Ponto zero - O Estado de S. Paulo
O Brasil acaba de criar um princípio
revolucionário no campo do Direito Público:
a Constituição, de acordo com essa novidade,
pode ser inconstitucional.
É o que resulta da decisão do STF que proíbe a
redução de salários dos funcionários públicos brasileiros, mesmo durante uma
situação de emergência extrema como a atual, e sob qualquer fórmula
administrativa de cálculo. E se essa possível redução vier acompanhada da redução
das horas de trabalho que o servidor tem de dar diariamente ao público? Nesse
caso não haveria diminuição salarial nenhuma, não é mesmo? Quem ganha menos ao
trabalhar menos está, na aritmética, ganhando exatamente a mesma coisa. Não,
senhor – também não pode.
[É necessário muita ATENÇÃO e RESPONSABILIDADE ao analisar essa questão, para que a população não seja prejudicada.
Espertos já tentaram reduzir o custo do Serviço Público com a redução de funcionários - efetuada por vários meios sendo o mais utilizado a não contratação de substitutos para os servidores que se aposentam.
Os exemplos são muitos, citaremos uma das situações criadas em uma das áreas que mais prejuízos causa à população.
A REDUÇÃO CRIMINOSA, por meios não legais e não transparentes, dos servidores do INSS = resultando em atrasos no atendimento de milhares de pedidos de aposentadoria, auxílio doença, licenças, etc.
A pandemia reduziu o impacto das filas superiores a seis meses de espera para os que necessitam prorrogar uma licença, obter aposentadoria, etc - mas o impacto será maior e as filas dobrarão, logo que cesse a pandemia.
Lá reduziram a substituição de funcionários, o que por óbvio, reduziu a capacidade de atendimento.
Agora pretendem reduzir o número de horas trabalhadas, para reduzir o salários dos servidores, e a capacidade de atendimento cai. A tragédia que ocorre no INSS se espalhará por todo o Brasil.
Toda e qualquer repartição pública, terá sua capacidade de atendimento reduzida.
O resultado será menos horas de trabalho = menor volume de serviço efetuado.]
Ficamos
da seguinte forma, então: os cidadãos brasileiros, por decisão judicial, são
desiguais perante a lei. É isso mesmo, exatamente. É legal reduzir o salário de
todas as pessoas que trabalham na iniciativa privada, sem nenhuma exceção, como
ocorre na presente epidemia da covid-19. É ilegal reduzir o salário de
qualquer das 12 milhões de pessoas que trabalham no setor público, também sem
nenhuma exceção. O que se vai fazer, então, com o artigo 5.º da Constituição
Federal? Está escrito ali o seguinte: “Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza”. Mais claro que isso não é possível; em nenhum
lugar está escrito que pode haver distinção de natureza salarial, por exemplo.
Como o STF decidiu que é inconstitucional reduzir a remuneração dos
funcionários públicos, só dá para chegar a uma conclusão: o artigo 5.º da
Constituição é inconstitucional.
É nisso
que dá viver em sociedades que deixam de ser governadas por leis e passam a ser
governadas por pessoas, como é o caso do Brasil de hoje. Os direitos do cidadão
e as liberdades civis começam a depender dos desejos, interesses e caprichos
dos que mandam – passam a não valer nada, na verdade, pois o que não vale para
todos por igual, e durante o tempo todo, é uma contrafação da democracia. Nenhuma nação é verdadeiramente
livre se não colocar o império da lei acima de tudo. O Brasil não faz isso. O
que está acima de tudo, aqui, é a vontade de onze magistrados que não foram
eleitos por ninguém, e que estão no galho mais alto do Poder Judiciário, e de mais meia dúzia de
políticos que operam não como atores legítimos do Poder Legislativo, e sim como chefes de
gangue. A consequência é o que se vê aí todos os dias: um país intoxicado pela
utilização velhaca do poder, o tempo todo, para defender os direitos de uns por
meio da negação dos direitos dos outros.
Virou um
fato da vida, aceito com conformismo, covardia ou má-fé pelas elites
intelectuais e seus subúrbios, que os ministros do STF escolham livremente, e
sem dar satisfação a ninguém, quais das 77 garantias fundamentais estabelecidas
pela Constituição Federal devem ou não devem ser aplicadas. [alguém já parou para pensar que o erro está na Constituição Federal vigente - a chamada 'constituição cidadã'?
Uma nação regida por uma constituição que confere dezenas e dezenas de direitos sem exigir a contrapartida de deveres conseguirá sobreviver?
Que consegue apresentar uma redução confusa, confusão diretamente proporcional ao excesso de detalhes inseridos e que só facilitam a judicialização, acabando com a Segurança Jurídica.
O caminho para tentar sobreviver tem que ser na base do ir levando enquanto for possível, produzindo motivos para que um dos dos três Poderes da União - harmônicos e independentes -passe a se considerar superior aos dois restantes e agir como tal.]
No momento, por
exemplo, acham que não está valendo a regra que garante aos advogados de um
acusado o acesso a todos os documentos do processo judicial; só mostram o que o
ministro fulano de tal deixa. Em compensação, os ministros atribuem a si mesmos
direitos que não estão previstos em lugar nenhum da Constituição, como o de
fazerem, eles próprios, um inquérito policial. Da mesma forma, os direitos do
cidadão a ter sua voz ouvida pelo Congresso foram anulados pelos presidentes do
Senado e da Câmara – eleitos com uma quantidade miserável
de votos, por conta das depravações de um sistema eleitoral suicida, mas
habilitados a colocar em votação só os projetos que interessam a eles e a seus
clientes.
A
democracia brasileira está chegando perto do ponto zero.
J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo