Nessa frente há trogloditas que querem queimar matas e invadir terras alheias
Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é
Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio
brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova
disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina
"bancada do boi". Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas,
calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.
Dois renomados historiadores —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e
Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universidade de
Cambridge o texto de "Feeding the World" ("Alimentando o Mundo"), em que
contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos
últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a
tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador
de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior
produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da
abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu
competitividade internacional.Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertações de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.
Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%). O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.
(...)
Cuidado, Moro
Numa das encruzilhadas do caminho de Sergio Moro
para o Ministério da Justiça há uma grossa macumba. O Conselho Nacional
de Justiça tem 17 representações contra ele, e o julgamento está
marcado para o dia 11. Muitas são referentes ao mesmo assunto, como no
caso da divulgação do grampo de Lula fora do prazo legal. O CNJ pode
arquivá-las, no entendimento de que, tendo-se exonerado, deixou de ser
juiz. Esse seria um caminho natural, mas pode-se também deixar algumas
representações na frigideira.Numa outra esfera, há sinais de que se articula uma forma de recurso junto ao Supremo, buscando o impedimento da posse de Moro. Isso seria feito buscando-se uma analogia meio girafa com a decisão tomada quando Lula foi impedido de assumir a Casa Civil. As chances de essa manobra dar certo são poucas, a menos que se queira apenas produzir uma barafunda. [não pode dar certo; será a desmoralização mais completa da Justiça - no caso de Lula se tratava de impedir que um bandido se tornasse ministro de Estado para ganhar foro privilegiado.
A prova incontestável da diferença entre o EX-juiz Sérgio Moro e o presidiário Lula é que Lula já completou o oitavo mês de cadeia e já se cogita (com atraso, destaque-se) da transferência do condenado petista para uma prisão comum = político preso = preso comum = penitenciária comum, com direito ao uso do boi.]
(...)
Bolsonarômetro
A equipe de Jair Bolsonaro incorporou alguns nomes com reconhecida
experiência na administração pública civil. Por exemplo: Joaquim Levy
(BNDES), Mansueto Almeida (Tesouro) e Waldery Rodrigues (Secretaria da
Fazenda).Contudo, aceitando-se uma definição do banqueiro Gastão Vidigal, faltam nomes ligados à produção: "Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo". Nessa categoria, até agora há apenas duas indicações relevantes, as da ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa, do agronegócio, e a de Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, que passou pela Vale.
Na equipe, entrou o empresário Salim Mattar, que vai cuidar das privatizações. Ele não tem experiência na administração pública e nunca produziu um prego, mas teve uma bem-sucedida experiência na iniciativa privada, criando a Localiza, uma empresa de serviço de locação de carros.
O sapo otimista
Diante do otimismo disseminado às vésperas do novo governo, aqui vai
uma história que Winston Churchill contava em 1940, quando a guerra
parecia perdida e a Inglaterra esperava ser invadida:"Dois sapos caíram numa jarra de leite. Um, assustado, afogou-se. O otimista passou a noite batendo as pernas. Não sabia para que, mas era um otimista. De manhã, estava numa jarra de manteiga, deu um pulo e foi-se embora".
Venezuela
A diplomacia romântica de Jair Bolsonaro corre o risco de se meter
numa parceria suicida com os Estados Unidos em relação à Venezuela.Valeria a pena que seus estrategistas consultassem a documentação do Itamaraty para resgatar um episódio ocorrido em 1982.
O presidente Ronald Reagan decidiu invadir o Suriname, onde ocorrera um golpe de oficiais esquerdistas, e mandou a Brasília o diretor da CIA, William Casey, para buscar apoio.
Sem alarde,
o presidente João Figueiredo informou que não entraria na aventura. O projeto da invasão com apoio do Brasil só foi revelado décadas depois, pelo próprio Reagan.
Elio Gaspari - O Globo