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segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Tecnocracia autoritária - Rodrigo Constantino

Foto: Montagem Revista Oeste/STF Divulgação
Foto: Montagem Revista Oeste/STF Divulgação

Pouco depois, o ministro Dias Toffoli deu uma declaração bem estranha em evento em Portugal, afirmando que o Brasil já tem um regime de semipresidencialismo na prática, com o STF no papel de Poder Moderador, e ainda citou o exemplo da pandemia para ilustrar seu ponto. O Brasil não realizou nenhum plebiscito para mudar de regime, e, pelo que consta em nossa Constituição, somos um país presidencialista, com atribuições claras a cada Poder para criar um mecanismo de freios e contrapesos, impedindo o abuso de algum deles.

O que os dois casos parecem ter como denominador comum é uma mentalidade vigente principalmente na elite tecnocrática que trai certo desprezo pela opinião popular. Nos discursos, todos defendem a democracia, a soberania nacional, a pluralidade. Mas, na prática, muitos servidores do Estado alimentam uma crença arrogante de que são ungidos e precisam guiar as massas mais ignorantes, “empurrar a história” rumo ao “progresso”.

Isso não vem de hoje. Bismarck tinha fé semelhante nos burocratas da Prússia, e os democratas americanos tentam há décadas criar uma casta de especialistas que deveria concentrar mais poder. Woodrow Wilson e os “progressistas” basearam-se nos exemplos dos intelectuais tecnocráticos da Revolução Francesa, como Henri de Saint-Simon, ao defender que o governo poderia ser confiado a uma classe profissional de funcionários não eleitos, mas “especialistas”, os precursores dos modernos “tecnocratas”.

Sob essa ótica, o povo seria muito ignorante e emocional para ter autonomia
O crescimento do poder burocrático tem sido assustador, e se serve dessa mentalidade elitista. 
Em 2019, cerca de 450 agências federais americanas contavam com 2,7 milhões de burocratas. O Federal Register agora numera mais de 175 mil páginas de vários códigos, abrangendo 235 volumes. Seu tamanho aumentava anualmente — até 2017 e os esforços de última hora de Donald Trump na desregulamentação radical e algum enfraquecimento da burocracia.

O grande denominador comum dessa gente é o desprezo em relação às escolhas populares

Esse sentimento elitista ficou ainda mais escancarado durante o governo Trump, pois a elite “progressista” se recusou a aceitar o resultado das urnas, e desde o começo fez de tudo para derrubá-lo. Trump prometeu “drenar o pântano” em Washington, declarou guerra ao deep state, e este reagiu de maneira um tanto golpista. Inúmeras declarações de representantes dessa tecnocracia mostram como esses servidores de Estado embarcaram numa cruzada política, imbuídos da crença de que estavam lutando para impedir a destruição da própria democracia e uma suposta ameaça fascista. Para preservar as instituições, esses tecnocratas esgarçaram as próprias instituições republicanas.

O caso de maior destaque talvez seja o de James Comey. O ex-diretor do FBI involuntariamente simboliza o tema de maneira irônica em seu livro de memórias, A Higher Loyalty. Comey inadvertidamente publicou a noção hipócrita dodeep statede que violar leis e protocolos a serviço de suas supostas agendas éticas mais elevadas — neste caso, a oposição ao polêmico presidente Trump — era mais do que justificado. E, de fato, Comey deixou bem claro que não tinha lealdade às funções de seu cargo, mas, sim, ao seu messianismo de eliminar Trump da política. Com essa postura, arrastou a imagem do FBI para a lama.

Ao contrário da crença popular, o termo “deep state” nunca implicou uma cabala secreta. Muito menos agora transmite qualquer noção de filiação oficial. Em vez disso, é uma aliança natural e frouxa daqueles que se consideram guardiões permanentes do poder, da moralidade e da influência dos Estados Unidos. O Washington Post publicou um editorial em 2020 cujo título já estampava essa crença, alegando que era chegada a hora de as elites terem mais voz na escolha do presidente. O grande denominador comum dessa gente é a desconfiança ou mesmo o desprezo em relação às escolhas populares.

Robert Nisbet observou há muito tempo a irônica simbiose entre democracia e burocracia: “Por meio da democracia, a burocracia tem se expandido constantemente, resultado do número crescente de funções sociais e econômicas assumidas pelo Estado Democrático. Mas, quando a burocracia atinge um certo grau de massa e poder, ela se torna quase automaticamente resistente a qualquer vontade, incluindo a vontade eleita do povo, que não seja de sua própria autoria”.

Esses burocratas não eleitos querem não só proteger seus privilégios, mas governar os demais, mesmo que ignorando suas próprias escolhas democráticas. Ideologia de gênero, mudança climática, mulheres nas unidades de combate da linha de frente e casamento gay, entre 2008 e 2020, foram transformados de tópicos de discussão e debate legítimos em ortodoxias rígidas e politicamente corretas — muitas vezes mais por reguladores do que legisladores. O poder de legislar vem sendo usurpado do povo e delegado aos tecnocratas “iluminados”.

As metáforas são abundantes para o relacionamento entre democracia e burocracia, seja o parasita que eventualmente corrói seu hospedeiro, o monstro Frankenstein que não pode ser controlado por seu criador humano ou o computador de ficção científica que se torna rebelde e devora seu inventor. A necessidade de separar o poder entre legisladores, executivos e juízes repousava em uma visão pessimista da natureza humana: os funcionários sempre procurariam consolidar o poder e o fariam sob o pretexto de servir ao bem público ou a causas nobres.

O establishment americano usou muito a expressão “adultos na sala” para justificar a obstrução ao governo do presidente eleito, pois julgava Trump incapaz e perigoso para os “interesses nacionais”. A ameaça burocrática à cidadania clássica, segundo o historiador Victor Davis Hanson, é a ascensão de uma aristocracia virtual não eleita ou oligarquia fraudulenta que exerce o poder de uma maneira que não reflete um governo consensual. Com Trump, esse risco saltou aos olhos da maioria.

Seus opositores se autoproclamavam “a resistência”, como se fossem os guardiões da democracia fingindo que não fora a própria democracia quem colocara o magnata no poder. Os oponentes do presidente não se autodenominavam a tradicional “oposição leal” ou mesmo se viam como meros “oponentes”. Em vez disso, eles escolheram deliberadamente um termo da França ocupada na Segunda Guerra Mundial. Os combatentes do La Résistance formaram alianças “clandestinas” em toda a sociedade francesa, especialmente para organizar ataques militares às forças de ocupação nazistas e seus colaboradores de Vichy. Se a meta é tão nobre como expulsar nazistas, então vale tudo!

O establishment tem um papel importante na condução das coisas de Estado, sem dúvida. O staff carrega conhecimento importante para dar continuidade aos trabalhos durante as trocas políticas nos comandos. Mas de uma ideia razoável chegamos a um estágio preocupante, em que esse staff quer mandar em tudo, independentemente de quem o povo escolha como comandante. Isso é antidemocrático e extremamente perigoso. Hoje, é impossível ser um verdadeiro defensor da democracia e não condenar esse abuso de poder de uma tecnocracia cada vez mais autoritária.

Leia também “A volta do tribalismo”

Rodrigo Constantino, colunista - Revista Oeste



domingo, 27 de junho de 2021

Por que o progressismo europeu não é obcecado por lei racial? - VOZES

Bruna Frascolla


Aborto, drogas e casamento gay: a tríade do progressismo europeu
Aborto, drogas e casamento gay: a tríade do progressismo europeu -  Foto: EFE/EPA/Szilard Koszticsak

No último artigo, hesitei ao escrever que as ideias progressistas vêm da Europa e consistem na tríade aborto-drogas-gays. Afinal, outro polo exportador de progressismo são os Estados Unidos, cuja obsessão por raça não se enquadra nessa tríade. Mencionei a Argentina como grande receptadora das ideias progressistas da Europa. Na verdade, enxergo a Argentina como uma Europa sem Plano Marshall: em vez de Mussolini, eles tiveram Perón, não lutaram na II Guerra e seguem idolatrando o Mussolini deles até hoje.

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Façamos então um teste. Tem cota racial na Argentina? Pesquisando “cuotas raciales Argentina”, encontrei artigos sobre o Brasil e até texto falando mal de Bolsonaro. Mas cuotas raciales na Argentina, que é bom, nada. Ou seja: a Argentina, aquele país onde o presidente fala “todes”, onde tem casamento gay desde 2010, onde o aborto foi descriminalizado, tudo democraticamente e sem canetadas de um STF, não tem cuotas raciales en las universidades.

Fiquemos assim: existem dois conjuntos de ideias chamados de progressistas ou politicamente corretos. Um é de matriz europeia, outro de matriz norte-americana. Enquanto um tem a tríade aborto-droga-gay, o outro é obcecado por raça.

Por que europeu não dá bola pra lei racial?
A ideia de racismo leva a nossa mente direto para a Alemanha. No entanto, as leis raciais são uma invenção dos EUA aplicada aos negros que os alemães importaram para aplicar aos judeus. As leis raciais surgem no sul escravista dos Estados Unidos em 1877 e começam a se federalizar com Woodrow Wilson em 1913, quando o vagabundo Adolf Hitler tinha 24 anos e encontrava um rumo na vida na condição de soldadinho austríaco. Nos Estados Unidos, a descentralização conseguiu dar uma segurada nos projetos eugenistas das autoridades médicas e dos políticos entusiastas. Na Alemanha, toda a estrutura centralizadora do poderoso Estado prussiano foi posto nas mãos de Hitler e seus médicos eugenistas, que se inspiravam nos norte-americanos. Não dá para dizer que os norte-americanos sejam mais racistas do que os alemães. Ainda assim, foi dos EUA que saiu o racismo de Estado.

A razão para isso é muito simples. Nos EUA, o critério-chave da cidadania é o nascimento em solo nacional. Você pode ser preto, branco, amarelo ou verde, e a lei, até segunda ordem, irá considerá-lo um American. Para os Estados Unidos se tornarem racistas, foi necessária uma gambiarra jurídica, as famigeradas leis Jim Crow. A raiz legal do país faz dele, de fato, a terra da liberdade.

Já na Europa, o critério-chave da cidadania se confunde com a raça. Um casal de imigrantes negros pode chegar criança à Europa, constituir família na Europa, e ainda assim os seus filhos e netos não serão cidadãos europeus. Nascerão e morrerão como estrangeiros dentro do país em que construíram suas vidas. Isso só aparece para o grande público durante a Copa do Mundo, quando as seleções europeias saem providenciando cidadania para os jogadores de futebol negros. (Não sei detalhes, mas países latinos com ex-colônias parecem mais propensos a negligenciar o jus sanguinis paraconceder cidadania a africanos das ex-colônias. O Portugal salazarista, mesmo, considerava Angola e Moçambique estados portugueses.)

Assim, uma legislação etnocêntrica dispensa os europeus de inventarem leis racistas. 
Eles já vivem em um solo habitado por cidadãos brancos e não-cidadãos negros. Evidentemente, isso cria um barril de pólvora de ressentimento e culpa.

Brancos sem cidadania na Europa
Mas o critério é, frisemos, etnocêntrico, não racial. Um casal de italianos que migrasse para a Alemanha antes da União Europeia também viveria como um perfeito estrangeiro. O europeu é bastante sedentário: veja-se que no Brasil, onde há uma migração interna muito grande, um acriano e um gaúcho se entendem perfeitamente em português, mas um italiano de Nápoles e um do Piemonte, não, pois há a barreira do dialeto. Antes da descoberta da América, os europeus migravam muito pouco, então faz sentido que o seu critério de cidadania histórico seja étnico.

Quem eram os estrangeiros nesse critério? Os judeus. Eram estrangeiros errantes, viviam em guetos separados dos cristãos desde a Idade Média até Napoleão. Foi Napoleão, no século XIX, quem saiu conquistando a Europa e emancipando judeu. Portugal se diferencia do resto da Europa por ter resolvido a questão judaica em 1497. Tendo que deixar o Reino livre de todos os judeus por pressão espanhola, Portugal deu uma solução que hoje diríamos ser bem brasileira: em vez de matar ou expulsar todo mundo, batizou todo mundo e proibiu sinagogas. Mas o batismo podia ser mera formalidade; ademais, se você abrisse uma sinagoga, ninguém ia lá verificar, ou, se verificasse, você molhava a mão.

Funcionou assim até D. Sebastião ficar encantado em Alcácer-Quibir e deixar a Coroa na mão da Espanha, com sua temível Inquisição. Os ex-judeus então começam a cultuar a figura d’O Esperado, pois D. Sebastião voltaria e instauraria um paraíso terrestre. Surge o sebastianismo, uma heresia perseguida pela Inquisição. E, sendo a Inquisição muito mais relaxada no Brasil, aqui se tornou um bom lugar para ser sebastianista. Ao cabo, os ex-judeus não só foram integrados à nacionalidade portuguesa, apagando a ideia de um português étnico, como criaram um poderoso símbolo nacional.  Só a Península Ibérica entrou na modernidade sem guetos. Assim, não é de admirar que a mania racial tenha sido importada da América pelos europeus menos civilizados e usada contra os judeus. Toda essa Europa que se manteve com guetos judaicos hoje tem guetos de imigrantes, tudo não-cidadão.

O nome de gueto é aplicado no Brasil a favelas. Curiosamente, porém, gringos que vêm para o Brasil fazem turismo em favela, mas não em no-go areas europeias. A favela brasileira é cheia de eleitores, de cidadãos e de gente que fala o mesmo idioma que os demais brasileiros. Quem tem gueto é quem aponta o dedo para nós.


Individualismo radical
Penso que o que caracteriza melhor o progressismo de matriz europeia é o individualismo radical, a atomização da sociedade. Por mais que reconheçamos o amor romântico entre gente do mesmo sexo, e por mais que o casamento cristão moderno seja centrado nesse tipo de amor, ninguém razoável discordará de que as relações entre homens gays costumam ser mais fugazes do que as relações tradicionais entre homens e mulheres com filhos. A fugacidade do casamento me parece ser uma meta desse tipo de progressismo.

Filhos são um tipo de laço entre casais. Para impedir esses laços, basta vender o aborto como grande ícone de liberação feminina. A mulher ideal, então, faz sexo loucamente – sem se prender a nenhum homem – e, acontecendo de ficar grávida, irá ao médico tirar. Caso o bebê nasça – e natalidade da Europa é pequenininha –, tem o Estado de bem-estar social para bancar o bebê e deixar a mulher dispensar o homem e até os avós.  Assim, a vida ideal desse tipo de progressista se divide entre o trabalho bem remunerado e a balada, esta regada a drogas caras. Nas banlieues ficam os não-cidadãos responsáveis pelo trabalho braçal.

Bruna Frascolla, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 

 

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Vem aí a reforma administrativa - Nas entrelinhas

“Em conversas privadas e declarações públicas intempestivas,  Guedes deu demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja”

 Um dos problemas do governo Bolsonaro é o fato de que o presidente da República não sabe aproveitar em seu favor as críticas ao governo, encara tudo como se fosse ofensa pessoal grave, ainda mais quando tem razão. Foi o caso, por exemplo, da notícia que a equipe econômica estuda acabar com a estabilidade dos servidores federais, atribuída ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). [clique aqui e saiba sobre a procedência da responsabilização do 'primeiro-ministro' Maia em mais um atentado contra o servidor público.]

A expectativa é que o governo encaminhe ao Congresso, nos próximos dias, o projeto da reforma administrativa, que deve prever o fim da estabilidade para servidores públicos. Em outra proposta, o Executivo vai propor mudanças na regra de ouro, mecanismo que proíbe o governo de fazer dívidas para pagar despesas correntes, como salários, benefícios de aposentadoria, contas de luz e outros custeios da máquina pública. O acerto teria sido feito domingo entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente Jair Bolsonaro, em um encontro fora da agenda no Palácio da Alvorada.

Bolsonaro ficou bravo, na manhã de ontem, em entrevista quebra-queixo (aquela de improviso, em que os repórteres se amontoam com microfones e celulares nas mãos), acusou o Correio e a Folha de São Paulo, que também divulgou a proposta, de publicar mentiras. Segundo ele, a proposta não passou pelo seu crivo e não se mexe na estabilidade dos servidores. Mais tarde a equipe econômica atuou nos bastidores para dizer que a mudança atingiria somente os que ingressarem no serviço público após a sua aprovação, o que também foi retificado por Maia.


