alíquotas de impostos e outras atribuições de competência exclusiva do Ministério da Economia.  
Não se trata somente de aumentar o risco inerente às decisões econômicas importantes, como as de investimentos. 
Trata-se de espalhar insegurança jurídica generalizada e, portanto, maximizar riscos. 
Chamam a atenção muitos fatos que vêm se tornando corriqueiros, estranhos às verdadeiras práticas democráticas, aparentemente sem conexão com a economia, mas que podem produzir efeitos devastadores, comprometendo boa parte do enorme esforço que a equipe econômica vem fazendo para colocar o país no caminho da prosperidade.
 
Apenas para dar um exemplo, a política econômica do governo já garantiu até hoje, apenas com as privatizações, R$ 200 bilhões (sendo R$ 78 bilhões apenas neste ano), bem como mais de R$ 800 bilhões de investimentos privados nos próximos anos.  
Agora, suponha que você reside no exterior, que resolveu investir R$ 100 bilhões no Brasil em cinco anos e que já ingressou com 10% desse montante, ou seja, por analogia, deu uma bicadinha na xícara, colocou a mão embaixo do chuveiro e reservou hotel em Bento Gonçalves. 
Então, um iluminado de toga decide investigar, instigado por um senador que — pasmem — está no comando da campanha do principal opositor do governo, as conversas privadas de empresários importantes. 
O que isso sinaliza para todos? 
Não é óbvio que está abertamente impondo riscos maiores, indicando que o café está “pelando”, ou que a piscina está fria demais ou que é melhor adiar sua viagem? 
Ora, por prudência, não é melhor então esperar para colocar os seus R$ 90 bilhões restantes no país? 
O mesmo raciocínio vale para residentes no Brasil. 
E os investimentos, e os empregos, e a economia, como ficam?

Há, ainda, um risco adicional, representado pelas eleições: dependendo de quem será o próximo presidente, nada garante que não vão roubar a sua xícara, o café, a água, a mala com os seus agasalhos e até os ladrilhos da piscina.  

O povo deu o seu recado no dia 7 de Setembro, ao manifestar-se contra o absurdo ativismo judicial vigente. Que seja ouvido. 

Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor. Instagram: @ubiratanjorgeiorio Twitter: @biraiorio

Leia também “Pensando em nossos descendentes”

Ubiratan Jorge Iorio, colunista - Revista Oeste