A INDEXAÇÃO é consequência da inflação alta, não é causa
O Banco Central prometeu derrubar a inflação de 9% para 4,8%, ou seja, quatro pontos percentuais em apenas um ano, e para isso os juros vão continuar subindo.O maior perigo agora é a reindexação na economia. Esse risco aumentou muito com a aprovação na Câmara dos Deputados da proposta de corrigir todas as aposentadorias pelo aumento do salário mínimo. Os deputados que votaram certamente jamais fizeram uma conta do que isso significa. A proposta ainda tem que passar pelo Senado, mas é uma demonstração de um legislativo irresponsável. Todos querem defender os aposentados, mas basta olhar os dados para saber que houve uma política deliberada de recuperação forte do salário mínimo. E mais: houve uma escolha há 21 anos de o país lutar contra a inflação indexada que nos levou à hiperinflação.
O Banco Central cometeu erros no passado que permitiram que a inflação chegasse ao nível de 9%. Mas o grande perigo agora é a dinâmica política que se estabeleceu entre um governo fraco, que não tem a capacidade de conduzir a agenda do país; e um Congresso populista que a cada dia aprova uma medida sem ver as condições em que a economia está, que escolhas fez, que riscos corre.
Na apresentação do Relatório de Inflação, ontem, o Banco Central deu a entender que todo o esforço é para conter os efeitos do tarifaço de energia ao ano de 2015. Todo mundo entendeu que isso significa continuar subindo os juros para impedir que a alta contamine o ano que vem. Com isso, ele quer exatamente evitar a propagação da inflação, lutando contra o perigo da indexação.
O grande erro do Banco Central foi ter deixado a inflação chegar ao nível a que chegou. Por ter sido leniente no primeiro mandato da presidente Dilma, agora a dose tem que ser maior, ainda que a economia esteja em recessão. O recado de ontem foi que a Selic continuará subindo pelo menos na próxima reunião, apesar de a projeção do PIB ter caído para -1,1%. Os juros altos vão tornar mais difícil a recuperação do ano que vem.
O Banco Central no ano passado seguiu o calendário eleitoral, negou que houvesse problemas com a inflação, e interrompeu o ciclo de alta dos juros meses antes das eleições. A Selic voltou a subir três dias após o segundo turno que reelegeu a presidente Dilma. Impossível negar que o aspecto político pesou mais que a justificativa técnica. Em economia, esse é um erro que sempre tem consequências, porque afeta a reputação da autoridade monetária. Agora, o BC tem que ser ainda mais duro para convencer os agentes econômicos de que está mesmo comprometido com o centro da meta, ponto ao qual jamais chegou no primeiro mandato.
Muitos equívocos foram cometidos nos últimos anos para que o país estivesse agora com uma projeção oficial de 9% de inflação, tão próxima da linha que nos levaria ao cenário da volta aos dois dígitos. A mensagem que o governo passou nos quatro anos do primeiro mandato foi a de que qualquer número até 6,5% era estar na meta. Além disso, houve repressão e manipulação de preços de energia e de combustíveis, que tiveram que ser corrigidos este ano. O governo aumentou os gastos públicos e descumpriu a meta fiscal. Tudo isso levou a taxa a ficar bem acima do teto da meta.
O BC tem dito que os preços administrados são o grande culpado da alta deste ano. Em 12 meses até maio, eles subiram 14,1%, puxados principalmente pela alta da energia elétrica. Contudo, na própria apresentação do diretor do BC Luiz Awazu Pereira, um dos gráficos mostra que os preços livres subiram 6,8% no mesmo período, ficando, portanto, acima do teto. A inflação de serviços está em 8,2%. Houve um tarifaço de energia, mas os outros preços também estão muito acima do que deveriam. O problema está disseminado.
O risco é o país ficar preso em um círculo vicioso: subir muito os juros para conter a inflação, e assim agravar a queda do nível de atividade, o que reduz a arrecadação, impedindo a recuperação fiscal do governo. A inflação é o inimigo principal e deve ser combatida, mas é muito difícil resolver uma fatura deste tamanho em pouco tempo. O BC terá que perseverar. De nada adiantará a taxa de juros subir se o Congresso aprovar aumentos de gastos sequenciais como tem feito com as despesas da Previdência.
Fonte: Coluna da Miriam Leitão