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quinta-feira, 4 de maio de 2017

Melhor a reforma do que o colapso

Considerando que no mundo todo, até na Grécia, a idade mínima já é de 65 anos, não se pode dizer que a regra brasileira é dura

A crise da Grécia estourou em 2009. Causas conhecidas: farra geral com o dinheiro público, gastos reais com o funcionalismo dobrando em menos de dez anos, aposentadorias entre as mais generosas e precoces da Europa, serviços públicos precários e economia travada por várias restrições ao investimento privado, incluindo uma legislação trabalhista que encarecia excessivamente o custo de produção. Com uma agravante: descobriu-se naquele ano que os governos gregos há anos maquiavam e escondiam os números das contas públicas.

Em resumo: durante os anos de bonança global do início dos anos 2000, a Grécia recebeu forte ajuda econômica da União Europeia, contou com notável expansão do turismo, tudo resultando em algum crescimento e ganhos de arrecadação. Quando veio a crise global, a casa caiu. Os gregos estavam gastando um dinheiro que, de fato, não tinham. Quando as receitas privadas e públicas desabaram, o buraco apareceu.

A dívida verdadeira passava dos 100% do PIB e, ao final de 2009, estava claro que o governo não conseguiria pagar seus compromissos com instituições internacionais e bancos, locais e estrangeiros. Única saída: apelar para a União Europeia e FMI. Seguiu-se um período tumultuado, pois os pacotes de ajuda exigiam as tradicionais medidas de ajuste das contas públicas — corte de gastos, reforma da Previdência, privatizações, corte de salários e benefícios do funcionalismo — todas dependendo de aprovação no Parlamento.

Foi assim: governos acertavam acordos com a UE e FMI, que não passavam no Parlamento. Caía o primeiro-ministro, nova formação de governo e assim foi. Sem programa e acabando o dinheiro, o ajuste começou a ser feito da pior maneira: atrasos e até suspensão de aposentadorias e salários, colapso de serviços públicos e, finalmente, fechamento dos bancos, permitindo-se apenas pequenos saques nos caixas automáticos.

Para encurtar a história: nessa confusão toda, a esquerda chegou ao governo, com o primeiro-ministro Alex Tsipras fazendo campanha contra os pacotes, contra a UE, o FMI, os bancos, capitalismo, o diabo.  Para fazer o quê? A única coisa que restava para evitar o caos: assinou acordos com os credores em troca de pacotes de ajuste. Claro que a implementação foi difícil, acordos foram descumpridos e renegociados, mas a coisa andou.
Fizeram algumas privatizações, aplicaram sucessivos cortes de salários do funcionalismo, eliminaram várias vantagens. E sucessivas reformas da Previdência, cortando benefícios, elevando tempo de contribuição e a idade mínima para 65 anos, claro.


A situação se estabilizou, mas o problema não terminou. Ainda agora, o governo grego está negociando novos empréstimos — em troca de novos ajustes.  Por exemplo: UE e FMI querem que o governo economize com aposentadorias e pensões um valor equivalente a 1% do PIB ao ano. No Brasil, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo previa a economia de R$ 800 bilhões em dez anos, ou 80 bi/ano, em valores constantes. O PIB brasileiro foi de R$ 6,3 trilhões no ano passado, e 1% disso daria R$ 63 bilhões.

Portanto, a proposta original do ministro Henrique Meirelles previa economia maior do que a exigida dos gregos hoje. Mas não se pode esquecer que os gregos estão já na quarta reforma. Além disso, o relator da proposta, deputado Arthur Maia, “amenizou” o projeto. Assim, a economia prevista no texto que começou a ser debatido ontem na Câmara caiu para R$ 480 bilhões ou R$ 48 bilhões/ano, ou 0,75% do PIB do ano passado. Portanto, um esforço menor do que o negociado na quarta reforma grega.

Tudo isso para dizer três coisas. A primeira: o déficit nas contas públicas pode ser escondido, amenizado com aumentos de impostos e dinheiro tomado emprestado — como se fez no Brasil — mas um dia o desastre aparece na forma de uma dívida insustentável. Desastre é o governo deixar de pagar contas, salários e aposentarias.  A segunda coisa: a reforma previdenciária em debate aqui não é draconiana, nem excessivamente dura. Por exemplo: fixa a idade mínima de aposentadoria em 65 anos para homens, mas com as regras de transição partindo de 55 anos e essa idade mínima aumentando um ano a cada dois anos, só se converge para os 65 anos em 2038 (e 2036 para 62 anos das mulheres).

Considerando que no mundo todo, até na Grécia, a idade mínima já é de 65 anos, não se pode dizer que a regra brasileira é dura.  E isso ocorre porque a situação das contas públicas se deteriorou muito mas ainda não chegou à beira do colapso ou do calote. Assim, é possível fazer uma reforma mais arrumada. Isso feito, o país dá o sinal de que está no rumo do ajuste. Sem a reforma, sem esse sinal, a hipótese do colapso torna-se dominante e as consequências danosas aparecem antes.


O que nos leva à terceira coisa a dizer: amenizar” a reforma hoje significa contratar uma nova reforma em alguns anos.


Fonte: O Globo - Carlos Alberto Sardenberg, jornalista



segunda-feira, 3 de abril de 2017

O colapso do discurso petista

Toda a discussão sobre a divisão da sociedade entre “nós” e “eles”, promovida incessantemente pelo PT, é significativa somente para as classes médias

A derrota sofrida pelo PT na eleição municipal de São Paulo foi tão acachapante que o partido resolveu tentar descobrir, com método científico, as razões desse desastre, que foi especialmente doloroso na periferia da capital, antigo reduto petista. Para isso, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, foi aos bairros mais pobres da cidade para entrevistar os eleitores que, embora tivessem votado no partido entre 2002 e 2012, se negaram a votar em Dilma Rousseff para a Presidência em 2014 e em Fernando Haddad para a Prefeitura em 2016.

O resultado desse trabalho ilustra o quão descolado da realidade está o discurso petista voltado para os mais pobres. Mais do que isso, permite perceber que esses eleitores, diferentemente do que apregoam os ideólogos petistas, consideram o Estado, e não a “burguesia”, como seu inimigo, valorizam a meritocracia e entendem que a crise ética da sociedade não é resultado de vícios estruturais, e sim de mau comportamento individual, que deve ser resolvido, antes de mais nada, pela família.

A pesquisa foi feita entre 22 de novembro de 2016 e 10 de janeiro deste ano, baseando-se em entrevistas em profundidade com moradores de bairros periféricos de São Paulo, acima de 18 anos, com renda familiar mensal de até cinco salários mínimos e que deixaram de votar no PT. Ao menos 30% dos entrevistados são ou foram beneficiários de programas sociais implementados pelos governos petistas. Ou seja, é o perfil tido como característico do eleitor petista, ao menos no imaginário dos que consideram o PT representante natural dos “excluídos”.

Como hipótese, o estudo afirma que o padrão de vida na periferia melhorou como resultado direto das políticas dos governos petistas, mas essa melhoria levou os moradores a “se identificarem mais com a ideologia liberal, que sobrevaloriza o mercado”. Com a crise econômica, prossegue a hipótese, esses moradores, ao contrário do que os petistas certamente esperavam, reagiram movidos pela “lógica da competição”, isto é, pela ideia de que é preciso que cada um trabalhe duro para superar os problemas. Tal visão é incompatível com uma ideologia que anula o indivíduo em favor da “classe trabalhadora”.

De um modo geral, a pesquisa concluiu que a política “não é prioridade no cotidiano” dos entrevistados. Quando falam do tema, em geral abordam os escândalos de corrupção. O estudo constatou também que “as categorias analíticas utilizadas pela militância política ou pelo meio acadêmico não fazem sentido para os entrevistados”, isto é, os embates entre “direita” e “esquerda” ou entre “reacionários” e “progressistas” simplesmente “não habitam o imaginário da população”. Além disso, constatou a pesquisa, “a cisão entre a classe trabalhadora e a burguesia também não perpassa o imaginário dos entrevistados”. Isso significa, em outras palavras, que toda a discussão sobre a divisão da sociedade entre “nós” e “eles”, promovida incessantemente pelo PT, é significativa somente para as classes médias e as suas redes sociais.

O estudo é obrigado a reconhecer que “o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores”, e sim “entre Estado e cidadãos, entre a sociedade e seus governantes”. Para os entrevistados, “todos são vítimas do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas”. A maioria, ademais, se disse favorável a “uma atuação mais integrada entre poder público e iniciativa privada em favor da coletividade”.

Dessa forma, segundo a Fundação Perseu Abramo, “abre-se espaço para o ‘liberalismo popular’, com demanda de menos Estado”. A entidade sugere que, se quiser voltar a prevalecer nas urnas, “o campo democrático-popular precisa produzir narrativas contra-hegemônicas mais consistentes e menos maniqueístas”. É o reconhecimento, afinal, de que a estratégia petista de hostilizar as “elites” fracassou, e é também a prova de que um projeto político que racionalize o Estado, estimule a iniciativa privada e premie os melhores e mais esforçados é eleitoralmente viável.

 Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo