Não é uma característica só do Brasil, mas aqui o problema vem atingindo patamares extremos: o modus operandi do sistema político-comunicacional-institucional vai se mostrando pouco compatível com a busca da eficiência das políticas públicas. O exemplo mais recente são os bate-bocas sobre a reforma trabalhista e o teto de gastos.
Como
deveria funcionar, se fosse razoável? Tomar-se-iam decisões. A partir
dos resultados, seriam feitos os ajustes. Claro que a política não é um
“sistema ideal”, envolve disputas não necessariamente movidas pela
“busca da verdade”, longe disso. Mas daí a aceitar como natural a
absoluta disfuncionalidade vai certa distância.
É esperado que os
proponentes da reforma trabalhista e do teto de gastos defendam-nos com
fervor. E deveria ser recebido com a mesma naturalidade que os
oponentes das medidas surfem sobre o que apontam como consequências
duvidosas. A reforma trabalhista corrigiu algumas distorções.
Duas delas: a proliferação desenfreada de sindicatos cartoriais, criados
unicamente para operar a contribuição sindical, e a indústria de ações
trabalhistas. Mas, de carona, passou-se a boiada, com uma maioria
congressual de centro-direita aproveitando a momentânea correlação de
forças no governo Michel Temer.
Numa
discussão algo honesta, talvez alguém pudesse concluir que implodir os
sindicatos de trabalhadores tenha algo a ver com a deterioração da
participação do trabalho na renda nacional. E que o lucro não se realiza
no aumento da produtividade da força de trabalho, realiza-se quando o
produto encontra comprador.
Não fosse assim, a escravidão não teria ficado obsoleta.
E
o sacrossanto teto de gastos? A polêmica em torno dele é puro sumo de
Brasil. Fundamental preservar o teto de gastos, dizem. Desde que, é
claro, todo ano possa dar-se um jeito de driblar o teto de gastos. Uma
hora é a pandemia, outra hora são os precatórios, ou mesmo os programas
sociais. Qual será o motivo para romper o teto de gastos em 2022?
Em 2021, o
dinheiro recolhido dos impostos ficou bem acima do esperado, mas o país
foi lançado à turbulência política quando o governo Bolsonaro informou
que ultrapassaria o teto para ampliar o Auxílio Brasil.[ressalte-se que a ampliação do Auxílio Brasil não foi uma opção do governo Bolsonaro e sim uma imposição das deficiências na área social circunstâncias econômicas (existentes antes do governo do capitão e agravadas pela pandemia) e não houvesse tal ampliação, milhões de famílias teriam suas condições de vida, já miseráveis, pioradas.]
Por
algumas semanas, pareceu, ou fez-se parecer, que a nação estava à beira
da insolvência, que o colapso das contas públicas se avizinhava, com as
óbvias decorrências macroeconômicas. Ao fim e ao cabo a montanha pariu
não um rato, mas um colibri, pois a música dos números fiscais do
fechamento de 2021 veio muito boa, melhor que as previsões mais
otimistas.
Este, aliás, foi outro puro sumo de Brasil.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
Publicado na revista Veja de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2.772