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domingo, 2 de dezembro de 2018

O agronegócio não é uma 'bancada do boi'


Nessa frente há trogloditas que querem queimar matas e invadir terras alheias


Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é

Contaminado por um setor paleolítico, o agronegócio brasileiro paga pelo que não é e não consegue mostrar o que é. Prova disso é que a defesa dos seus interesses é atribuída ao que denomina "bancada do boi". Nessa bancada há trogloditas que querem queimar matas, calotear dívidas e invadir terras alheias. Defendendo-os, Jair Bolsonaro chega mesmo a acreditar que os quilombolas são um problema nacional.
Dois renomados historiadores —Herbert Klein, de Columbia e Stanford, e Francisco Vidal Luna, da USP— entregaram à editora da Universidade de Cambridge o texto de "Feeding the World" ("Alimentando o Mundo"), em que contam a história da revolução ocorrida na agricultura brasileira nos últimos 50 anos, acelerada neste século. O livro sairá em dezembro e a tradução, no ano que vem. O que houve foi uma revolução de verdade. De país atrasado, o Brasil tornou-se o maior exportador de soja, carnes processadas, laranjas e açúcar. É o quinto maior produtor de cereais. Enquanto a indústria nacional patinou depois da abertura da economia, o agronegócio adaptou-se, expandiu-se e adquiriu competitividade internacional.

Entre a década de 1980 e os últimos oito anos, a produtividade das áreas plantadas cresceu 150%. Essa revolução juntou empreendedores e uma elite técnica formada com vigor chinês. Em 1999 o Brasil tinha 6.000 estudantes de agronomia. Em 2007 eram 48 mil (40 mil dos quais em instituições públicas). Entre 1998 e 2017 foram produzidas 8.000 teses de mestrado e 3.000 dissertações de doutorado. No pico desse êxito está a Embrapa, que se tornou um dos melhores centros de pesquisas agrícolas do mundo. Hoje o Brasil tem a terceira maior indústria de sementes.

Klein e Luna não deixam assunto sem análise, inclusive os problemas de pobreza e atraso, mas expõem uma revolução que está acontecendo. Ela é descrita em São Paulo, no Sul, e surpreende no Centro-Oeste. Uma migração espontânea, selvagem no início, transformou Mato Grosso num celeiro. Em 1970 lá existiam 600 tratores; 15 anos depois eram 20 mil. Em 1980, quando chegou a soja, cultivaram 7.000 hectares. Em apenas nove anos, chegaram a 1,7 milhão de hectares. As taxas de fertilidade e mortalidade infantil caíram, enquanto a expectativa de vida subiu cerca de 20 anos desde 1960. Hoje Mato Grosso tem um dos mais altos índices de terras tituladas (77%).  O agronegócio carrega entre 20% e 25% da economia nacional porque é moderno. A contaminação paleolítica obriga-o a ser ouvido como um Yo-Yo Ma tocando num violoncelo rachado. Carne? Joesley Batista. Meio ambiente? Jair Bolsonaro e seus conselheiros do agronegócio durante a campanha eleitoral.


(...)
 

Cuidado, Moro
Numa das encruzilhadas do caminho de Sergio Moro para o Ministério da Justiça há uma grossa macumba. O Conselho Nacional de Justiça tem 17 representações contra ele, e o julgamento está marcado para o dia 11. Muitas são referentes ao mesmo assunto, como no caso da divulgação do grampo de Lula fora do prazo legal. O CNJ pode arquivá-las, no entendimento de que, tendo-se exonerado, deixou de ser juiz. Esse seria um caminho natural, mas pode-se também deixar algumas representações na frigideira.

Numa outra esfera, há sinais de que se articula uma forma de recurso junto ao Supremo, buscando o impedimento da posse de Moro. Isso seria feito buscando-se uma analogia meio girafa com a decisão tomada quando Lula foi impedido de assumir a Casa Civil. As chances de essa manobra dar certo são poucas, a menos que se queira apenas produzir uma barafunda.  [não pode dar certo; será a desmoralização mais completa da Justiça - no caso de Lula se tratava de impedir que um bandido se tornasse ministro de Estado para ganhar foro privilegiado.
A prova incontestável da diferença entre o EX-juiz Sérgio Moro e o presidiário Lula é que Lula já completou o oitavo mês de cadeia e já se cogita (com atraso, destaque-se) da transferência do condenado petista para uma prisão comum = político preso = preso comum = penitenciária comum, com direito ao uso do boi.]

(...)
 

Bolsonarômetro
A equipe de Jair Bolsonaro incorporou alguns nomes com reconhecida experiência na administração pública civil. Por exemplo: Joaquim Levy (BNDES), Mansueto Almeida (Tesouro) e Waldery Rodrigues (Secretaria da Fazenda).
Contudo, aceitando-se uma definição do banqueiro Gastão Vidigal, faltam nomes ligados à produção: "Produto é aquilo que se pode embrulhar. Pregos, por exemplo". Nessa categoria, até agora há apenas duas indicações relevantes, as da ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa, do agronegócio, e a de Roberto Castello Branco, futuro presidente da Petrobras, que passou pela Vale.

Na equipe, entrou o empresário Salim Mattar, que vai cuidar das privatizações. Ele não tem experiência na administração pública e nunca produziu um prego, mas teve uma bem-sucedida experiência na iniciativa privada, criando a Localiza, uma empresa de serviço de locação de carros.


O sapo otimista
Diante do otimismo disseminado às vésperas do novo governo, aqui vai uma história que Winston Churchill contava em 1940, quando a guerra parecia perdida e a Inglaterra esperava ser invadida:
"Dois sapos caíram numa jarra de leite. Um, assustado, afogou-se. O otimista passou a noite batendo as pernas. Não sabia para que, mas era um otimista. De manhã, estava numa jarra de manteiga, deu um pulo e foi-se embora".


Venezuela
A diplomacia romântica de Jair Bolsonaro corre o risco de se meter numa parceria suicida com os Estados Unidos em relação à Venezuela.
Valeria a pena que seus estrategistas consultassem a documentação do Itamaraty para resgatar um episódio ocorrido em 1982.

O presidente Ronald Reagan decidiu invadir o Suriname, onde ocorrera um golpe de oficiais esquerdistas, e mandou a Brasília o diretor da CIA, William Casey, para buscar apoio.
Sem alarde, 
o presidente João Figueiredo informou que não entraria na aventura. O projeto da invasão com apoio do Brasil só foi revelado décadas depois, pelo próprio Reagan.



Elio Gaspari - O Globo