O ministro Gilmar Mendes, do Supremo, quer saber se alguém andou usando a mão de gato no caso do pagamento duplo de auxílio-moradia. Seis órgãos do Estado brasileiro foram acionados. Já explico.
Quando se
descobriu que o casal Bretas — o juiz Marcelo, da 7ª Vara Federal do
Rio, e sua mulher, também juíza — recebia dois auxílios-moradia, houve
perplexidade em algumas áreas. Confesso que não fiquei surpreso. Existe
uma resolução do Conselho Nacional de Justiça que determina que, em
casos assim, seja efetuado apenas um pagamento. E, como todos sabemos,
dada a realidade salarial dos brasileiros, do conjunto do funcionalismo e
do Judiciário, um único pagamento deveria bastar para cobrir os
beneficiários de vergonha.
Bretas foi
rápido na resposta. Depois de sugerir que estava sendo perseguido —
claro, claro… —, saiu-se com a conversa de que, afinal, trata-se de um
direito. Mas foi além: alegou que a Justiça autorizara o casal a receber
duas vezes o auxílio de R$ 4.375 mensais. Por decisão do ministro Luiz
Fux, o privilegio hoje beneficia 17 mil juízes e mais de 13 mil membros
do Ministério Público Federal. A bem-bom custa aos cofres públicos perto
de R$ 1,6 bilhão por ano. Pagam os pobres. Pagam os desdentados.
Pagamos todos. Outra estrela destes tempos já tratou do assunto: o juiz
Sérgio Moro, que também recebe o mimo, acha que é uma forma indireta de
aumentar o salário da categoria. Vale dizer: com toda a sua honradez,
acima de um ponto de interrogação ou de Deus, defende abertamente o
desvio de finalidade num desembolso anual de R$ 1,6 bilhão.
De fato,
houve uma decisão judicial. Entraram com a ação, na 24ª Vara Federal do
Rio, além de Bretas, os magistrados Paulo Cesar Morais Espírito Santo,
Anelisa Pozzer Libonati de Abreu, Erik Navarro Wolkart e Maria Luiza
Jansen Sá Freire de Souza. No dia 27 de agosto de 2015, a juíza Federal
Frana Elizabeth Mendes (não sei se ela também recebe o dito-cujo, mas a
ele tem direito), ora vejam, deu ganho de causa aos impetrantes e, no
dia 1º de setembro do mesmo ano, a ação foi tornada disponível por meio
eletrônico para eventual recurso da União, que havia sido condenada.
E eis que a
Advocacia Geral da União, ainda no governo Dilma, deixou a coisa pra
lá. Por alguma razão, não recorreu. E, no dia 11 de abril de 2016,
certificou-se o trânsito em julgado da ação. Aquela tal decisão judicial
atrás da qual Bretas tentou esconder o que parece, em si, uma
imoralidade se deu em razão da óbvia prevaricação da Advocacia Geral da
União. Só no dia 1º de janeiro deste ano a AGU teria feito uma petição
para que a questão volte ao TRF da Segunda Região para reexame. Gilmar
Mendes quer saber o que aconteceu. E encaminhou o ofício que segue ao lado à ministra Cármen Lúcia, que preside o Supremo e o CNJ; à
ministra Laurita Hilário Vaz, presidente do Conselho da Justiça Federal;
à procuradora-geral da República, Raquel Dodge; à advogada-geral da
União, Grace Maria Fernandes Mendonça; ao presidente do Tribunal
Regional Federal da 2ª Região, desembargador André Ricardo Cruz Fontes e
à corregedora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, desembargadora
Federal Nizete Antônia Lobato Rodrigues.
Mendes pede “apuração de eventual responsabilidade, neste e em outros casos semelhantes”.
O caso de
Bretas é particularmente especioso porque, segundo levantamento da
revista Piauí, o patrimônio do casal é de R$ 6,4 milhões. Só na Zona
Sul, o juiz e sua mulher são donos de três apartamentos, um deles de 430
m² no Flamengo. O valor do condomínio corresponde um dos dois
salários-moradia da dupla. Bretas,
claro!, pode continuar a dizer que está sendo perseguido, numa manobra
diversionista para desviar o foco da questão. E a questão é saber por
que, nesse caso, a AGU não cumpriu a sua obrigação. Também é necessário
informar à opinião pública a quantas anda o imbróglio.
Blog do Reinaldo Azevedo