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domingo, 21 de janeiro de 2018

Três homens e um destino

Quem são e o que pensam os desembargadores que definirão se Lula entrará para a história como vítima de uma monumental perseguição ou como um reles corrupto

Às 8h30 desta quarta-feira, os olhos do Brasil estarão voltados para uma sala de 115 metros quadrados localizada no 3º andar da sede do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre. Ali, estará sendo escrito o que pode vir a ser o derradeiro capítulo da biografia do ex-presidente Lula. Os três desembargadores da 8ª Turma vão decidir se acolhem ou não o recurso do petista contra a sentença do juiz Sergio Moro, que o condenou a nove anos e seis meses de prisão em regime fechado. 

Dependendo do resultado, o ex-presidente poderá ter sua carreira política encerrada da maneira mais melancólica possível preso e impedido de disputar qualquer cargo eletivo. O ex-presidente também pode ser absolvido, e, caso isso aconteça, terá argumentos para sustentar que é vítima de uma implacável perseguição judicial promovida por delegados, procuradores e magistrados mal-­intencionados. Qualquer que seja a decisão, da pequena sala de Porto Alegre vai emergir uma passagem importante da história recente do país. Afinal, Lula é o líder das pesquisas eleitorais sobre a corrida presidencial. [líder duplo: tanto é líder para ser eleito quando é líder em rejeição; considerando que o índice de rejeição é bem superior ao de aceitação e também superior em muito ao de rejeição dos outros candidatos, Lula não tem  chance de ficar sequer entre os cinco  primeiros colocados.]

A Lava-Jato quebrou um paradigma: o de que a lei era incapaz de alcançar os poderosos. Em quase quatro anos de investigação, políticos e empresários envolvidos em corrupção foram caindo um a um, num dominó que o país nunca tinha visto. Apontado como o chefe da quadrilha que tomou de assalto os cofres da Petrobras, Lula é o maior expoente dessa constelação. Foi condenado por ter recebido como suborno um apartamento avaliado em 1,3 milhão de reais — uma ninharia diante dos 270 milhões de reais que delatores disseram ter repassado a ele como dividendos de propina e caixa dois, mas que pode lhe render uma condenação pesada o suficiente para fulminar sua carreira. Na manhã do dia 24, os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus vão definir o futuro do ex-presidente e, em alguma medida, estarão moldando a solidez democrática do Brasil. 

Discretos, os três desembargadores não dão entrevistas, não gostam de fotografias, não falam fora dos autos. Os autos, no entanto, falam por eles, e é isso que preocupa o ex-presidente. Na terça-feira 16, Lula voltou a atacar a Justiça e defendeu a demissão do juiz Sergio Moro. Também dirigiu petardos ao presidente do TRF4, desembargador Thompson Flores, mas evitou críticas diretas aos três juízes que julgarão seu caso. “Não vou falar mal dos juízes de Porto Alegre porque não os conheço. Não posso julgar pessoas que não conheço”, disse. Durante o processo, a defesa do ex-presidente investiu várias vezes contra o desembargador João Pedro Gebran, o relator de todos os recursos da Lava-Jato no TRF4, sob a alegação de que ele não era isento para julgar em função de sua amizade com o juiz Sergio Moro, de cujos filhos seria padrinho. Gebran respondeu nos autos: “Não sou padrinho de qualquer dos filhos do juiz de origem, tampouco este é padrinho de qualquer um dos meus filhos”. 

VEJA fez um levantamento de todos os processos da Lava-Jato julgados até agora pela 8ª Turma. Os números, de fato, são pouco animadores — para os criminosos. Dos 113 condenados pelo juiz Moro, apenas cinco conseguiram reverter a condenação no TRF. Isso representa menos de 5% do total. Mais: em 76 casos as penas aplicadas por Moro foram mantidas ou até ampliadas. Somente dezesseis réus tiveram êxito em reduzir suas penas. O rigor tem sido uma marca dos julgadores da segunda instância. Um exemplo é José Dirceu, ex-ministro e braço-direito de Lula. Ele foi condenado pelo juiz Moro a vinte anos e dez meses de prisão, recorreu ao TRF na tentativa de anular a condenação e se deu mal. Sua pena foi aumentada para trinta anos e nove meses. Podia ter sido ainda pior: voto vencido, o desembargador João Pedro Gebran propôs que o petista ficasse atrás das grades por mais de quarenta anos.

Escolhido pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2013, o paranaense João Pedro Gebran, de 53 anos, é considerado o mais duro da trinca de julgadores e criticado pelos advogados por raramente atender a pedidos de réus. “Moro ainda tem um coração bom porque eventualmente concede algum habeas-corpus. Gebran não”, diz um juiz que acompanha o dia a dia do tribunal. Gebran é autor dos votos que orientaram as mais longas punições da Lava-Jato, como no caso de Renato Duque, ex-diretor da Petrobras. Ele foi condenado a vinte anos de prisão, recorreu e teve a pena ampliada para quase 44 anos de prisão. “A culpabilidade deve ser considerada bastante elevada, na medida em que se trata de servidor público de altíssimo escalão, responsável por administrar a maior empresa nacional, movimentando bilhões de reais em contratos, sendo pessoa na qual tinha (ou deveria ter) sido depositada elevada expectativa para bem gerir o patrimônio público.”

As condenações do desembargador costumam vir acompanhadas de duras considerações, principalmente quando ele se refere a políticos. Ao votar pelo aumento da pena de José Dirceu, Gebran foi categórico. Segundo ele, a culpa do ex-ministro era elevada porque “tratava-se de pessoa com alta escolaridade e ganhos bastante razoáveis, compreendendo perfeitamente o caráter ilícito de sua conduta, tendo ainda ampla possibilidade de comportar-se em conformidade com o direito”. Afeito a superlativos, Gebran classificou logo em seus primeiros votos a Lava-Jato como uma operação de dimensões “estratosféricas” e “amazônicas”. Um trecho que aparece em quase todas as suas sentenças diz o seguinte: “Na medida em que a operação se desenvolve, cada vez mais fatos são descobertos, envolvendo novos personagens e núcleos, podendo-se comparar os esquemas de corrupção a um câncer, de alto poder lesivo e considerável capacidade de se espalhar”.
(...)


Revisor das ações, o gaúcho Leandro Paulsen, de 47 anos, o segundo desembargador a se pronunciar nos julgamentos, é autor dos votos que levaram à absolvição do ex-­tesoureiro do PT João Vaccari Neto em dois processos. Também nomeado para a corte pela ex-presidente Dilma, ele não é um juiz benevolente. Ao contrário: sempre atribui suas absolvições a fragilidades gritantes na coleta de provas pelo Ministério Público. Em suas decisões, deixa claro que não admite a possibilidade de delações serem usadas como única prova para condenar qualquer suspeito. Foi esse argumento, aliás, que orientou a primeira absolvição de Vaccari, em junho de 2017. Disse ele: “O conteúdo amealhado ao longo da instrução do presente processo comprova materialmente o repasse de propina ao PT (…) mas, em relação ao então tesoureiro da agremiação, consiste apenas na versão dada pelos réus colaboradores sem qualquer prova de corroboração”. Vaccari fora condenado por Moro a quinze anos e quatro meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
(...)

A euforia durou menos de dois meses — e morreu na ponta da caneta do mesmo desembargador Paulsen. Em um terceiro processo, no qual fora condenado a dez anos por receber 4,5 milhões de dólares em nome do PT para financiar a campanha de Dilma Rousseff, Vaccari recorreu ao TRF, mas, dessa vez, sem êxito. Paulsen escreveu: “Agora, nesta terceira ação criminal, pela primeira vez, além das declarações de delatores, há depoimentos de testemunhas, depoimentos e, especialmente, provas de corroboração apontando no sentido de que João Vaccari Neto é autor de parcela dos crimes de corrupção especificamente descritos na inicial acusatória”. Com o voto de Paulsen, o tesoureiro teve a pena elevada para 24 anos de prisão. 

O terceiro desembargador é um ex-integrante do Ministério Público. Indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o catarinense Victor Laus, de 54 anos, é considerado o mais garantista dos três julgadores e o principal foco de divergência em relação a Gebran. Nos julgamentos, não admite condenar ninguém se houver qualquer dúvida, ainda que mínima, sobre a culpa do suspeito. “Se, no momento do recebimento da denúncia, prevalece o interesse da sociedade para apuração da infração penal, ocasião em que se apresenta suficiente a prova da materialidade e indícios da autoria, diversa é a fase do julgamento, em que deve preponderar a certeza. Impera a aplicação do princípio in dubio pro reo”, escreveu logo no primeiro processo da Lava-Jato, que julgava um grupo de doleiros. Detalhista, ele costuma interromper os advogados se uma informação citada pelos defensores não estiver nos autos. Não raro, suspende os debates com pedidos de vista. Na Lava-Jato, é o único que já paralisou o julgamento de recursos para estudar melhor o tema. Para se blindar de críticas quanto a eventual demora em devolver um processo, recorre à definição do relator Gebran segundo a qual a Lava-Jato atingiu “dimensões amazônicas”.

(...) 

... pois que seu próprio tribunal, seguindo interpretação do Supremo, aderiu à tese. Desde então, em seus votos pró-condenação consta que, “encerrada a jurisdição criminal de segundo grau, deve ter início a execução da pena imposta ao réu, independentemente da eventual interposição de recurso especial ou extraordinário” em tribunais superiores. Traduzindo: Lula, se condenado, deveria ser preso assim que julgados eventuais recursos no TRF.

Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566


sábado, 17 de junho de 2017

Joesley Batista: “Temer é o chefe da quadrilha mais perigosa do Brasil”

Em entrevista exclusiva a ÉPOCA, o empresário diz que o presidente não tinha “cerimônia” para pedir dinheiro e que Eduardo Cunha cobrava propina em nome de Temer 

[marchante de Anápolis ao perceber que o pouco que entregou em sua meia delação não justificava receber os benefícios de uma delação superpremiada, percebe que pode perder tudo e se vale do único recurso que poderá salvá-lo: acusar Temer de tudo e mais alguma coisa.
Onde estão as provas?]  

Na manhã da quinta-feira (15), o empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua primeira entrevista exclusiva desde que fechou a mais pesada delação dos três anos de Lava Jato. Em mais de quatro horas de conversa, precedidas de semanas de intensa negociação, Joesley explicou minuciosamente, sempre fazendo referência aos documentos entregues à Procuradoria-Geral da República, como se tornou o maior comprador de políticos do Brasil. 

Discorreu sobre os motivos que o levaram a gravar o presidente Michel Temer e a se oferecer à PGR para flagrar crimes em andamento contra a Lava Jato. Atacou o presidente, a quem acusa, com casos e detalhes inéditos, de liderar “a maior e mais perigosa organização criminosa do Brasil” – e de usar a máquina do governo para retaliá-lo. 

Contou como o PT de Lula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio Neves entrou em leilões para comprar partidos nas eleições de 2014. O empresário garante estar arrependido dos crimes que cometeu e se defendeu das acusações de que lucrou com a própria delação. 

A seguir, os principais trechos da entrevista publicada na edição de ÉPOCA desta semana. Leia as 12 páginas da conversa com Joesley na edição que chega às bancas neste sábado (17) ou disponível agora nos aplicativos ÉPOCA e Globo+:

ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi, em 2009, 2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em diante passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim. De 2010 em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes ao escritório da Praça Pan-Americana, fui várias vezes ao escritório no Itaim, fui várias vezes à casa dele em São Paulo, fui alguma vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em casa, ele foi ao meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.


ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o presidente Temer?
Joesley –
Nunca foi uma relação de amizade. Sempre foi uma relação institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via nele a condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário que poderia financiar as campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam propina. Toda a vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para conversar, me chamava, e eu ia lá.

ÉPOCA – Conversar sobre política?
Joesley –
Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me chamou lá para bater papo. Sempre que me chamava, eu sabia que ele ia me pedir alguma coisa ou ele queria alguma informação.


ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao senhor já em 2010. É isso?
Joesley –
Isso. Logo no início. Conheci Temer, e esse negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com dinheiro.

ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?
Joesley –
Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolon, que está lá na nossa colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para fazermos um mensalinho. Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para ajudar o Yunes.


ÉPOCA – E ajudou?
Joesley –
Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na praça [Pan-Americana, em São Paulo]. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi, não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.

ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que o senhor deveria pagar?
Joesley –
O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de tratar e coisa. Não falava.

ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?
Joesley –
Não, não ele. Há políticos que acreditam que pelo simples fato do cargo que ele está ocupando já o habilita a você ficar devendo favores a ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma obrigação você fazer. Temer é assim.

ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também ocorreu dessa maneira?
Joesley –
Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto: “Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o grupo dele em 2014.

ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está na colaboração da JBS.
Joesley –
Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente disso.


MATÉRIA COMPLETA em ÉPOCA