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terça-feira, 29 de setembro de 2020

A “vara” da Justiça, por Luiz Holanda

Para se entender o que significa o termo “vara” no Judiciário pátrio, faz-se necessário saber a diferença entre comarcas, varas e entrâncias.

As primeiras correspondem ao território em que o juiz de primeiro grau exerce sua jurisdição, podendo abranger mais de um município. São fixadas de acordo com o número de habitantes ou de eleitores, bem como o movimento forense e a extensão territorial dos municípios do estado. Cada comarca pode contar com vários juízes ou apenas um, exercitando as competências destinadas ao órgão de primeiro grau.

A palavra “entrância” significa a classificação administrativa das comarcas. Quanto maior a cidade, mais elevada será a entrância. As comarcas são classificadas como de primeira ou segunda entrância, além da comarca de entrância especial. A de primeira entrância é aquela de menor porte, que tem apenas uma vara instalada. Já a comarca de segunda entrância é a de tamanho intermediário, enquanto a de entrância especial (ou de terceira entrância) é aquela situada na capital ou nas grandes cidades.

Fórum significa o espaço físico onde funcionam os órgãos do Poder Judiciário. A vara tem sua origem na Roma Antiga, simbolizada por um bastão (faces) utilizado para dar passagem aos magistrados. Com o tempo passou a ser uma insígnia do juiz, a exemplo do juiz ordinário do império, que devia sempre levá-la consigo, sob pena de multa. O juiz ordinário era eleito anualmente pelo povo e pelas câmaras, atuando com independência da realeza. Tinha jurisdição nas comarcas onde obrigatoriamente residia, além de presidir as Câmaras municipais.

Existia também o juiz de fora, magistrado imposto pelo imperador sob o pretexto de administrar melhor a justiça, pois os juízes ordinários, em razão de suas afeições ou inimizades com o povo das vilas, poderiam falhar em suas decisões. A criação do juiz de fora foi uma espécie de usurpação da jurisdição pelo o poder régio. Estes eram impostos a todas as Vilas, restringindo, paulatinamente, a jurisdição dos juízes ordinários. O símbolo de sua autoridade e dos juízes ordinários era justamente a vara, que deviam portar obrigatoriamente ao se deslocar pelas Vilas. A vara simbolizava poder e autoridade, impondo imediata e irrestrita obediência. Até hoje essa simbologia permanece, pois quando alguém se recusa a comparecer perante o juiz este poderá determinar que o infrator seja conduzido “debaixo de vara”, significando que a pessoa deve comparecer “forçada pela autoridade judicial”.

O juiz ordinário carregando uma vara vermelha e o juiz de fora uma vara branca. O termo mereceu inúmeros comentários, alguns jocosos, como o de uma renomada advogada trabalhista que renunciou a um mandato por não aceitar dizer que “estava entrando na vara”, em vez de dizer que “estava entrando na junta”.

Ironias à parte, o termo latino “fasces” referia-se a um símbolo de origem etrusca usado pelo império Romano para demonstrar o poder da autoridade em cerimônias oficiais. Segundo Bluteau, a etimologia da palavra vereador vem da variante “vareador”, da palavra vara. Seja como for, o fato é que alguns autores afirmam que, à época, quando um juiz assumia o lugar do outro, este, para transferir-lhe a jurisdição, passava-lhe - no bom sentido -, a vara.

Jornal da Cidade 

Transcrito do Rota 2014, Blog do José Tomaz - Luiz Holanda 

domingo, 29 de dezembro de 2019

Quando a Justiça tarda e, no mais das vezes, também falha - VEJA - Blog do Noblat


Por Ricardo Noblat

Presos provisórios, os sem destino a não ser o crime

Como ele mesmo confessou, o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, disse ao presidente Jair Bolsonaro, ou mandou dizer (não lembra direito) que estava tudo okey com o juiz das garantias. A nova figura poderia ser criada, sim.  E, num prazo de seis meses, o novo sistema começará a funcionar – um juiz para dar conta de todos os procedimentos de um processo, outro para dar a sentença. Cerca de 40% das comarcas só dispõem de um juiz. E daí? Sem problema, dá-se um jeito rápido.

Toffoli deu uma de assessor informal de Bolsonaro. De alguma maneira antecipou seu voto na hipótese de o Supremo ser provocado a decidir sobre a legalidade do ato presidencial que criou o tal juiz. [atualizando: a criação, a paternidade do ato é do Congresso Nacional;
o presidente Bolsonaro apenas sancionou a criação legislativa, abrindo mão, em nome da celeridade legislativa, tendo em conta que se vetasse o veto seria derrubado.] Mas por aqui essas coisas acontecem, ora!
Há muitas Cortes no mundo onde os juízes só falam nos autos. Nesses lugares seria inconcebível que um chefe de Estado consultasse presidente da Corte para saber se uma decisão sua será bem acolhida por lá. Por aqui, soa normal.

Quando estourou o escândalo do mensalão do PT, o ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo, procurou líderes de partidos para aconselhá-los a ser prudentes. Lula temia que seu governo fosse abaixo. Jobim ajudou para que não fosse.  Foi o próprio Toffoli que contou que em meados deste ano, o governo Bolsonaro correu risco de cair. A reforma da Previdência não andava no Congresso. Filhos do presidente disparavam contra militares. E um deles já estava encrencado com a Justiça.

Que fez Toffoli, segundo ele mesmo?  Reuniu-se mais de uma dezena de vezes com os comandantes dos demais poderes. Costurou uma espécie de pacto entre eles. E o pior passou. Mais tarde, sustou as investigações sobre os rolos de Flávio, o Zero Um. Se é possível, com boa vontade, superar obstáculos; se mudança tão ampla no processo penal como essa, do juiz das garantias, deverá entrar em vigor já, já, não seria o caso de se apressar soluções para outros problema graves que atravancam a Justiça? [ou a rapidez só está disponível quando a medida atravanca mais o que já está atravancado?]

Em texto aqui publicado, transcrito do jornal O Globo, o colunista José Casado abordou a situação dos chamados presos “provisórios” no Brasil. Em agosto último, eram 337 mil (41,5% do total de 818,8 mil encarcerados). Cumprem pena sem condenação. São quase todos jovens, periféricos, pobres, negros e mulatos, alguns quase brancos ou quase pretos de tão pobres, escreveu Casado, socorrendo-se da letra da música “Haiti”, de Caetano Veloso. Sobrevivem, ou tentam, nas 2,6 mil cadeias do país.

A maioria está trancada há pelo menos quatro anos, 48 meses ou 192 semanas à espera da decisão de um juiz sobre o seu destino: vida em liberdade ou “no exército oferecido pelo estado brasileiro aos 80 grupos criminosos que controlam presídios”.
Fora os parentes e as entidades que defendem os direitos humanos, ninguém aqui fora parece interessado na sorte desses jovens. E certamente há muitos inocentes entre eles. O sistema penitenciário brasileiro só serve para produzir criminosos.
Toffoli e seus colegas de toga poderiam dar um jeito nisso. Por que não dão?

Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Doria: ‘Lula está em um processo avançado de esclerose’ e Editorial do Estadão: O irrealismo do MP paulista


"Nunca vi presidiário dar entrevista na prisão. É um fato inédito no Brasil", disse governador de São Paulo

O governador João Doria (PSDB) criticou nesse domingo, 28, a entrevista concedida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos jornais Folha de S.Paulo e El País, em que disse, entre outras coisas, que o Brasil era governado por “um bando de maluco”.

Me surpreendeu a entrevista. Nunca vi presidiário dar entrevista na prisão. É um fato inédito no Brasil. O ex-presidente e presidiário Luiz Inácio Lula da Silva parece estar em um processo avançado de esclerose”, disse Doria. O tucano falou com os jornalistas após participar da convenção estadual do DEM na Assembleia Legislativa ao lado do vice governador, Rodrigo Garcia, que foi eleito presidente da sigla no Estado.

Questionado sobre uma possível candidatura presidencial em 2022, Doria foi evasivo. “Cada passo é um passo. Cada tempo é seu tempo. Agora é tempo de gestão”.

Além de Doria, o prefeito Bruno Covas, o ex-ministro Gilberto Kassab e o senador José Serra também participaram da convenção. O governador também falou sobre o futuro do PSDB e defendeu a criação de um código de ética “duro” para o partido.
Doria também defendeu que o PSDB adote uma postura mais liberal na economia. “Nossa defesa é que o PSDB seja um partido liberal. Nem de esquerda, nem direita. Mas de centro”.

Revista VEJA

Editorial do Estadão: O irrealismo do MP paulista

Por causa dos gastos com funcionários ativos e inativos e despesas obrigatórias, sobra cada vez menos para o governo estadual investir em áreas essenciais


Na mesma semana em que o governador João Doria Junior afirmou que o governo do Estado de São Paulo poderá quebrar se a reforma da Previdência não for aprovada pelo Congresso, os jornais noticiaram que a Procuradoria-Geral de Justiça está pedindo à Assembleia Legislativa que aprove projeto de lei criando 400 cargos de promotores no Ministério Público (MP) estadual.

Os dois fatos não são isolados. Por causa dos gastos com funcionários ativos e inativos e despesas obrigatórias determinadas pela Constituição, sobra cada vez menos para o governo estadual investir em áreas essenciais. E é isso que torna imperiosa a adoção de medidas fiscais rigorosas pela maior e mais importante unidade da Federação, disse Doria.

O problema, contudo, é que vários setores da administração pública estadual ─ como é o caso do MP ─ não têm a mesma preocupação. A criação de 400 cargos para promotores representa um aumento de 20% em relação ao número de cargos existentes. Atualmente, a instituição tem 2.019 cargos, dos quais 306 estão vagos. Assim, se o número de cargos não ocupados já é alto, por que a Procuradoria quer criar mais 400?

Ao justificar essa pretensão, o procurador-geral, Gianpaolo Smanio, alegou que ela tem o objetivo de suprir uma carência atual e também futura de promotores, por causa das novas varas que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) pretende criar e da implantação do processo judicial eletrônico. A inconsistência dessa justificativa não passou despercebida pelos especialistas em finanças públicas e direito econômico ouvidos pelo Estado. “É preciso um estudo para verificar se há demanda real para a ampliação do quadro”, afirmou Vera Chemin, da Fundação Getúlio Vargas, cobrando informações mais detalhadas sobre a necessidade da proposta. “É um contrassenso a digitalização de processos gerar a necessidade de mais cargos. O que se espera de um processo de racionalização tecnológica é que ele permita ganhar não só eficiência, mas economia de recursos públicos”, disse Mônica Sapucaia, da Escola de Direito do Brasil. Também reclamam da falta de informações sobre produtividade do MP e da ausência de critérios lógicos para a distribuição dos cargos a serem criados. 

Afirmam, ainda, que o projeto não indica as comarcas e as varas para as quais os promotores serão destinados nem apresenta seu impacto nas finanças estaduais. Pelo projeto, metade dos 400 cargos será destinada a promotores de entrância final, que é a última etapa da carreira e que paga os maiores salários. Esses promotores atuam nas grandes comarcas e seus salários partem de R$ 33,7 mil. Outros 100 cargos são destinados a comarcas intermediárias, onde o número de juízes seria duas vezes e meio maior, segundo o procurador-geral. Os demais 100 cargos são previstos para promotores iniciantes e substitutos. Pelas estimativas das bancadas do PSDB e do PT, cujos deputados criticam a prioridade dada pelo projeto aos promotores de entrância final, a criação dos 400 cargos custará R$ 168 milhões, o que corresponde a 8% do gasto anual do MP com folha de pagamento. Em resposta, Smanio alegou que os 400 cargos pedidos serão preenchidos “paulatinamente”, com base em “prévios estudos e critérios objetivos”.

A explicação foi considerada vaga por vários deputados, que lembraram que a Assembleia aprovou, recentemente, um projeto que autorizou o MP a contratar 320 oficiais e analistas de promotoria. “A aprovação desse projeto significa apenas a ampliação do banco de cargos, sendo certo que o efetivo impacto no orçamento só ocorrerá em momento futuro, quando da nomeação e posse de novos servidores”, afirmou o diretor-geral da instituição, Ricardo de Barros Leonel.

Essas explicações dão a dimensão do irrealismo que caracteriza o MP. A exemplo do Judiciário, seus dirigentes também tomam decisões absurdas, em matéria de cargos e salários, revelando-se incapazes de compreender a gravidade da crise fiscal que o Estado vem enfrentando.
Veja - Blog do Augusto Nunes