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domingo, 19 de agosto de 2018

A farra bilionária dos barnabés

Relatório da CGU mostra que, entre 2010 e 2017, R$ 1,3 bilhão foi pago indevidamente a servidores públicos. Após auditorias, foram encontradas 330 mil inconsistências em folhas de pagamento

Considerado um dos maiores estudiosos sobre administração pública de todos os tempos, o ex-presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson destacava ainda nos idos do século XIX que instituições governamentais, aquelas arcadas com o dinheiro do contribuinte, deveriam ser geridas da mesma forma que no sistema privado: com regras específicas, hierarquias e metas e afins. E que, principalmente, o dinheiro público não fosse administrado como se, por ser de todo mundo, não tivesse dono específico, sujeito, então, a todo tipo de desvio. Bem longe do pensamento do ex-presidente americano, no Brasil o dinheiro público perde-se em benefícios inexplicáveis e indevidos, indo parar nos bolsos de servidores públicos – os eternos barnabés da marchinha de Haroldo Barbosa – em expedientes e irregularidades que, de fato, seriam impensáveis na iniciativa privada, pelo imenso desperdício.

Relatório inédito da Controladoria Geral da União (CGU) ao qual a ISTOÉ teve acesso com exclusividade revela que entre os anos de 2010 e 2017 nada menos que R$ 1,3 bilhão foi pago de forma indevida a funcionários públicos. Foram benefícios ilegais que a CGU, a partir de auditorias, conseguiu recuperar. A conta, na prática, pode ser ainda maior, em razão de alguns organismos que a controladoria não alcança. Há um pouco de tudo nas irregularidades descobertas. Servidores que não tiveram o ponto cortado, apesar de terem faltado ao trabalho, filhas solteiras de ex-funcionários que recebiam pensões mesmo sendo servidoras públicas também, pessoas que recebiam benefícios por gratificações por titularidade mesmo sem ter diplomas que justificassem a benesse, funcionários públicos com carga horária flexibilizada, trabalhando menos do que o mínimo determinado pelo regime do serviço público e até pagamento de horas extras indevidas. Em sete anos, os técnicos da CGU apuraram 72 trilhas de auditorias, ou seja, mais de sete dezenas de diferentes modalidades de desvios. “O resultado das trilhas também é repassado ao Ministério do Planejamento para providências corretivas”, descreve o relatório.

A AUDITORIA
Abaixo, trechos do relatório da CGU que identificou as irregularidades:
Os números impressionam. Entre os anos de 2010 e 2014, por exemplo, a CGU apontou 330 mil tipos de inconsistências em folhas de pagamento após auditorias nas folhas de pessoal em todos os órgãos da administração pública federal. Neste período, por exemplo, chamou a atenção o verdadeiro descontrole das contas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Somente no ano de 2012, foram diagnosticados aproximadamente 19,3 mil inconsistências nas folhas de pagamento da instituição. Também chamaram atenção as incongruências nas folhas do Ministério da Saúde e do Trabalho. Na amostra de 2012, foram detectadas 10,7 mil irregularidades nas folhas de pagamento do Ministério da Saúde e outras 10,3 mil no Trabalho.



Os casos mais escabrosos
Triste é verificar que foi nas instituições de ensino superior, onde se deveria estar pensando soluções para o futuro do país, que os técnicos da CGU encontraram os casos mais escabrosos. De acordo com o órgão, em 50% das Auditorias Anuais de Contas realizadas nas Instituições de Ensino Federais em 2016 e 2017, foram constatados indícios de acumulação ilegal de cargos docentes. Há diversos casos de professores que, mesmo tendo contrato de dedicação exclusiva com uma instituição, ministravam aulas também em outras. Nada menos do que 373 professores com dedicação exclusiva foram flagrados prestando serviços para faculdades distintas.


As auditorias mostram ainda falta de método na concessão dos benefícios. Na mesma Universidade Federal do Acre, um professor demorou três anos para conseguir obter a gratificação merecida depois de concluir seu mestrado. Já um outro obteve o mestrado em 2014 e em 2015 já estava recebendo a gratificação. Mais do que isso, por alguma razão, ele recebeu o benefício de forma retroativa, desde 2006.

Esse tipo de inconsistência, para a CGU, gerou um prejuízo de aproximadamente R$ 180 mil.
Indevidos adicionais de insalubridade e flexibilização irregular da carga horária foram outros problemas comuns. “Há reduções da jornada de trabalho concedidas a servidores que trabalham em setores nos quais o atendimento ao público e o trabalho noturno não são características preponderantes dos serviços desempenhados. Verificou-se, ainda, a ausência dos quadros com a escala nominal dos servidores que trabalham no regime flexibilizado”, destaca o relatório. Em linhas gerais, o relatório da CGU assim pode ser resumido: quando se trata o dinheiro público com frouxidão e desleixo, como se não tivesse dono, alguém mais esperto sempre se apropria dele.

IstoÉ


 

segunda-feira, 2 de abril de 2018

Ministro do STF não é um funcionário qualquer

Juízes do Supremo são comparáveis a servidores que exercem cargos de confiança. Não podem ser vistos como simples barnabés do serviço público 

O Judiciário e o Ministério Público estão no topo dos privilégios construídos pelas corporações do setor público. Auferem salários muito acima da média dos demais servidores públicos e mesmo dos observados em países desenvolvidos. Juízes e procuradores se beneficiam de um conjunto de penduricalhos que aumentam sua renda, entre os quais o auxílio-moradia até para os que têm imóvel residencial na cidade onde trabalham. Há casos de casal de juízes que recebem em dobro o auxílio-moradia. 


Em artigo na revista Época desta semana, intitulado “Magistocracia, a ‘gran famiglia’ judicial brasileira”, o advogado Conrado Hubner diz que juízes vivem um mundo à parte. Para ele, a magistocracia “corrói a cultura democrática e sua pretensão igualitária”. Hubner sugere discutir o poder e o privilégio dos magistrados. A magistocracia, diz, tem cinco atributos: “é autoritária, autocrática, autárquica, rentista e dinástica”. 


Neste domingo, a Folha de S. Paulo mostrou que os ministros do STF têm direito a 88 folgas, além dos sábados e domingos. A conta abrange os 60 dias de férias a que eles fazem jus, o que também se estende aos demais juízes. Assim, calcula a Folha, restam 196 dias úteis para o exercício do cargo pelos membros do Supremo, contra 227 dias em outras áreas do serviço público e do setor privado.


A corporação reagiu. Para o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Roberto Veloso, “os juízes não recebem hora extra por trabalharem além do horário previsto. É do conhecimento de todos que os juízes são obrigados a despachar processos fora do expediente, inclusive aos sábados e domingos. Nenhum plantão de juiz é remunerado, quando muito conseguem uma compensação sem nenhum acréscimo”.


O Dr. Veloso dá a entender que o trabalho dos juízes se assemelha ao dos servidores públicos comuns. Ocorre que, especialmente no Supremo, os juízes exercem cargo nobre, dotado de vantagens não aplicáveis ao funcionário de carreira. O STF é a cúpula de um dos poderes da República. Não se pode compará-los com simples barnabés. Uma comparação mais adequada seria com os servidores que exercem função de confiança no setor público. Eles trabalham além do horário, vez por outra comparecem ao serviço nos fins de semana e nem por isso ganham hora extra. [DETALHE IMPORTANTE: JUIZ E PROCURADOR não são servidores públicos, sendo os primeiros MEMBROS do PODER JUDICIÁRIO e os outros MEMBROS do MINISTÉRIO PÚBLICO  - havendo legislação específica para cada uma das categorias;
todo e qualquer servidor do Poder Judiciário, mesmo os que exercem função de confiança, quando trabalham fora do horário normal de expediente ganham hora extra ou tem a opção de folgar em dobro os dias trabalhados.]


A comparação seria mais precisa se fosse feita com os ministros de Estado e seus colaboradores mais imediatos. Nas pastas da Fazenda e do Planejamento, por exemplo, o trabalho diário costuma estender-se por doze horas ou mais. O comparecimento nos fins de semana é habitual. Nem por isso eles recebem hora extra.  Em benefício do Judiciário e do Ministério Público, há que discutir os escandalosos salários e vantagens de juízes e procuradores, muitos dos quais conseguem, por variados artifícios, ganhar mais do que o teto legal. Eles merecem ser bem remunerados, mas não muito acima dos demais servidores públicos e do que os brasileiros conseguem pagar. 

Blog do economista Maílson da Nóbrega: política, economia e história - VEJA