Aprovação de alguma reforma é dada como certa
Nada parece mover o inabalável otimismo no mercado financeiro em relação
à aprovação de uma reforma da Previdência: nenhum vídeo obsceno postado
pelo próprio presidente, nenhuma intriga alimentada por Olavo de
Carvalho, nenhum tuíte inexplicável do vereador Carlos Bolsonaro, ou
trapalhada do ministro da Educação. Acredita-se que há duas esferas no
poder em Brasília: uma é a movida a estrondo e fúria, navegando no mundo
da instantaneidade e do espetáculo e tem o próprio presidente como
protagonista.
A outra é bifronte e eficaz: são protagonistas o presidente da Câmara,
Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como o mais credenciado negociador da
reforma da Previdência; e o vice-presidente Hamilton Mourão. A banca não tem absoluta certeza, mas acredita que Mourão vocaliza e
opera em nome de todo o grupo militar, visto como mais preparado e
dotado de maior estratégia política do que Bolsonaro, sua família e seus
aliados mais próximos, em um pacote que inclui o próprio ministro da
Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
O grupo militar seria a verdadeira espada e escudo de interesses que
convergem para o mercado, frente ao qual o restante seria espuma. A
contenção dos desvarios bolsonaristas em relação a Venezuela e
transferência da embaixada para Israel seriam sinais eloquentes neste
sentido. O ministro da Economia, Paulo Guedes, está fora da equação, e não por
ser desimportante, ao contrário. Guedes não é visto ainda como um homem
do mundo de Brasília, um dos beligerantes na conflagração por poder. Ele
é um universo à parte, que montou uma reforma da Previdência sólida do
ponto de vista fiscal, com muita gordura para negociar. Não deve,
contudo, ser o condutor do processo de barganha.
A ansiedade do ministro em propor a emenda da desvinculação
simultaneamente à reforma da Previdência, depois de a ter apresentado
como "plano B", é vista mais como um sinal de sua inexperiência do que
de sua visão tática. Do ponto de vista do curto prazo para o mercado, Rodrigo Maia é a
figura-chave. É descrito como o primeiro-ministro do governo, o operador
para se garantir a aprovação de algo entre 50% e 80% da meta de Guedes
em relação à reforma. No pacote a ser tocado por Maia no Congresso ainda estão a nova política
em relação ao salário mínimo, com evidente impacto fiscal, e o
represamento de aumentos para o funcionalismo dos três Poderes.
Quem busca estudar Mourão no mercado está preocupado com o longo prazo.
Ele é visto, no mínimo, como um possível presidenciável em 2022, ao lado
de outros nomes como o de Bolsonaro, Moro, Doria e do próprio Rodrigo
Maia. Em um cenário extremo, como uma alternativa ao atual presidente
antes do fim do mandato. Os exemplos da década deixaram o sistema
financeiro atento em relação a eventuais pontes para o futuro. Um dos pontos que chamaram a atenção no vice é a sua transformação, como
se Mourão buscasse estabelecer alguma espécie de contraste em relação
ao titular do cargo. Durante a campanha eleitoral, sobretudo no período
que precedeu a facada de Juiz de Fora, não foi o que se viu: Mourão fez
declarações de caráter antidemocrático e que denotavam preconceito
racial. Atrapalharam e muito a campanha de Bolsonaro. A questão que cabe
no momento é qual o motivo para existir agora um vice que é a voz do
bom senso, um comentarista permanente de todos os fatos que tenham
relação direta ou remotíssima com o governo.
Supremo
Há um autoritarismo de baixo para cima, um clima de revolução cultural
maoísta alimentado pelas redes sociais no Brasil, mas com o sinal
trocado. Na China dos anos 60 eram colados em muros pela Guarda
Vermelha, os 'dazibaos', onde a elite intelectual e administrativa do
País era acusada de traição ao grande timoneiro. A instabilidade era
permanente, dado o macartismo às avessas em que qualquer um acusava quem
quer que fosse de qualquer coisa, sem blindagem possível.
Em baixa sempre estão a tolerância, o respeito às instituições como
mecanismo de solução de controvérsias, a mediação política, a veiculação
da informação com responsabilidade. Por mais mesquinhas que sejam suas motivações, não é possível dissociar
deste quadro a iniciativa do presidente do STF, Dias Toffoli de
instaurar uma investigação de ofício sobre 'fake news' contra os
ministros do Supremo.
À parte tudo isso, é preciso ponderar sobre a gravidade da decisão de
ontem da Corte, que tornou crimes comuns passíveis de serem julgados
pela Justiça Eleitoral. É claro que abriu-se uma porta para se afrouxar o
combate à relação espúria que se estabeleceu entre políticos e o
empresariado. Talvez seja precipitado cravar que a decisão signifique o fim de uma
era, como festejam petistas e deploram os protagonistas da Operação, mas
o sentido da decisão é incontroverso. Não há dúvida sobre a colocação de um limite crucial no poder do
Ministério Público, a três dias do quinto aniversário do começo da
Operação. Travou-se ontem uma disputa de poder, como mencionou Gilmar
Mendes.
A indignação das redes sociais contra um STF que poda a Lava-Jato
torna-se um catalisador para reações em cadeia. No âmbito do Congresso, a
movimentação começou pelo Senado. Conforme registrou Cristiane Agostine
e Carolina Freitas no Valor Pro, o líder do PSL na Casa, Major Olímpio,
apresentou um projeto de lei para retirar da Justiça Eleitoral o
julgamento de crime comum. Outro senador, Alessandro Vieira (PPS-SE),
articula uma CPI "Lava Toga". Um terceiro, Lasier Martins (PSD-RS),
emprestou o gabinete ontem para o advogado Modesto Carvalhosa protocolar
mais um pedido de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes.
O Judiciário terá que resistir a uma ofensiva muito mais consistente do
que qualquer quartelada que envolva um cabo e um soldado.
César Felício - Valor Econômico