Muito pior para o governo, porém, foi a nota publicada na coluna Esplanada, do jornalista Leandro Mazzini, do jornal carioca O Dia, especulando sobre a possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que provocou pânico no mercado, derrubou a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que fechou a menos 1,93%, e provocou alta do dólar, cotado no fechamento a R$ 4,10. Uma simples nota especulativa de jornal, por mais credibilidade que tenha uma coluna, só deixa o mercado em pânico quando coincide com os rumores que circulam nesse meio. Esses rumores são provocados por comentários em conversas privadas e declarações públicas intempestivas do ministro Guedes, que já deu várias demonstrações de insatisfação e ameaçou cuidar da vida se as coisas não acontecerem como deseja.

Não é assim que as coisas funcionam na economia política. Guedes é homem do mercado financeiro, agora está tendo que lidar com a política concreta, que alguém já disse que é a economia concentrada. Aproveitando a onda “americanista”oficial, vale lembrar uma frase famosa do presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos, em seu discurso de posse, em 1913: “Devemos lidar com o nosso sistema econômico como ele é e como pode ser modificado, e não como se tivéssemos uma folha de papel em branco para escrever”. Esse parece ter sido o erro do ministro da Economia.

Contrariados
Maia revelou que o governo pretende mexer na regra de ouro do teto de gastos, com gatilhos para controlar as despesas obrigatórias. Neste ano, a meta só poderá ser cumprida graças a uma autorização extraordinária do Congresso para o governo contrair empréstimos de R$ 249 bilhões, de modo a não suspender programas sociais e subsídios. O mercado não gostou. Também revelou que foi acertado ainda um novo texto para tratar da partilha dos recursos do megaleilão do pré-sal, marcado para 6 de novembro, garantindo a participação de 15% dos estados do total arrecadado, e igual fatia para os municípios.

A proposta da equipe econômica era dividir os R$ 106,5 bilhões que devem ser arrecadados da seguinte forma: depois do pagamento de R$ 33,6 bilhões à Petrobras, estados, municípios e parlamentares ficariam, cada um, com 10%, o que corresponderia a R$ 7,3 bilhões. O Rio teria R$ 2,19 bilhões e a União, a fatia maior de R$ 48,9 bilhões. Maia afirmou a Bolsonaro que a proposta da equipe econômica não tem chance de passar no Congresso. Os governadores, prefeitos e parlamentares não gostaram, Bolsonaro recuou e Guedes ficou pendurado no pincel.

Finalmente, a reforma administrativa, que ficaria a cargo da Câmara, acabaria com a estabilidade para a maior parte dos servidores públicos, reduziria a quantidade de carreiras, imporia travas a promoções automáticas, avaliação de desempenho e aproximaria os salários do funcionalismo dos pagos na iniciativa privada. Seria uma espécie de plano B em razão do fracasso de Guedes na condução da reforma tributária, que já custou a cabeça do ex-secretário da Receita Marcos Cintra. A divulgação da proposta, supostamente sem seu aval, irritou Bolsonaro, porque mexe com corporações cujos interesses sempre defendeu. É mais uma fricção com o ministro da Fazenda, corroborando os boatos de que Guedes estaria quase pedindo o chapéu.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense

 

domingo, 19 de agosto de 2018

A farra bilionária dos barnabés

Relatório da CGU mostra que, entre 2010 e 2017, R$ 1,3 bilhão foi pago indevidamente a servidores públicos. Após auditorias, foram encontradas 330 mil inconsistências em folhas de pagamento

Considerado um dos maiores estudiosos sobre administração pública de todos os tempos, o ex-presidente dos Estados Unidos Woodrow Wilson destacava ainda nos idos do século XIX que instituições governamentais, aquelas arcadas com o dinheiro do contribuinte, deveriam ser geridas da mesma forma que no sistema privado: com regras específicas, hierarquias e metas e afins. E que, principalmente, o dinheiro público não fosse administrado como se, por ser de todo mundo, não tivesse dono específico, sujeito, então, a todo tipo de desvio. Bem longe do pensamento do ex-presidente americano, no Brasil o dinheiro público perde-se em benefícios inexplicáveis e indevidos, indo parar nos bolsos de servidores públicos – os eternos barnabés da marchinha de Haroldo Barbosa – em expedientes e irregularidades que, de fato, seriam impensáveis na iniciativa privada, pelo imenso desperdício.

