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segunda-feira, 29 de abril de 2019

A lei Moro

Parlamentares apresentam projeto para impedir candidatura de juízes que deixaram cargo a menos de cinco anos das eleições. Adivinhe quem eles querem barrar

Cinco meses após deixar a magistratura, o ministro Sergio Moro já mostrou que tem talentos de um político em ascensão. À frente do Ministério da Justiça, uma das mais poderosas pastas do governo, ele é o responsável pelo projeto mais vistoso depois da reforma da Previdência. São propostas que ampliam o cerco a corruptos e corruptores e estabelecem novas regras para o combate ao crime organizado. Em um país ainda manchado pela tradição de impunidade, a implementação dessas iniciativas goza de grande aceitação popular. Não é por acaso que o ministro, apesar dos tropeços iniciais da gestão Bolsonaro, continua muito popular, segundo as pesquisas. De acordo com o instituto Datafolha, Moro é conhecido por 93% dos brasileiros e aprovado por 59%. É natural que as crises e os problemas que fatalmente surgirão ao longo do governo mitiguem essa aceitação. Há, porém, quem aposte no contrário.

Ao deixar o comando dos processos da Lava-Jato em Curitiba para assumir o Ministério da Justiça, Moro confidenciou que sua maior ambição era ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) — a tal que, como disse na semana passada, corresponde a “ganhar na loteria”. No meio político, cristaliza-se a certeza de que o ministro tem plano mais ambicioso: suceder a Jair Bolsonaro. Indagado a respeito, ele desconversa: “Os desafios (atuais) já são suficientemente grandes para eu ocupar o meu presente. Então, não preciso ficar me preocupando com o que vou fazer daqui a quatro, oito, doze, vinte anos”, respondeu.

Pois o receio do meio político já resultou numa novidade: tramita no Congresso um projeto de lei que estabelece uma quarentena de cinco anos para juízes ou membros do Ministério Público que pretendam disputar eleições. Ou seja, se aprovada, a proposta fulminaria, de imediato, qualquer intenção do ministro da Justiça de disputar eleições até, no mínimo, novembro de 2023. Autor do projeto, o deputado Beto Pereira (PSDB-MS) explica que o objetivo é impedir que a Justiça seja usada para fins políticos. “A gente precisa garantir que as decisões de magistrados e procuradores sejam isentas, sem contaminação de política partidária ou ideologia”, diz o tucano.

Por que cinco anos, e não quatro, por exemplo? “Acho que cinco anos é um prazo razoável de desintoxicação, já que superaria as eleições municipais do ano que vem e também as próximas para o Executivo e o Legislativo”, diz o parlamentar. Na política, os tiros têm alvos bem definidos. O projeto que impediria Moro de sair candidato atingiria, por tabela, magistrados que se destacam no cenário jurídico. O juiz Marcelo Bretas, da Lava-­Jato do Rio de Janeiro, é apontado pelos congressistas como um forte postulante a testar a popularidade nas urnas. Responsável por decretar a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, Bretas é ativo em suas redes sociais e já se declarou um simpatizante do presidente Bolsonaro. Há pouco, publicou uma foto em que aparece ao lado do governador do Rio, Wilson Witzel, também ex-juiz, no Estádio do Maracanã, acompanhando a final do Campeonato Carioca.

Diz-se, à boca miúda, que Bretas pensa em disputar a prefeitura do Rio no próximo ano. Se essa hipótese se confirmar, ele teria como um de seus adversários o atual prefeito, o bispo Marcelo Crivella. É esse aparente conflito de interesses que a quarentena pretende evitar. Crivella é alvo da Lava-Jato do Rio, e há a possibilidade de seu caso acabar sendo julgado pelo próprio Bretas. Como juiz, ele pode fulminar um rival político. Para valer na próxima eleição, a quarentena tem de ser aprovada até outubro deste ano. O prazo é exíguo, mas o Congresso, quando se interessa pela matéria, consegue ser ágil. O texto apresentado não fixa a data a partir da qual a regra valeria. Para o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral,  Henrique Neves, em casos assim, o STF já tem um entendimento. “Mesmo juízes que se exoneraram antes da lei seriam afetados. Pega todo mundo”, afirma o jurista.

Publicado em VEJA de 1º de maio de 2019, edição nº 2632