Relatório inédito da Controladoria Geral da União (CGU) ao qual a ISTOÉ teve acesso com exclusividade revela que entre os anos de 2010 e 2017 nada menos que R$ 1,3 bilhão foi pago de forma indevida a funcionários públicos. Foram benefícios ilegais que a CGU, a partir de auditorias, conseguiu recuperar. A conta, na prática, pode ser ainda maior, em razão de alguns organismos que a controladoria não alcança. Há um pouco de tudo nas irregularidades descobertas. Servidores que não tiveram o ponto cortado, apesar de terem faltado ao trabalho, filhas solteiras de ex-funcionários que recebiam pensões mesmo sendo servidoras públicas também, pessoas que recebiam benefícios por gratificações por titularidade mesmo sem ter diplomas que justificassem a benesse, funcionários públicos com carga horária flexibilizada, trabalhando menos do que o mínimo determinado pelo regime do serviço público e até pagamento de horas extras indevidas. Em sete anos, os técnicos da CGU apuraram 72 trilhas de auditorias, ou seja, mais de sete dezenas de diferentes modalidades de desvios. “O resultado das trilhas também é repassado ao Ministério do Planejamento para providências corretivas”, descreve o relatório.

A AUDITORIA
Abaixo, trechos do relatório da CGU que identificou as irregularidades:
Os números impressionam. Entre os anos de 2010 e 2014, por exemplo, a CGU apontou 330 mil tipos de inconsistências em folhas de pagamento após auditorias nas folhas de pessoal em todos os órgãos da administração pública federal. Neste período, por exemplo, chamou a atenção o verdadeiro descontrole das contas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Somente no ano de 2012, foram diagnosticados aproximadamente 19,3 mil inconsistências nas folhas de pagamento da instituição. Também chamaram atenção as incongruências nas folhas do Ministério da Saúde e do Trabalho. Na amostra de 2012, foram detectadas 10,7 mil irregularidades nas folhas de pagamento do Ministério da Saúde e outras 10,3 mil no Trabalho.



Os casos mais escabrosos
Triste é verificar que foi nas instituições de ensino superior, onde se deveria estar pensando soluções para o futuro do país, que os técnicos da CGU encontraram os casos mais escabrosos. De acordo com o órgão, em 50% das Auditorias Anuais de Contas realizadas nas Instituições de Ensino Federais em 2016 e 2017, foram constatados indícios de acumulação ilegal de cargos docentes. Há diversos casos de professores que, mesmo tendo contrato de dedicação exclusiva com uma instituição, ministravam aulas também em outras. Nada menos do que 373 professores com dedicação exclusiva foram flagrados prestando serviços para faculdades distintas.


As auditorias mostram ainda falta de método na concessão dos benefícios. Na mesma Universidade Federal do Acre, um professor demorou três anos para conseguir obter a gratificação merecida depois de concluir seu mestrado. Já um outro obteve o mestrado em 2014 e em 2015 já estava recebendo a gratificação. Mais do que isso, por alguma razão, ele recebeu o benefício de forma retroativa, desde 2006.

Esse tipo de inconsistência, para a CGU, gerou um prejuízo de aproximadamente R$ 180 mil.
Indevidos adicionais de insalubridade e flexibilização irregular da carga horária foram outros problemas comuns. “Há reduções da jornada de trabalho concedidas a servidores que trabalham em setores nos quais o atendimento ao público e o trabalho noturno não são características preponderantes dos serviços desempenhados. Verificou-se, ainda, a ausência dos quadros com a escala nominal dos servidores que trabalham no regime flexibilizado”, destaca o relatório. Em linhas gerais, o relatório da CGU assim pode ser resumido: quando se trata o dinheiro público com frouxidão e desleixo, como se não tivesse dono, alguém mais esperto sempre se apropria dele.

IstoÉ